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Consumir carne vermelha aumenta o risco de doenças cardiovasculares e diabetes?

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 3 de outubro de 2023

5 min de leitura

O quê? 

Um estudo de meta-análise, incluindo coortes e estudos de caso-controle, avaliou a associação entre o consumo de carne vermelha processada (como salsicha, bacon e presunto) ou não processada com o aumento do risco de doenças cardiovasculares (DCV) e do risco de desenvolver diabetes mellitus do tipo 2 (DM2). 

Por quê? 

A relação entre o consumo de carne vermelha e potenciais riscos à saúde populacional tem sido discutido de forma recorrente e apresenta resultados controversos. O tema merece cada vez mais atenção, não só pelo seu impacto na saúde individual, mas também na saúde planetária, já que se espera que o consumo global de carne vermelha seja duplicado em 2030, quando comparado a 1970. Vários estudos observacionais classicamente observaram que o consumo de carne vermelha estava relacionado ao maior risco de DCV, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca e DM2. Porém, outras análises mostraram associação nula e/ou até mesmo efeitos benéficos do consumo de carne vermelha para doença coronariana ou AVC nas mulheres. Considerando que as intervenções dietéticas são componentes-chave da prevenção das DCV e que a era pós-pandemia trouxe mudanças de comportamento e estilo de vida na população global, foi proposta então uma meta-análise atualizada sobre o tema. 

Como? 

A meta-análise avaliou dados de 43 estudos observacionais ( N = 4 462 810, 61,8% mulheres) para avaliação de desfecho cardiovascular e 27 estudos (N = 1 738 672, 63.9% mulheres) para o desfecho DM2. A maioria dos estudos incluídos utilizou questionários de frequência alimentar para avaliar o consumo de carne vermelha e processada. As coortes também eram controladas para fatores de confusão importantes, como idade, sexo, posição socioeconômica, tabagismo e consumo de álcool. Os resultados foram submetidos à avaliação do risco de viés de acordo com ROBINS-E, sendo que 15 dos 43 estudos de DCV e 11 dos 23 estudos para DM2 apresentaram risco moderado ou alto de viés. De maneira interessante, foram realizadas análises de subgrupos por sexo nos estudos que relataram resultados estratificados por sexo e por localidade (ocidental vs. oriental, com base no padrão alimentar e na região geográfica). 

 

Estrutura PECOT 

Population: População em geral 

Exposition: consumo de carne vermelha  

Control: Não consumo de carne vermelha 

Outcome: doença cardiovascular ou diabetes mellitus tipo 2 

Time: não descrito 

 

E aí? 

No geral, cada 100 g/dia de consumo de carne vermelha não processada foi associado a maior risco de DCV (HR 1,11, IC 95% 1,05–1,16, I2 = 33,4%). As análises de subgrupo sugeriram uma associação positiva entre o consumo de carne vermelha não processada e o risco de DCV em homens, mas não em mulheres, com base em 4 estudos que relataram estimativas estratificadas por sexo; não houve diferença, para esse braço, entre populações da região leste ou oeste. Além disso, o consumo de 50 g/dia de carne vermelha processada foi associado a um maior risco de DCV (HR 1,26, IC 95%1,18–1,35, I2 = 64,1%), com base em 14 estudos relativos a 2.158.461 participantes nas análises de subgrupos por sexo, foram observadas associações positivas para homens e mulheres; e por regiões, o risco mais elevado de DCV foi encontrado apenas em populações ocidentais. Ainda, os autores também verificaram uma associação de carne vermelha processada com maior risco de acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. 

O consumo de carne vermelha não processada foi positivamente associado ao risco de DM2 (HR 1,27, IC 95% 1,16–1,39, I2 = 88,7%, por incremento de 100 g/dia), sendo que as análises de subgrupos não sugeriram nenhuma diferença por sexo. A ingestão de carne vermelha processada também foi positivamente associada ao risco de DM2 (HR 1,44, IC 95% 1,27–1,63, I2 = 90,5%, por incremento de 50 g/dia). Mais uma vez, análises de subgrupos sugeriram que o consumo de carne vermelha processada estava associado a um risco maior de DM2 em ambientes ocidentais do que em ambientes orientais, com significância estatística.  

E agora? 

A metanálise apresentada teve como objetivo atualizar os dados de revisões anteriores, após o ano de 2020, trazendo resultados de desfechos clínicos. Ela reforça as associações positivas da ingestão de carne vermelha com as DCV. Esses resultados são provavelmente devidos a relação direta do consumo da carne vermelha com os fatores de risco clássicos para as DCV, como a piora do perfil lipídico (principalmente!) e o aumento da obesidade e da pressão arterial.   

As limitações da metanálise,  como a heterogeneidade dos estudos incluídos e os possíveis viéses, foram reconhecidas e estatisticamente trabalhadas, quando possível. Não foram encontrados ensaios clínicos randomizados sobre o tema, possivelmente devido à dificuldade de se alcançar a adesão a longo prazo a um consumo específico de carnes. Além disso, os RCTs publicados frequentemente apresentaram desfechos substitutos, como biomarcadores glicêmicos (glicemia de jejum, insulinemia, HbA1c) para reduzir o tempo necessário de seguimento dos pacientes. Outro ponto importante quanto à randomização, em relação ao risco relativo ao consumo de carne vermelha: no grupo controle seria necessária, por exemplo, a inclusão de veganos e vegetarianos; ou apenas “pessoas que ingerem menor quantidade de carne vermelha”, sendo importante um controle rigoroso sobre o “crossover” neste último grupo.  

Outras limitações em estudos observacionais que avaliam dietas alimentares ocorrem pelo uso de questionários alimentares, que estão sujeitos ao viés de memória e de precisão (afinal, como medir a quantidade de salsicha no cachorro-quente, em uma refeição aleatória no dia-a-dia?). Ainda, seguindo esse exemplo, os confundidores não medidos e não equilibrados por randomização também impactam muito na análise dos desfechos clínicos: nenhum estudo cita a quantidade de carboidrato, gorduras saturadas ou alimentos ultraprocessados, entre vários macronutrientes sabidamente relacionados ao risco de desenvolvimento de DCV e DM2.  

Isso posto, considerando todas as possíveis dificuldades relacionadas ao estudo desse tema, a palavra de ordem quanto ao uso da carne vermelha é moderação. A dieta mediterrânea, por exemplo, estudada no RCT PREDIMED e protetora quanto ao risco de DCV, permite  o uso de até 85 gramas de carne vermelha por dia. O uso de carnes processadas, ricas em sódio e aditivos químicos, deve ser proscrito. A metanálise reforça, portanto, que devemos orientar nossos pacientes a realizar uma mudança gradual, respeitosa e consciente dos hábitos alimentares.  

Referência

  1. Wenming Shi, Xin Huang, C Mary Schooling, Jie V Zhao. Red meat consumption, cardiovascular diseases, and diabetes: a systematic review and meta-analysis. Eur Heart J 2023; 44 (28): 2626–2635.   

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia

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