Andexanet no tratamento da Hemorragia Intracerebral Aguda associada ao uso de inibidores do fator Xa: estudo ANNEXA-1 - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira dez 3, 2024

Andexanet no tratamento da Hemorragia Intracerebral Aguda associada ao uso de inibidores do fator Xa: estudo ANNEXA-1

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 13 de junho de 2024

5 min de leitura

O quê? 

O estudo ANNEXA-1 (Andexanet for Factor Xa Inhibitor–Associated Acute Intracerebral Hemorrhage) foi um ensaio clínico randomizado, prospectivo, multicêntrico, aberto, ( porém com adjudicação cega de eventos), que avaliou o efeito do andexanet alfa, um agente de reversão dos inibidores do fator Xa, na expansão do volume do hematoma em pacientes com hemorragia intracerebral, comparado ao tratamento usual. 

 

Por quê? 

Os anticoagulantes orais diretos, especialmente os inibidores do fator Xa (como apixabana, edoxabana e rivaroxaban) são amplamente utilizados para prevenção de eventos trombóticos na fibrilação atrial (FA), em virtude de sua maior segurança e comodidade de uso em relação à varfarina. No entanto, a hemorragia intracerebral aguda é uma das possíveis consequências de seu uso e está associado a alta morbidade e mortalidade. 

O Andexanet alfa é uma forma inativa recombinante modificada do fator humano Xa, que se liga e sequestra moléculas inibidoras do fator Xa, reduzindo rapidamente a atividade do anti-fator Xa e restaurando a geração de trombina. Considerando que a hemorragia intracerebral em contexto do uso de anticoagulação oral está associada a um mau prognóstico e que a expansão do hematoma é um preditor de resultados ruins, o presente estudo avaliou se a rápida reversão da anticoagulação com o andexanet alfa, comparado ao tratamento usual, poderia reduzir o risco de expansão do hematoma.  

 

Como? 

O estudo incluiu pacientes com hemorragia cerebral aguda (excluindo hematoma subdural ou hemorragia subaracnóidea após emenda), que haviam feito uso de uma última dose de qualquer anticoagulante anti-Xa nas últimas 15 horas, com volume estimado de hematoma entre 0,5 e 60 ml e pontuação máxima no National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) de 35. Outra emenda ao protocolo alterou o critério de elegibilidade para o tempo desde o início dos sintomas hemorrágicos até o exame de imagem de base de 12 horas ou menos para 6 horas ou menos. Os pacientes não eram elegíveis em caso de escala de coma de Glasgow < 7 no momento do consentimento, se houvesse cirurgia planejada dentro de 12 horas após a entrada no estudo, ou se eles tivessem um evento trombótico dentro nas últimas 2 semanas. 

O tratamento do estudo incluiu um bolus de andexanet alfa de alta dose ou de baixa dose ao longo de 15 a 30 minutos seguido por uma infusão contínua ao longo de 2 horas versus cuidados usuais (a critério médico, excluindo o andexanet e podendo incluir concentrado de complexo de protrombínico [CCP]). 

O desfecho primário de eficácia foi a hemostasia efetiva em 12 horas, considerando todos os 3 critérios: 1) expansão do volume do hematoma <35%; 2) aumento do NIHSS <7; e 3) ausência de necessidade de terapias de resgate entre 3 a 12 horas após a randomização. O desfecho secundário foi a redução na atividade anti-fator Xa, desde o valor basal até ao nadir de 2 horas. Análises post hoc avaliaram a escala de Rankin modificada (mRS) aos 30 dias. Os desfechos de segurança incluíram eventos tromboembólicos ou morte em 30 dias. 

 

Estrutura PICOT  

Population: Hemorragia intracraniana  

Intervention:  Andexanet alfa 

Control:  tratamento usual, incluindo CCPs 

Outcome hemostasia efetiva  

Time 12 horas 

 

E aí? 

