Especial TCT 2023!
O quê?
O estudo Transcatheter Aortic-Valve Replacement in Low-Risk Patients at Five Years, do grupo PARTNER-3, foi um ensaio clínico randomizado, aberto, paralelo, multicêntrico em pacientes com estenose aórtica grave e sintomática e com baixo risco cirúrgico. O protocolo tinha como objetivo inicial comparar a cirurgia de troca valvar aórtica convencional versus implante transcateter de Prótese Valvar Aórtica do tipo SAPIEN-3 (Edwards Lifescience) e, na presente publicação, foram apresentados os resultados do seguimento de 5 anos desses pacientes.
Por quê?
Nos últimos anos, o implante de prótese valvar aórtica transcateter (TAVI) tem se mostrado como uma alternativa segura e eficaz ao tratamento cirúrgico convencional, não só em pacientes inoperáveis ou de alto risco, mas também para aqueles de risco moderado e até baixo. Porém, a durabilidade da TAVI e alguns eventos adversos, como a maior necessidade de implante de marcapasso definitivo e o risco de acidente vascular cerebral, merecem atenção. É importante ressaltar que, em pacientes jovens e de baixo risco cirúrgico, os benefícios e segurança da cirurgia tradicional são extremamente robustos. Portanto, antes de formalmente expandir-se a indicação do uso da TAVI nessa população, é necessário garantir que a eficácia e segurança demonstradas nos estudos de 1 ano sejam também consistentes a longo prazo.
Como?
Ao todo, 1000 pacientes foram randomizados no estudo PARTNER-3 e tiveram seus dados avaliados inicialmente no seguimento de 1 ano e, no presente estudo, em 5 anos. O primeiro desfecho composto primário avaliou morte, acidente vascular cerebral (AVC), ou re-hospitalização relacionado à valva, ao procedimento ou insuficiência cardíaca. O segundo desfecho primário foi um composto hierárquico que incluiu morte, AVC incapacitante, AVC não incapacitante e o número de dias de
reinternação, por meio do método Win Ratio. Os resultados clínicos, ecocardiográficos e do estado de saúde foram avaliados ao longo de 5 anos.
Estrutura PICOT
Population: Estenose aórtica grave com baixo risco cirúrgico
Intervention: TAVI
Control: cirurgia convencional
Outcome: morte, acidente vascular cerebral (AVC), ou re-hospitalização
Time: 5 anos
E aí?
Na análise de 5 anos, 94,6% (496 pacientes) do braço TAVI e 88,3% (451 pacientes) do braço cirúrgico completaram o estudo. A idade média dos participantes foi de 73 anos e a maioria era do sexo masculino. O desfecho primário composto ocorreu em 111 dos 496 pacientes no grupo TAVI e em 117 dos 454 pacientes no grupo cirúrgico (estimativas de Kaplan-Meier em 5 anos, 22,8% versus 27,2%, respectivamente; intervalo de confiança [IC] de 95% da diferença, −9,9 a 1,3; P = 0,07). A Win Ratio para o segundo desfecho primário foi de 1,17 (IC 95%, 0,90 a 1,51; P = 0,25). Portanto, não houve diferença entre os dois grupos para os dois desfechos primários pré-especificados em 5 anos de seguimento. As estimativas de Kaplan-Meier para os componentes do primeiro desfecho primário foram as seguintes: óbito por todas as causas, 10,0% no grupo TAVI e 8,2% no grupo cirurgia; Odds Ratio [OR] 1,24; IC 95% 0,79-1,97; P=0,35) acidente vascular cerebral, 5,8% e 6,4%, respectivamente (HR 0,87; IC95% 0,51-1,48; P=0,6) e reinternação, 13,7% e 17,4% (HR 0,75; IC 95% 0,54-1.05).
Quanto aos desfechos secundários, foi observado um aumento de fibrilação atrial (13,7% com TAVI vs. 42,4% com cirurgia convencional, P < 0,05); e sangramento grave (10,2% vs. 14,8%, P< 0,05) no grupo cirúrgico. A trombose valvar, por sua vez, foi maior no grupo da TAVI (2,5% vs. 0,2%, P < 0,05), assim como a regurgitação paravalvar leve (20.8% vs. 3.2%, P < 0.05). Não houve diferença entre os grupos quanto à função valvar ( gradiente médio) ou à falha da bioprótese.
E agora?
Apesar de bem estabelecidos para pacientes portadores de doença valvar aórtica grave e alto risco cirúrgico, o uso da TAVI em pacientes de baixo risco ainda é
muito discutido, já que o benefício a longo prazo da cirurgia convencional nessa população é bastante consolidado.
Porém, considerando a comodidade, o tempo de internação e a escolha do paciente, essa questão merece ser esclarecida. Nesse sentido, os dados apresentados no TCT, tanto de equivalência com a prótese SAPIEN-3 da Edwards quanto até de superioridade com a CoreValve Evolut R PRO ( estudo EVOLUT Low-Risk), são tranquilizadores.
A deterioração estrutural da válvula foi muito baixa e equivalente em ambos os grupos, o que hoje ainda é alvo de grande discussão especialmente com as fontes pagadoras dos procedimentos. Além disso, na atualidade, ambos os procedimentos têm se mostrado muito seguros: a mortalidade cardiovascular e os acidentes vasculares cerebrais, por exemplo, ocorreram a uma taxa de 1% ao ano com ambas as terapias.
Quanto às diferenças apresentadas entre as duas próteses apresentadas no TCT, alguns pontos devem ser discutidos. Primeiramente, a tecnologia empregada ( auto-expansível ou por balão) pode impactar de forma diferente não somente nos desfechos primários, mas nas complicações como necessidade de marcapasso definitivo e trombose da prótese. Outro ponto que merece atenção é o método estatístico Win Ratio, utilizado no segundo desfecho primário do estudo PARTNER-3, com o objetivo de corrigir a distorção dos desfechos combinados que apresentavam componentes com importância clínica diferentes (como mortalidade e número de dias de reinternação). Este método tem sido cada vez mais utilizado a fim de atribuir maior peso a desfechos mais relevantes (exemplo: mortalidade) do que os mais “suaves” (exemplo: dosagem de biomarcadores, necessidade de re-intervenção, etc).
Ainda que os resultados de 5 anos sejam animadores para a TAVI, o acompanhamento de mais longo prazo é fundamental porque se sabe que algumas biopróteses cirúrgicas apresentam deterioração entre 5 e 10 anos, e não se sabe como as TAVI irão funcionar durante esse período, nessa população de menor risco. A trombose de prótese e as questões hemodinâmicas a médio e longo prazo ainda estão sendo conhecidas, inclusive no grupo de alto risco. A curva de mortalidade por todas as causas com a perda do benefício de 1 ano relacionado à TAVI também é um ponto de atenção (mortes por COVID-19, câncer e sepse estão entre elas e podem ser apenas ao acaso).
Portanto, à luz de toda discussão acima e das evidências atuais, a decisão deve ser individualizada e compartilhada com o paciente, sempre pesando potenciais riscos e dúvidas quanto à manutenção dos benefícios inicias do uso da TAVI a longo prazo.