Infusões de apolipoproteína A1 e desfechos cardiovasculares após infarto agudo do miocárdio - MDHealth - Educação Médica Independente
quarta-feira dez 18, 2024

Infusões de apolipoproteína A1 e desfechos cardiovasculares após infarto agudo do miocárdio

Escrito por: Samuel Moscavitch em 9 de abril de 2024

4 min de leitura

O quê? 

O estudo AEGIS-II (ApoA-I Event Reducing in Ischemic Syndromes II)  foi um ensaio clínico randomizado multicêntrico, duplo-cego, placebo-controlado, no qual foi testada a administração semanal de CSL112 (apolipoproteína A1 recobinante) por 4 semanas, com início imediato após infarto agudo do miocárdio (IAM),  a fim de reduzir o risco de novos eventos, como IAM, acidente vascular cerebral (AVC) e morte cardiovascular (CV).  

 

Por quê? 

Ainda que existam diversas estratégias terapêuticas baseadas em evidências visando o tratamento de um novo IAM, como terapia antitrombótica, antiplaquetária, agentes hipolipemiantes e stents coronários de nova geração, o risco de um novo evento cardiovascular ainda permanece elevado, principalmente no período inicial de 90 dias pós-IAM. 

O evento fisiopatológico primário no IAM consiste na ruptura da placa aterosclerótica composta de macrófagos sobrecarregados de lipídios e um núcleo necrótico. A etapa inicial no transporte reverso do colesterol envolve o efluxo de colesterol, que é mediado predominantemente pela apolipoproteína A1, a principal proteína das lipoproteínas de alta densidade (HDL-C). Portadores de síndrome coronariana aguda tem essa capacidade de efluxo de colesterol prejudicada, tendo sido  associado, de forma independente, a maior incidência de eventos cardiovasculares adversos, incluindo eventos fatais no curto prazo (30 dias) e no longo prazo, por qualquer causa em pacientes que tiveram um novo IAM. 

Em estudos anteriores, uma injeção de 6g de CSL112 resultou em aumentos imediatos e robustos nos níveis de apolipoproteína A1 (para o dobro do nível basal) e na capacidade de efluxo de colesterol (para quatro vezes o nível basal). 

 Dessa forma, esse estudo teve como objetivo avaliar se a administração de CSL112 por 4 semanas poderia reduzir o risco de IAM, AVC e morte por causas cardiovasculares no período de 90 dias pós-IAM. 

 

Como?  

O AEGIS-II incluiu um total de 18.226 pacientes em 886 locais em 49 países, randomizados entre março de 2018 e novembro de 2022. A randomização foi estratificada de acordo com o tipo de infarto do miocárdio (IAM com supra de ST vs. IAM sem supra ST), tipo de manejo do IAM (intervenção coronária percutânea [PCI] vs. medicamentosa) e região geográfica. Os pacientes foram então designados aleatoriamente, em uma proporção de 1:1, para receber 6g de CSL112 ou placebo correspondente (solução de albumina a 4,4%), ambos infundidos por via endovenosa durante 2 horas. As infusões endovenosas de CSL112, ou placebo, foram feitas uma vez por semana, durante quatro semanas consecutivas, sendo administradas com  intervalo de aproximadamente 7 dias (mínimo de 5 dias) e dentro de 30 dias após a randomização. O desfecho primário foi o composto de IAM, AVC ou morte CV em 90 dias 

 

Estrutura PICOT

 

Population:  Pacientes com  IAM  
Intervention  CSL112, 1 vez por semana, por 4 semanas 
Control:  Placebo (albumina 4,4%) 
Outcome  IAM, AVC ou morte cardiovascular 
Time   90 dias 

 

E aí? 

A média de idade dos pacientes foi de 65,5 anos e 74,1% (13.507 pacientes) eram do sexo masculino. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos no risco de IAM, AVC ou morte cardiovascular da randomização até completar 90 dias pós-IAM (439 pacientes [4,8%] no grupo CSL112 vs. 472 [5,2%] no grupo placebo grupo teve um primeiro evento; HR: 0,93; IC 95%: 0,81-1,05; P = 0,24). 

 

E agora?  

Entre os pacientes com IAM e doença coronariana multiarterial que apresentavam fatores de risco cardiovascular adicionais, quatro infusões semanais de CSL112 não resultaram em menor risco de IAM, AVC ou morte cardiovascular durante 90 dias, comparado ao placebo. Os resultados de eficácia foram consistentes em todos os subgrupos pré-especificados. De forma geral, um percentual semelhante de pacientes teve eventos adversos no grupo CSL112 e no grupo placebo.  

As limitações do estudo consistiram em: ter sido executado durante a pandemia de coronavírus (COVID19), o que poderia ter influenciado os resultados; no entanto, o estudo aponta que por meio de uma análise exploratória os resultados sobre desfecho primário seriam semelhantes. Segundo, cerca de 0,5% dos pacientes retiraram seu consentimento durante o estudo, e não conseguiram determinar o estado vital da maioria desses pacientes devido às normas de lei geral de proteção de dados. A representação de mulheres e de certos grupos de minorias raciais foi baixa e poderia impactar na generalização dos resultados. 

Em conclusão, esse estudo mostrou que, entre pacientes com IAM, doença multiarterial e fatores de risco cardiovasculares adicionais e sob uso de terapêuticas guiadas por diretrizes, o risco de IAM, AVC ou morte cardiovascular durante 90 dias não foi menor com o uso de quatro infusões semanais de CSL112 quando comparado ao placebo. Ainda que esse ensaio clínico tivesse uma alta plausibilidade ao investigar se o aumento da função do HDL poderia proteger contra a doença aterosclerótica através da modulação de sua função, aumentando a capacidade de efluxo de colesterol com CSL112, seus resultados foram negativos sobre o desfecho primário. Cada vez mais, os estudos têm sugerido que o HDL não é a molécula ideal para resolver a luta contra a aterosclerose e melhorar a sobrevida e qualidade de vida desses pacientes. 

 

Nota: O estudo AEGIS-II teve a participação do Dr. Renato Lopes, fundador do  BCRI (Brazilian Clinical Reseach Institute), na sua liderança acadêmica. Este fato é um motivo de grande orgulho para a Pesquisa Clínica brasileira! 

Referência

  1. Gibson CM, Duffy D, Korjian S, et al. Apolipoprotein A1 Infusions and Cardiovascular Outcomes after Acute Myocardial Infarction. N Engl J Med. April 6, 2024. doi:10.1056/NEJMoa2400969 

Sobre o autor

Samuel Moscavitch

Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Cardiologista pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Doutor em Biologia Celular e Molecular com ênfase em Imunologia pelo IOC/Fiocruz; Pós-doutor em Doenças Cardiovasculares, Inflamação e Aterosclerose pela Harvard Medical School e pelo Brigham and Women’s Hospital; Pesquisador Colaborador do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.

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