Novos Critérios Diagnósticos para a Obesidade Clínica - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira fev 11, 2025

Novos Critérios Diagnósticos para a Obesidade Clínica

Escrito por: MDHealth em 11 de fevereiro de 2025

5 min de leitura

Flávia Bittar¹, Pedro Barros² 

¹- Cardiologista, especialista em coronariopatia aguda pelo Incor. Doutora pela FMUSP. Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia 

²- Médico Cardiologista, Diretor de Pesquisa BCRI/Med.IQ e Professor Colaborador FMUSP  

A obesidade clínica, entendida como uma condição patológica associada a um risco aumentado de morbidade e mortalidade causada pelo excesso de tecido adiposo, tem sido reconhecida como uma das maiores epidemias globais do século XXI.  Recentemente, uma comissão científica, formada por 58 especialistas de todo o mundo, além de dois pacientes, publicou o artigo “Definition and diagnostic criteria of clinical obesity”. Nele, os autores sugeriram que o conceito e o diagnóstico da obesidade clínica evoluíram significativamente nas últimas décadas e que é necessária uma compreensão mais abrangente da obesidade, que vai além da simples medida do índice de massa corporal (IMC). 

Historicamente, o conceito de IMC para definir obesidade foi baseado em dados populacionais, mas em nível individual definir a obesidade apenas pelo IMC pode levar ao subdiagnóstico (como em pessoas com IMC normal e alta adiposidade visceral) quanto ao sobrediagnóstico (como em atletas com alta massa muscular e IMC>30 kg/m2). Ainda, o diagnóstico da obesidade guiado apenas pelo IMC frequentemente não correlaciona adequadamente com a saúde metabólica ou a distribuição da gordura nos pacientes.  

O novo modelo diagnóstico publicado no The Lancet Diabetes & Endocrinology, propõe uma redefinição da OBESIDADE CLÍNICA, enfatizando a importância de fatores adicionais para a avaliação, como a distribuição da gordura corporal e também a presença de comorbidades associadas e o impacto funcional da obesidade sobre a saúde do indivíduo. Então, se o paciente tem síndrome metabólica, diabetes mellitus tipo 2, artrose ou limitações funcionais devido à obesidade, ele tem obesidade clínica. Por isso, na obesidade clínica é necessária a identificação da alteração de parâmetros clínicos hemodinâmicos e metabólicos como a pressão arterial, glicemia, lipidograma, presença de resistência à insulina, entre outros, que estão intimamente relacionados ao risco de complicações cardiovasculares, apneia obstrutiva do sono e outras comorbidades. 

  • Papel do IMC: 

O índice de massa corporal ainda tem importância, entretanto, ao invés de ser usado para definição diagnóstica, ele será utilizado como instrumento de rastreio, após o qual deverá ser realizada a avaliação do excesso ou da adiposidade abdominal para confirmar se o paciente tem obesidade e/ou em que parte do corpo o tecido adiposo se acumulou.  

  • Diagnóstico de obesidade: 

O diagnóstico de obesidade deverá levar em conta a distribuição da gordura, com destaque para o risco acrescido proporcionado pela obesidade visceral, que tem forte correlação com as doenças metabólicas. Nesse sentido, os novos critérios diagnósticos sugerem a integração de métodos complementares para quantificar a gordura corporal de maneira mais precisa, como a bioimpedância elétrica, e até mesmo a ressonância magnética e/ou a tomografia computadorizada (em cenários específicos) que fornecem uma visão mais detalhada da composição corporal, especialmente em indivíduos com obesidade que possuem um IMC dentro dos limites considerados normais, mas com altos níveis de gordura visceral.  

Esta avalição da adiposidade deverá ser feita, idealmente, através da medição direta da gordura corporal pelo DEXA (Dual-energy X-ray absorptiometry) ou outro método validado. Porém, para garantir o acesso e a generalização do método, os critérios antropométricos mais acessíveis continuam sendo utilizados, como a circunferência da cintura abdominal (> 88 cm nas mulheres, > 102 cm nos homens). Dentro de cada categoria de IMC, a circunferência da cintura mais alta é um marcador de maior risco à saúde devido à obesidade.  

Finalmente, em indivíduos com níveis de IMC substancialmente elevados (>40 kg/m²), de forma pragmática, pode-se assumir o excesso de adiposidade.  

 

  • Obesidade clínica x pré-clínica: 

Além da nova definição de obesidade (que se baseia no excesso de tecido adiposo e não diretamente no IMC), foi também proposta a categorização em “obesidade clínica” ou “obesidade pré-clínica”, sendo essa última o excesso de adiposidade sem alteração da função corporal. Um paciente com obesidade pré-clínica pode ou não desenvolver complicações da obesidade no futuro.  

 

A redefinição do diagnóstico da obesidade clínica tem implicações significativas para a prática médica, fornecendo uma base mais robusta para intervenções precoces e tratamentos personalizados, contínuos e validados. Classificar a obesidade em obesidade clínica e obesidade pré-clínica permite que compreendamos melhor a importância e priorizemos o tratamento daqueles cuja obesidade tem consequências atuais para a saúde, ao mesmo tempo que identifiquemos precocemente e tratemos daqueles com obesidade pré-clínica. Na atual era do tratamento comprovadamente seguro e eficaz com análogos de GLP-1 no tratamento dos eventos cardiovasculares, da apneia obstrutiva do sono e até das artroses em pacientes portadores de obesidade, refinar o diagnóstico da obesidade clínica se tornou ferramenta fundamental para garantir políticas públicas custo-efetivas, abrangentes e baseadas em diagnósticos de maior acurácia.  

  • Resumo dos novos critérios de diagnósticos de obesidade (Lancet Comission): 

– IMC é medida de rastreamento de obesidade (embora níveis muito elevados possam ser suficientes para diagnóstico); 

– A confirmação diagnóstica se baseia no excesso de adiposidade por medidas antropométricas (circunferência abdominal, relação cintura-quadril) ou por medida direta da gordura corporal (ex: DEXA)  

– Uma vez confirmado o diagnóstico de obesidade, definir se há disfunção orgânica e/ou limitações das atividades diárias relacionadas à obesidade (diferenciar obesidade clínica vs. pré-clínica)