Um total de 263 pacientes foram randomizados para receber andexanet alfa e 267 foram randomizados para receber cuidados habituais. Algumas características basais relevantes da população foram diferentes nos dois grupos, tais como o maior número de pacientes com FA no grupo andexanet comparado ao tratamento usual (90,2% vs 84,2%), além de trauma precendendo a hemorragia (11,6% vs 14,5%, respectivamente), entre outros. Os pacientes em geral tinham idade média de 78,9 anos; em torno de 21% tinham acidente vascular cerebral (AVC) prévio e o anti-Xa mais comumente usado foi a apixabana (60,8%).  

A eficácia foi avaliada em 452 pacientes e a segurança avaliada em 530 pacientes. No braço de cuidados habituais, 85,5% receberam concentrado de complexo de protrombina. A eficácia hemostática foi alcançada em 67,0% dos pacientes que receberam andexanet e 53,1% dos pacientes que receberam cuidados habituais (diferença ajustada 13,4%; intervalo de confiança [IC] de 95% 4,6 a 22,2; P = 0,003). A redução mediana na atividade anti-fator Xa foi de 94,5% com andexanet alfa e 26,9% com os cuidados habituais (p < 0,001). Eventos trombóticos ocorreram em 27/263 (10,3%) pacientes que receberam andexanet alfa e 15/267 (5,6%) pacientes que receberam cuidados habituais (diferença de risco 4,6%; IC 95% 0,1 a 9,2; P = 0,048). O AVC isquêmico ocorreu em 17 (6,5%) pacientes que receberam andexanet alfa e quatro (1,5%) pacientes que receberam cuidados habituais. Não houve diferença na escala mRS ou óbito em 30 dias entre os dois grupos. 

E agora? 

O estudo ANNEXA-1 demonstrou que o uso do adexanet alfa, quando comparado ao tratamento usual, foi eficaz em relação aos efeitos hemostáticos, reduzindo a expansão do hematoma, a piora do escore de NIHSS e a necessidade de terapia de resgate em 12 horas.  

Porém, trata-se de um estudo encerrado precocemente por eficácia) e deve ser visto com essa perspectiva quando avaliamos especialmente os seus desfechos de segurança. Como esperado ao se reverter a anticoagulação, o uso do adexanet alfa aumentou os eventos trombóticos comparado ao tratamento usual (10,3% vs 5,6%, p=0,048), especialmente às custas do AVC isquêmico (6,5% vs 1,5%), respectivamente. Nesse ponto, duas colocações são essenciais: primeiramente, 85,5% dos pacientes do braço tratamento usual usaram o concentrado de complexo protrombínico, portanto o aumento de trombose, contrabalanceado pelo benefício na redução do volume do hematoma, sugere um efeito mais potente do adexanet alfa, especialmente considerando efeito específico sobre o medicamento e não sobre a cascata de coagulação. 

O segundo ponto trata novamente de desfechos substitutos em estudos de intervenção. Apesar da clara demonstração de eficácia quanto à expansão do hematoma, que está diretamente relacionado a pior prognóstico nos pacientes com AVC hemorrágico, o estudo não tem poder para avaliar o resultado em mortalidade e morbidade (mais especificamente, incapacidade). O fato de não haver diferença na taxa de morte em 30 dias entre os dois braços de tratamento (26% no braço adexanet  vs 28% no braço usual) e no status funcional do paciente, conforme avaliado pelo mRS, são importantes sinais, porém não são definitivos. A análise do status funcional após 6 meses do evento, especialmente considerando os pacientes que evoluíram para um AVC isquêmico, seria uma informação importante no auxílio da tomada de decisão terapêutica. 

Portanto, considerando o importante resultado em eficácia do presente estudo, na prática clínica os médicos precisarão identificar os pacientes com maior risco de expansão do hematoma que provavelmente se beneficiariam da terapia com andexanet alfa, estando atentos a potenciais riscos trombóticos que deverão ser mitigados com observação clínica e tratamentos profiláticos, inclusive com os próprios anticoagulantes diretos, quando indicados. 

Referência

  1. Connolly SJ, Sharma M, Cohen AT, et al. Andexanet for factor Xa inhibitorassociated acute intracerebral hemorrhage. N Engl J Med 2024:390;1745-1755 

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia