O quê?
O estudo STEP-HFpEF ( Research Study to Investigate How Well Semaglutide Works in People Living With Heart Failure and Obesity) foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, testando o uso de semaglutida via injeção subcutânea versus placebo em pacientes com obesidade (isto é, índice de massa corporal [IMC] ≥ 30 kg/m2), sintomas de insuficiência cardíaca e fração de ejeção (FE) preservada (isto é, ≥ 45%).
Por quê?
Os agonistas do GLP-1 (glucagon like peptide 1) têm ganhado muito interesse sobretudo por seu efeito na perda ponderal. Em pacientes com diabetes tipo 2, são comprovadamente eficazes na redução de eventos aterotrombóticos, como infarto e AVC. No que diz respeito à prevenção de insuficiência cardíaca, também têm se mostrado eficazes no diabetes tipo 2. O estudo STEP-HFpEF procurou avaliar os efeitos de um destes medicamentos em indivíduos sem diabetes.
Como?
O estudo incluiu pacientes com IMC ≥ 30 kg/m2, sintomas de insuficiência cardíaca classe funcional II-IV (pela New York Heart Association [NYHA] e FE preservada. Pacientes com história de diabetes ou hemoglobina glicada ≥ 6,5% foram excluídos. Os pacientes foram randomizados para semaglutida injetável, dose inicial de 0,25 mg via subcutânea 1 vez/semana, progredindo-se para a dose alvo de 2,4 mg 1 vez/semana, versus placebo.
O desfecho primário do estudo foi a medida de intensidade de sintomas avaliada por meio de um questionário padronizado, o Kansas City Cardiomyopathy Questionaire (KCCQ). Nesta escala, que vai de 0 a 100, quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida do paciente relacionada à insuficiência cardíaca. Os desfechos secundários foram níveis de N-terminal pro-peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP), proteína C-reativa (PCR) e distância caminhada no teste de caminhada de 6 minutos.
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com obesidade e ICFEP |
Intervention | Semaglutida 2,4 mg SC 1x/semana |
Control: | Placebo |
Outcome | Qualidade de vida pelo KCCQ |
Time | 52 semanas |
E aí?
Foram incluídos um total de 529 pacientes (263 no grupo semaglutida e 266 no grupo placebo). A idade mediana era de 69 anos, 56% dos pacientes eram do sexo feminino e 97% eram da raça branca. A mediana de IMC foi de 37,0 kg/m2, enquanto a mediana de FE do ventrículo esquerdo foi de 57% e o escore de KCCQ mediano foi de 59 pontos.
Em um ano, houve um aumento médio no escore de KCCQ de 16,6 no grupo semaglutida versus um aumento de 8,7 no grupo placebo (diferença média entre os grupos de 7,8 pontos; intervalo de confiança [IC] 95% 4,8 a 10,9; P < 0,001). O grupo semaglutida apresentou uma perda de peso média de 13,3 % versus 2,6% no grupo placebo (diferença média entre os grupos de 10,7; IC 95% 9,4 a 11,9; P < 0,001). Também ocorreu aumento na distância caminhada em 6 minutos de 21,5 metros com semaglutida versus 1,2 metros com placebo (diferença média de 20,3; IC 95% 8,6 a 32,1; P < 0,001). A semaglutida também reduziu os níveis de NTproBNP e de PCR. Houve um caso de hospitalização por insuficiência cardíaca no grupo semaglutida versus 12 casos no grupo placebo. Não houve aumento de eventos adversos sérios com semaglutida, embora tenha havido uma maior quantidade de eventos adversos gastrointestinais.
E agora?
A procura por medicamentos para perda de peso que tenham também benefícios cardiovasculares constitui uma grande necessidade clínica. Isso porque muitos medicamentos usados para emagrecimento, pelo contrário, levaram a aumento de problemas cardiovasculares, sendo muitos deles inclusive retirados do mercado. Nesse sentido, o estudo STEP-HpEF traz uma grande contribuição mostrando que o uso de um análogo de GLP-1, a semaglutida, levou a melhora de sintomas de insuficiência cardíaca mesmo em pacientes com obesidade, porém sem diabetes.
Os achados do estudo foram consistentes em diversos efeitos benéficos da semaglutida, como o aumento na distância do teste de caminhada de 6 minutos, redução dos níveis de PCR e de NT-proBNP. Este último é bastante interessante, uma vez que a obesidade por si leva a redução do NT-proBNP, ou seja, a perda de peso isolada deveria resultar em aumento deste biomarcador. Portanto, esta redução sugere fortemente uma melhora não só nos sintomas, mas também na congestão pulmonar e sistêmica destes pacientes.
Dito isto, algumas limitações devem ser observadas. Em primeiro lugar, apesar de a diferença parecer impressionar (12 a 1!), o pequeno número de eventos não nos permite concluir qual é o impacto da semaglutida nas hospitalizações por insuficiência cardíaca. Em segundo lugar, apenas 4% dos pacientes estavam em uso de inibidores de SGLT2, um tratamento hoje considerado Classe I (pela nova diretriz européia, aliás lançada no mesmo congresso). Em terceiro lugar, houve, conforme esperado, um aumento de eventos adversos gastrointestinais com a semaglutida, o que pode limitar o uso em alguns pacientes que não toleram o medicamento.
Em conclusão, o uso de semaglutida dose-alvo de 2,4 mg SC 1x/semana levou a melhora de sintomas e capacidade funcional em pacientes com obesidade, insuficiência cardíaca com FE normal e sem diabetes. A semaglutida também se associou a menor ocorrência de hospitalização por insuficiência cardíaca. Pela primeira vez, temos um medicamento para o tratamento de obesidade capaz de levar a benefícios cardiovasculares além de apenas controlar fatores de risco.