O diabetes mellitus (DM) tipo 2 pode ser considerada uma das grandes pandemias de doenças não transmissíveis, com estimativa de > 0,5 milhão de indivíduos afetados no mundo. A associação entre DM tipo 2 e insuficiência cardíaca (IC) tem sido cada vez mais relatada na literatura e gerado atenção da comunidade médica. Pacientes com DM tipo 2 apresentam risco aumentado de hospitalização por IC em comparação aos não diabéticos e, infelizmente, este risco não tem sido mitigado apenas pelo controle da glicemia11. Sendo assim, novas terapêuticas com classes de medicamentos capazes de prevenir a IC em pacientes com DM tipo 2 são uma necessidade clínica não atendida. Neste texto, vamos trazer três recentes avanços na prevenção de IC em pacientes com DM tipo 2.
Número 1 – Inibidores de SGLT2
Os inibidores de SGLT2 (sodium glucose co-transporter 2) agem por meio de aumento da glicosúria promovendo diurese osmótica. Estes medicamentos têm ocupado um papel de destaque recentemente no tratamento da IC, independente da fração de ejeção (FE) ou da presença de DM tipo 2. Além disso, já nos estudos em pacientes com DM tipo 2, esta classe de medicamentos se demonstrou eficaz na redução de hospitalização por IC mesmo em pacientes sem histórico de IC prévia, doença renal ou doença cardiovascular manifesta. Em uma meta-análise de ensaios randomizados incluindo > 30 mil pacientes, os inibidores de SGLT2 resultaram em uma redução relativa de hospitalização por IC em 30%22. São também comprovadamente eficazes na redução da progressão de nefropatia. Por todos estes benefícios, os inibidores de SGLT2 são recomendados em todas as diretrizes para a prevenção de IC nos pacientes com DM tipo 2 de alto risco cardiovascular.
Número 2 – Agonistas de GLP-1
Os agonistas do GLP-1 (glucagon like peptide 1) são medicamentos que ganharam muito interesse sobretudo por seu notório efeito na perda ponderal. A maioria dos agentes da classe são de uso via injeção subcutânea. Em pacientes com DM tipo 2, são comprovadamente eficazes na redução de eventos aterotrombóticos, como infarto e AVC, além de levarem a benefícios metabólicos amplos no controle da glicemia, redução da pressão arterial e perda de peso. Seu mecanismo de ação envolve tanto a liberação de insulina pós-prandial como efeitos sobre apetite e esvaziamento gástrico. No que diz respeito à prevenção de IC, também têm se mostrado comprovadamente eficazes no DM tipo 2, embora com efeitos mais modestos do que os inibidores de SGLT-2, levando a uma redução do risco relativo em torno de 11% em uma meta-análise de estudos randomizados abrangendo > 60 mil pacientes com DM tipo 233. São muito aguardados estudos futuros sobre potenciais efeitos desta classe também em pacientes sem DM tipo 2
Número 3 – Antagonistas de mineralocorticoide
O antagonismo da aldosterona tem sido amplamente estudado no tratamento da IC, com benefício robusto sobretudo na IC com FE reduzida. Recentemente, o interesse por esta classe aumentou em virtude dos resultados da finerenona, um antagonista de aldosterona não esteroidal com perfil de segurança mais favorável em relação aos medicamentos mais antigos da classe (espironolactona e eplerenona). O estudo FIGARO-CKD foi um ensaio clínico randomizado e duplo-cego que comparou finerenona versus placebo em cerca de 7400 pacientes com DM tipo 2 e nefropatia diabética. Neste estudo, ocorreu uma redução relativa de 30% na ocorrência de hospitalização por IC, uma magnitude de benefício comparável à dos inibidores de SGLT244. Vale ressaltar que o estudo excluiu pacientes com IC e FE reduzida (que já teriam indicação definitiva de usar espironolactona ou eplerenona), logo seus resultados também se traduzem numa potencial prevenção da IC em pacientes com DM tipo 2 e nefropatia. São aguardados estudos adicionais testando este medicamento no tratamento da IC com FE preservada.
Assim, apesar do prognóstico desfavorável e do alto risco da IC no DM tipo 2, felizmente novos tratamentos têm aparecido. Vale ressaltar que o controle dos fatores de risco além da glicemia, como pressão arterial, tabagismo e dislipidemia, também é fundamental para se evitar esta complicação. Uma vez que o DM tipo 2 tem grande associação com IC, a estratégia proativa de tratar precocemente os pacientes elegíveis antes que apresentem IC e o diagnóstico de casos assintomáticos por meio de exames de imagem e laboratoriais adequados são estratégias a serem fortemente consideradas na nossa prática clínica.