A nova diretriz de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Europeia de Cardiologia - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira nov 19, 2024

A nova diretriz de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Europeia de Cardiologia

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 29 de agosto de 2023

3 min de leitura

A insuficiência cardíaca (IC) é uma doença com elevada morbi-mortalidade, com os pacientes apresentando altas taxas de re-hospitalização. Portanto, o tratamento otimizado para esta condição deve ser buscado, de acordo com o que é orientado pelas diretrizes de especialistas. Nesse sentido, a Sociedade Européia de Cardiologia (ESC, European Society of Cardiology) lançou uma atualização da diretriz incorporando algumas novidades importantes para a prática clínica. Segue um resumo delas.

Inibidores de SGLT2

Além da já estabelecida recomendação classe I para a IC com fração de ejeção reduzida (ICFER), a nova diretriz agora contempla os inibidores de SGLT2 (sodium glucose co-transporter 2) também como classe I, nível de evidência A, para IC com fração de ejeção preservada (ICFEP). Esta mudança se deve à publicação recente de dois estudos pivotais, o EMPEROR-PRESERVED (com empagliflozina) e o DELIVER (com a dapaglilfozina), além de meta-análises envolvendo ambos. Estes dois estudos mostraram que os inibidores de SGLT2 levaram à redução da ocorrência de hospitalizações ou de visitas urgentes por IC. Não houve redução estatisticamente significativa de mortalidade cardiovascular. Em virtude desse benefício sobre desfechos clinicamente relevantes observado em dois ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, como tamanho amostral adequado, o comitê optou por implementar esta mudança. A mesma recomendação também se aplica aos pacientes com IC e fração de ejeção levemente reduzida (isto é, de 40-49%).

Titulação rápida da terapia após internação

A diretriz também recomenda como classe I, nível de evidência B, a estratégia de início e rápida titulação do tratamento em pacientes que são hospitalizados. Esta recomendação se baseou no estudo STRONG-HF, que mostrou uma redução de readmissões por IC com a titulação rápida, dentro de 2 semanas após a alta, das terapias para IC em pacientes com ICFER. A fim de executar esta tarefa, é importante uma vigilância adequada quanto a possíveis efeitos colaterais das medicações e orientações do paciente quanto a esta titulação.

Finerenona

A finerenona é um antagonista mineralocorticóide não esteroidal recentemente aprovado no Brasil para tratamento de nefropatia diabética. Nos estudos pivotais FIDELIO e FIGARO CKD, também foram observados benefícios cardiovasculares. Este benefício se deu principalmente às custas de redução de hospitalização por IC. Diante disso, a diretriz considera recomendação classe I, nível de evidência A, o uso dessa medicação para prevenir IC em pacientes com diabetes tipo 2 e evidência de doença renal crônica (isto é, taxa de filtração glomerular < 90 mL/min/1,73 m2 e microalbuminúria > 30 mg/g de creatinina). Importante ressaltar que esta recomendação não se aplica a pacientes que também tenham ICFER, uma vez que a espironolactona ou eplerrenona são o antagonista mineralocorticóide de escolha. O potássio deve ser cuidadosamente monitorizado ao se utilizar a medicação em virtude do risco de hipercalemia.

Reposição de ferro endovenoso

Muito interesse tem surgido sobre o papel da deficiência de ferro em pacientes com IC, o que levou a diversos ensaios randomizados testando a reposição de ferro endovenoso na IC (já que o ferro oral é mal-absorvido nessa condição clínica). Enquanto estudos iniciais sugeriram melhora dos sintomas, estudos subsequentes como AFFIRM e IRONMAN não atingiram o desfecho primário em relação a morte ou hospitalização por IC.  Um terceiro estudo, maior e com mais poder para avaliar desfechos clínicos (o estudo HEART-FID), não encontrou uma diferença estatisticamente significativa no efeito sobre morte ou hospitalização por IC, embora um modesto benefício tenha sido observado no teste de caminhada de 6 minutos. O estudo HEART-FID não havia sido publicado quando do lançamento da diretriz, logo não foi incorporado a ela. Diante de todas estas evidências, as diretrizes recomendam a reposição de ferro venoso como classe I com objetivo de alívio de sintomas e classe IIa para redução de hospitalização por IC.

Referência

  1. McDonagh TA, Metra M, Adamo M, Gardner RS, Baumbach A, Böhm M, Burri H, Butler J, Čelutkienė J, Chioncel O, Cleland JGF, Crespo-Leiro MG, Farmakis D, Gilard M, Heymans S, Hoes AW, Jaarsma T, Jankowska EA, Lainscak M, Lam CSP, Lyon AR, McMurray JJV, Mebazaa A, Mindham R, Muneretto C, Francesco Piepoli M, Price S, Rosano GMC, Ruschitzka F, Skibelund AK; ESC Scientific Document Group. 2023

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP