Coronariografia de rotina ou não em pacientes após parada cardiorrespiratória - MDHealth - Educação Médica Independente
sexta-feira nov 22, 2024

Coronariografia de rotina ou não em pacientes após parada cardiorrespiratória

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 4 de outubro de 2023

4 min de leitura

O quê? 

Uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados avaliou qual é a melhor estratégia em pacientes ressuscitados após parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar: coronariografia invasiva imediata versus estratégia conservadora.  

 

Por quê? 

Em pacientes com PCR extra-hospitalar, a doença arterial coronária (DAC) costuma ser um fator predisponente comum. Dessa forma, a coronariografia precoce com possível intervenção coronária percutânea (ICP) das lesões graves poderia ser uma estratégia benéfica nestes pacientes, indenpendente da presença de alterações isquêmicas no ECG. Entretanto, os benefícios dessa estratégia sobre a mortalidade são bastante controversos.

 

Como? 

O estudo consistiu em uma revisão sistemática e meta-análise de estudos randomizados comparando uma estratégia invasiva rotineira versus uma estratégia conservadora pós PCR extra-hospitalar. Foram incluídos os estudos comparando estas estratégias em pacientes apresentando PCR ressuscitada (independente do ritmo inicial) e ausência de supradesnivelamento de segmento ST no ECG.  

 

Estrutura PICOT 

Population: Pacientes ressuscitados após PCR extra-hospitalar  

Intervention: Coronariografia imediata  

Control: Estratégia conservadora  

Outcome: Mortalidade  

Time: 30 dias  

 

E aí? 

Ao todo, 5 ensaios clínicos randomizados foram incluídos, com um total de 1512 pacientes, com idade mediana de 67 anos, sendo 26,1% do sexo feminino e 35,7% com história de DAC. Um ritmo chocável estava presente em 70,2% dos pacientes, e 65,7% tiveram ressuscitação inicial no local da parada por um transeunte antes da chegada do serviço médico. No grupo submetido a uma estratégia invasiva, uma ICP foi realizada em 34,8% dos pacientes. Todos os estudos incluídos tiveram pequeno risco de viés. 

A estratégia invasiva rotineira não se associou a uma redução de mortalidade em relação à estratégia conservadora (odds ratio [OR] para morte 1,12; intervalo de confiança (IC) 95% 0,91-1,38; I2 = 0%). A estratégia invasiva também não se associou a uma redução de morte ou déficit neurológico grave (OR 1,10; IC 95% 0,89-1,36; I2 = 3,6%). O resultado foi consistente em diversos subgrupos, independente da idade, ritmo de parada (chocável versus não-chocável), tempo de retorno à circulação espontânea, história de DAC ou suspeita de evento isquêmico como causa da PCR. Entre os pacientes do sexo feminino, a estratégia invasiva se associou com maior mortalidade (OR 1,52; IC 95% 1,00-2,31), enquanto o mesmo não ocorreu entre os indivíduos do sexo masculino (OR 1,04; IC 95% 0,82-1,33; P para interação = 0,097).  

 

E agora? 

Apesar de todos os avanços em RCP dos últimos anos, a PCR extra-hospitalar ainda apresenta elevada mortalidade, com menos de um terço dos pacientes sobrevivendo à alta hospitalar. Entre os sobreviventes, ainda persiste uma grande quantidade de pacientes com graves sequelas neurológicas por encefalopatia anóxica. Além de RCP adequada, com assistência imediata no local da ocorrência e desfibrilação precoce, a ICP poderia ser uma medida salvadora entre aqueles pacientes com evento isquêmico como causa da PCR. Enquanto esta conduta já é bem-estabelecida no infarto com supra de ST, casos em que o ECG não mostra supra de ST têm um benefício incerto.  

A presente meta-análise reforça os achados de estudos randomizados individuais que não observaram qualquer benefício de redução de mortalidade em pacientes com PCR sem supra de ST no ECG. Este benefício não foi observado nem mesmo entre aqueles com DAC prévia, ritmo chocável ou suspeita de evento coronário agudo como causa da PCR. Foi observado um possível incremento de mortalidade no sexo feminino. Tal achado, no entanto, deve ser interpretado com bastante cautela, pois se trata de um subgrupo que, embora bem representado, pode ter tido um achado espúrio simplesmente ao acaso (erro tipo 1). O fato de o teste de interação não ter mostrado heterogeneidade estatisticamente significativa (embora alguns considerem um P < 0,10 como estatisticamente significativo quando se trata deste tipo de teste) corrobora esta possibilidade. Entretanto, o achado chama a atenção para alertar que, enquanto nenhum subgrupo de paciente pareceu se beneficiar, alguns poderiam até mesmo ter malefício com a estratégia invasiva.  

Portanto, diante dos achados citados, e já em consonância com os estudos individuais e com o que as diretrizes têm recomendado recentemente, não existe indicação rotineira de coronariografia em pacientes ressuscitados de PCR extra-hospitalar, a menos que haja um diagnóstico claro de infarto com supra de ST (ou outra síndrome equivalente no ECG). Novos estudos devem continuar pesquisando novas formas de mudar o grave prognóstico destes pacientes.  

Referência

  1. Hamidi F, Anwari E, Spaulding C, Hauw-Berlemont C, Vilfaillot A, Viana-Tejedor A, Kern KB, Hsu CH, Bergmark BA, Qamar A, Bhatt DL, Furtado RHM, Myhre PL, Hengstenberg C, Lang IM, Frey N, Freund A, Desch S, Thiele H, Preusch MR, Zelniker TA. Early versus delayed coronary angiography in patients with out-of-hospital cardiac arrest and no ST-segment elevation: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Clin Res Cardiol. 2023 Jul 27. doi: 10.1007/s00392-023-02264-7. Epub ahead of print. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP