O quê?
Um estudo de coorte retrospectivo avaliou a associação entre o escore de cálcio coronário (CAC – coronary artery calcium) e eventos cardiovasculares, medido em tomografias computadorizadas (TC) de tórax solicitadas por razões diversas.
Por quê?
O escore CAC é um preditor de eventos cardiovasculares (CV) já bem estabelecido, sendo esta medida recomendada nas diretrizes sobretudo para os pacientes de risco intermediário pelos escores clínicos. Tradicionalmente, a medida do CAC é obtida por meio de TC com multi-detectores com um protocolo específico dedicado, acoplado ao eletrocardiograma. A TC tórax tradicional, realizada para o diagnóstico de diversas situações clínicas (como câncer e pneumopatias), poderia detectar este escore na mesma imagem. Entretanto, a associação entre o CAC derivado da TC tradicional com eventos CV ainda é pouco conhecida.
Como?
O estudo incluiu pacientes de um sistema de saúde norte-americano (Stanford Health Care System) que haviam sido submetidos em algum momento à realização de TC de tórax por diversas razões. Pacientes que não tiveram um atendimento no sistema antes da TC, ou que não foram seguidos após o exame no mesmo sistema de saúde, foram excluídos, assim como o foram os pacientes com doença CV prévia ou câncer metastático. Por meio de um algoritmo validado de inteligência artificial, os investigadores conseguiram derivar o escore CAC a partir das imagens de TC de tórax convencional. Os pacientes foram divididos em 3 grupos conforme o CAC: zero; 0-99; e 100 ou mais.
O desfecho principal do estudo foi mortalidade por todas as causas. Os desfechos secundários foram o composto de morte, infarto ou AVC; e o composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de revascularização arterial. Os óbitos foram capturados por meio dos prontuários eletrônicos e suplementados por registros de seguridade social (o equivalente ao CPF, no Brasil). Os desfechos não-fatais foram obtidos a partir de códigos de internação (pela Classificação Internacional de Doenças – CID) e códigos de procedimento usados na rede de saúde. As comparações entre os grupos foram ajustadas para potenciais confundidores, como sexo, idade, raça, etnia, índice de co-morbidade e fatores de risco CV (como pressão arterial, tabagismo, colesterol e presença de diabetes).
Estrutura PECOT | |
Population: | Pacientes sem doença CV submetidos a TC de tórax |
Exposition: | CAC escore > 0 |
Control: | CAC escore = 0 |
Outcome | Mortalidade |
Time | 5 anos (em média) |
E aí?
Ao todo, 5678 indivíduos foram incluídos na coorte, entre os anos de 2014 e 2019. Destes, 2731 tinham CAC = 0, 1048 tinham CAC de 0 a 99, e 1899 tinham CAC ≥ 100. Os pacientes do grupo CAC ≥ 100 tinham idade mais avançada, além de maior percentual de pacientes fumantes, com diabetes ou em uso de estatinas.
Em relação ao grupo com CAC zero, a presença de CAC ≥ 100 se associou a uma maior ocorrência de mortalidade por todas as causas (hazard ratio [HR] ajustado 1,51; intervalo de confiança [IC] 95% 1,28-1,79), assim como do composto de morte, infarto ou AVC (HR 1,57; IC 95% 1,33-1,84) e do composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de revascularização arterial (HR 1,69; IC 95% 1,45-1,98). Já a presença de CAC 0-99 não se associou a um aumento de morte (HR 1,13; IC 95% 0,94-1,36), nem do composto de morte, infarto ou AVC (HR 1,13; IC 95% 0,94-1,36) ou do composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de revascularização arterial (HR 1,18; IC 95% 0,99-1,41).
E agora?
A TC com escore de cálcio tem se tornado um método cada vez mais utilizado na estratificação de risco CV na prevenção primária. A presença de CAC alto se associa a pior prognóstico e pode ajudar na decisão clínica, por exemplo, ao se escolher o alvo de colesterol LDL ideal. Nesse sentido, o presente estudo adiciona dados importantes para a prática clínica, mostrando que um algoritmo de inteligência artificial conseguiu obter o CAC a partir de um exame mais simples do que o tradicionalmente utilizado. Mais importante ainda, este escore CAC aumentado avaliado por estes exames se associou a desfechos clinicamente relevantes.
Algumas limitações deste estudo devem ser lembradas. Principalmente por se tratar de um estudo retrospectivo, incompletude na coleta de informações e vieses de seleção da amostra dos pacientes estudados (em que somente são incluídos aqueles que tiveram indicação de TC de tórax por outras razões fora avaliação do risco CV, ao invés de ter ocorrido uma busca sistemática a partir de um conjunto de indivíduos) são questões importantes a serem consideradas. Além disso, os pacientes terminavam o seguimento no estudo após o último atendimento médico disponível no sistema. Isso leva a um fenômeno em estatística chamado de censura informativa, quando a decisão do tempo de seguimento é potencialmente influenciada pelo desfecho em si, e não por um protocolo de pesquisa estabelecido a priori. Com isso, pode acontecer de pacientes com eventos CV terem deixado de acompanhar na coorte justamente por conta do evento em si (exemplo: morte). A exclusão destes eventos poderia introduzir viés nos resultados do estudo. Por último, os pacientes do estudo foram incluídos nos Estados Unidos somente, e não se sabe se tais resultados seriam reprodutíveis em outros países ou grupos étnicos.
Em resumo, o escore CAC ≥ 100 a partir de TC de tórax convencional se associou a aumento de mortalidade e eventos cardiovasculares maiores em um grupo selecionado de indivíduos atendidos em uma rede de saúde suplementar dos Estados Unidos. Se estes resultados forem validados em outras populações, uma nova ferramenta de estratificação de risco CV poderá estar disponível na prática clínica.