Revascularização completa em idosos com infarto agudo do miocárdio - MDHealth - Educação Médica Independente
sexta-feira nov 22, 2024

Revascularização completa em idosos com infarto agudo do miocárdio

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 27 de agosto de 2023

4 min de leitura

O quê?  

O estudo FIRE (Functional Assessment in Elderly MI Patients with Multivessel Disease) foi um ensaio clínico randomizado, aberto com adjudicação cega de desfechos, multicêntrico, feito em 3 países (Itália, Espanha e Polônia), comparando uma estratégia de revascularização completa versus revascularização apenas da artéria culpada em idosos (idade ≥ 75 anos) admitidos com infarto agudo do miocárdio (IAM) e doença arterial coronária (DAC) multi-arterial.  

 

Por quê?  

A revascularização de múltiplos vasos tem se estabelecido como um tratamento de escolha em pacientes com IAM e DAC multiarterial baseado em estudos prévios. Entretanto, ainda persistem dúvidas quanto ao benefício desta conduta em pacientes com IAM sem supra e se a estratégia poderia inclusive ter melhores resultados quando guiada por avaliação invasiva de fluxo coronário (como o FFR – fractional flow reserve). Além disso, pacientes com idade ≥ 75 anos, nos quais o risco de eventos cardiovasculares é maior, porém estão mais susceptíveis a complicações de procedimentos, são um grupo de interesse especial e sub-representado nos estudos anteriores.  

 

Como?  

O estudo incluiu pacientes admitidos com IAM (com ou sem supra), submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) do vaso culpado e com doença residual nos demais vasos epicárdicos. Pacientes com doença do tronco da coronária esquerda na artéria não culpada foram excluídos. Os pacientes foram randomizados para uma estratégia de revascularização completa, com ICP dos demais vasos não-culpados na mesma internação (podendo o procedimento ser estagiado, ou seja, realizado em um segundo momento após o tratamento da culpada), versus tratamento isolado da artéria culpada. No grupo revascularização completa, os vasos tratados eram aqueles com obstrução significativa e isquemia documentada por método de fisiologia invasiva (por exemplo, FFR < 0,80).  

O desfecho primário do estudo foi um desfecho composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de nova revascularização guiada por isquemia. O desfecho secundário principal foi morte cardiovascular ou infarto. Os desfechos secundários foram os componentes individuais dos desfechos mencionados anteriormente.  Os desfechos de segurança foram o composto de AVC, insuficiência renal aguda por contraste ou sangramento BARC (Bleeding Academic Research Consortium) 3 a 5.    

  

 

 

Estrutura PICOT 
Population:  Pacientes com IAM, DAC multiarterial e idade ≥ 75 anos      
Intervention  Revascularização completa   
Control:  Revascularização somente da artéria culpada    
Outcome  Composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de nova revascularização 
Time  1 ano     

 

 

E aí?   

Foram incluídos 1445 pacientes, sendo 720 randomizados para revascularização completa e 725 para revascularização somente da artéria culpada. A idade mediana foi de 80 anos, e 36% eram do sexo feminino e cerca de dois terços tiveram IAM sem supra de ST. A grande maioria (93%) dos pacientes foram tratados via acesso radial. Os pacientes do grupo revascularização completa receberam em sua maioria a segunda ICP estagiada com um tempo mediano de 3 dias após o tratamento do vaso culpado.  

Após um ano de seguimento, o desfecho primário ocorreu em 15,7% dos pacientes do grupo revascularização completa versus 21,0% dos pacientes do grupo revascularização somente da artéria culpada (hazard ratio [HR] 0,73; intervalo de confiança [IC] 95% 0,57-0,93; P = 0,01). Esta redução também foi observada também no desfecho secundário principal de morte CV ou infarto, com 8,9% versus 13,5% nos grupos revascularização completa versus revascularização somente da artéria culpada, respectivamente (HR 0,64; IC 95% 0,47-0,88). Os pacientes submetidos a revascularização completa também apresentaram menor mortalidade (9,2% versus 12,8%, respectivamente; HR 0,70; IC 95% 0,51-0,96). Não houve aumento estatisticamente significativo de IRA por contraste com a revascularização completa (17,9% versus 16,0%, respectivamente; HR 1,11; IC 95% 0,87-1,42), nem de sangramento maior (4,7% versus 5,0%; HR 0,95; IC 95% 0,59-1,53) ou de AVC (1,7% versus 1,0%; HR 1,73; IC 95% 0,68-4,40).  

E agora?  

A revascularização completa em pacientes com IAM tem sido objeto de diversos estudos, sendo demonstrada uma redução consistente de eventos cardiovasculares a favor dessa estratégia. A única exceção constitui os pacientes com choque cardiogênico, em que a revascularização completa no mesmo procedimento da artéria culpada resultou em maior mortalidade. Entretanto, uma vez que o paciente se recupere do choque, a ICP dos demais vasos deve ser programada, de preferência na mesma internação. O estudo FIRE complementa os achados dos estudos prévios, sugerindo que este benefício também se estende a pacientes com IAM sem supra de ST. Além disso, o estudo avaliou a população de pacientes com idade ≥ 75 anos, nos quais as taxas de complicações de procedimentos poderiam ser uma preocupação.  

O estudo FIRE utilizou um desfecho composto, sendo uma possível limitação, uma vez que o desfecho incluía componentes mais importantes (como morte) e menos importantes (como necessidade de nova revascularização). Entretanto, os desfechos secundários reforçam a hipótese de que esta redução se deu às custas dos desfechos “duros”, como morte e infarto. Os autores poderiam ter utilizado um ajuste de multiplicidade para preservar o erro tipo 1 nos desfechos secundários. Tivessem feito isso, talvez pudéssemos ter a conclusão definitiva até mesmo de uma redução de mortalidade com a revascularização completa.  

O estudo FIRE portanto sela de vez a questão sobre o que fazer em pacientes admitidos com IAM e DAC multi-arterial. A ICP do vaso culpado deve ser feita com total prioridade, seguida da ICP dos vasos não culpados com estenose hemodinamicamente significativa, assim que possível. Afinal de contas, o fato de tais lesões não serem consideradas culpadas não necessariamente quer dizer que sejam inocentes

Referência

  1. Biscaglia S, Guiducci V, Escaned J, et al. Complete or Culprit-Only PCI in Older 

    Patients with Myocardial Infarction. N Eng J Med 2023; Epub ahed of print DOI: 10.1056/NEJMoa2300468  

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP