O quê?
O estudo DAPA MI (Dapagliflozin in patients with MI) foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico, realizado na Suécia e Reino Unido. O estudo avaliou o uso da dapagliflozina em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) sem diabetes ou história prévia de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER).
Por quê?
Os inibidores de SGLT2 (sodium-glucose co-transporter 2) são medicamentos com eficácia comprovada na redução de eventos cardiovasculares em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), insuficiência cardíaca ou insuficiência renal crônica. Os efeitos dos inibidores de SGLT2 na fase aguda do IAM com o intuito de reduzir eventos CV ainda permanece incerto.
Como?
O estudo randomizou pacientes hospitalizados com IAM (com ou sem supra de ST) nos últimos10 dias e evidência de disfunção segmentar ou global do ventrículo esquerdo (ou onda Q residual, na ausência de métodos de imagem para avaliar o VE). Pacientes com DM2 ou história de ICFER prévia ao infarto foram excluídos. O estudo utilizou dois registros observacionais como base para otimizar a inclusão dos pacientes. Os pacientes foram randomizados para dapagliflozina 10 mg uma vez ao dia versus placebo durante 12 meses
O desfecho primário do estudo foi o composto de morte, hospitalização por insuficiência cardíaca (HIC), infarto, fibrilação ou flutter atrial, novo diagnóstico de DM2, classe funcional New York Heart Association, e redução de peso corporal em pelo menos 5%. Os desfechos foram analisados de maneira hierárquica, pela técnica de win ratio (WR). Nesta metodologia, cada paciente do grupo dapagliflozina é comparado com cada paciente do grupo placebo. Para cada par, é determinado um vencedor, baseado na hierarquia pré-determinada (primeiro, morte; depois, HIC; e assim por diante). O número de vitórias do grupo dapagliflozina dividido pelo número de vitórias do grupo placebo corresponde à WR (ou seja, WR > 1,0 sugere benefício da intervenção).
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com IAM sem DM2 |
Intervention: | Dapagliflozina 10 mg |
Control: | Placebo |
Outcome | Morte, HIC, IAM, FA, CF NYHA, DM2 e peso |
Time | 12 meses |
E aí?
Foram incluídos 4017 pacientes, sendo 2019 randomizados para dapagliflozina e 1998 para placebo. A idade média era de 63 anos, 20% eram do sexo feminino e 72% tinham IAM com supra de ST. Cerca de metade dos pacientes tinham fração de ejeção do VE (FEVE) menor de 50% durante o evento-índice.
Ao todo, houve 32,9% de vitórias para o grupo dapagliflozina versus 24,6% para o grupo placebo (WR 1,34; intervalo de confiança [IC] 95% 1,20-1,50; P < 0,001). Esta diferença ocorreu às custas de menor incidência de novos casos de DM2 no grupo dapagliflozina versus placebo (2,1 % de pacientes com eventos versus 3,9%, respectivamente; hazard ratio [HR] 0,53; IC 95% 0,36-0,77) e de maior redução de peso corporal (1,65 kg a mais de redução com dapagliflozina; IC 95% 1,18 a 2,12). Não houve diferença entre os grupos na mortalidade (2,0% versus 1,7%; HR 1,22; IC 95% 0,77-1,92) nem na HIC (1,3% versus 1,6%; HR 0,83; IC 95% 0,50-1,39). A dapagliflozina foi segura, sem qualquer aumento de eventos adversos como cetoacidose, hipovolemia ou insuficiência renal aguda em relação ao placebo.
E agora?
Os inibidores de SGLT2 vêm se consagrando com uma das classes de medicamentos mais versáteis na Cardiologia, em virtude de seus benefícios na insuficiência cardíaca (independente da FEVE), DM2 e IRC. Além disso, são medicamentos seguros, convenientes e, recentemente, incorporados ao sistema público de saúde no Brasil. Em virtude de seu sucesso prévio, os resultados de eficácia dos inibidores de SGLT2 no IAM eram muito aguardados.
O estudo DAPA-MI foi um estudo bem desenhado, duplo-cego, randomizado, com tamanho amostral grande, que procurou responder à pergunta de potencial uso da dapagliflozina ainda na fase aguda de infarto. O estudo procurou incluir pacientes aos quais normalmente não se indicariam os inibidores de SGLT2, motivo pelo qual pacientes com DM2 ou ICFER prévia foram excluídos. O desfecho primário foi atingido, mostrando superioridade da dapagliflozina em relação ao placebo, embora esta eficácia tenha sido toda às custas de desfechos considerados “suaves”, como alterações glicêmicas e de peso. Não houve qualquer impacto sobre desfechos CV.
Os resultados aparentemente decepcionantes do estudo DAPA-MI não devem reduzir o entusiasmo e as indicações atuais dos inibidores de SGLT2. O estudo teve uma baixa taxa de eventos CV (cerca de um terço em relação a estudos semelhantes no IAM), razão pela qual inclusive o desfecho primário teve de ser modificado no decorrer do estudo. Não sabemos que resultados teriam ocorrido se uma população de maior gravidade tivesse sido incluída. Esta consideração é importante ao se analisar estudos “neutros”. Outra consideração importante foi o fato de a dapagliflozina ter sido segura nestes pacientes, sugerindo mais uma vez que os inibidores de SGLT2 podem ser utilizados em pacientes hospitalizados, desde que haja indicação.
Em resumo, o uso de dapagliflozina em pacientes com IAM sem DM2 resultou em redução do risco de novos casos de diabetes pela metade. Não houve efeitos sobre mortalidade, re-infarto ou insuficiência cardíaca. Se os inibidores de SGLT2 devem ser utilizados ou não a fim de melhorar desfechos CV no infarto agudo deve ainda aguardar novos estudos.