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quarta-feira dez 18, 2024

Inibidores de SGLT-2 e agonistas do receptor de GLP-1: terapia combinada para melhores desfechos nos pacientes com DM?

Escrito por: Pedro Campos Franco em 9 de outubro de 2023

6 min de leitura

Tirando o Melhor de Dois Mundos: Explorando a Sinergia dos Inibidores de SGLT-2 e Agonistas do Receptor de GLP-1 na Terapia do Diabetes Mellitus Tipo 2 

Contexto

Nos últimos anos diversos estudos (LEADER, EMPA-REG, REWIND, PIONEER-6, SUSTAIN-6, CANVAS entre outros) têm mostrados de forma contundente os benefícios da terapia com inibidores de SGLT-2 (iSGLT-2) e agonistas de GLP-1 para os pacientes portadores de diabetes mellitus (DM) tipo 2 que vão além do controle glicêmico. Estes benefícios foram evidenciados, até então de forma mais robusta para o coração, rim e mais recentemente fígado.   

 

Pergunta

Apesar de possuírem mecanismos de ação tão distintos, ambas as terapias com iSGLT-2 e análogos do receptor de GLP-1 apresentam benefícios comuns ao coração, rim e fígado. Será que estas classes farmacológicas atuam na correção de distúrbios metabólicos de maneira compartilhada e/ou eventualmente até complementar? Se sim, seria uma opção terapêutica pensar, de forma mais rotineira, na terapia combinada com esses dois fármacos? 

 

O coração

O DM predispõe de forma relevante a doenças cardiovasculares (CV). Dentre as diversas formas de acometimento, certamente a doença arterial coronariana (infarto do miocárdio fatal ou não fatal), insuficiência cardíaca (com fração de ejeção reduzida ou preservada) e arritmias cardíacas (fibrilação/flutter atrial e ventricular) são os principais causadores da diminuição na qualidade e expectativa de vida dos indivíduos portadores de DM. Ambas as terapias com iSGLT-2 e agonistas do receptor de GLP-1 têm se mostrado benéficas na redução de forma relevante em todos esses desfechos em ensaios clínicos randomizados, independente do controle glicêmico. Revisões sistemáticas da literatura11,2  apontam que os desfechos foram similares na redução de MACE, morte cardiovascular e infarto do miocárdio não fatal por ambas as drogas. Por outro lado, os iSGLT2 mostraram efeito mais robusto em diminuir hospitalização por insuficiência cardíaca e desfechos renais, enquanto os análogos do receptor de GLP-1 possivelmente foram mais potentes na prevenção de acidente vascular cerebral.   

Este fato tem estimulado o estudo mais profundo dos mecanismos fármaco e fisiopatológicos subjacentes a estes benefícios. Os iSGLT-223 agem tanto através do manejo de fatores de riscos clássicos cardiovasculares (queda da pressão arterial, perda de peso, controle glicêmico, queda de ácido úrico e diminuição de albuminuria), como também através de efeitos direto no miocárdio (redução do estresse oxidativo e inflamação), no sistema hemodinâmico (aumento da natriurese e diurese osmótica, melhora da função endotelial) e no sistema endócrino (diminuição da resistência insulínica, melhora função da célula beta e aumento do glucagon). Também de forma ampla, os agonistas do receptor de GLP-134 atuam diretamente no coração (melhora na utilização de glicose, diminuição do remodelamento e inflamação cardíaca) como indiretamente (aumento de natriurese, diminuição do volume vascular, aumento na secreção insulínica). Como se pode notar, são muitos mecanismos propostos, sendo estes citados apenas alguns deles, e cujos princípios fisiopatológicos são muitas veze semelhantes entre aqueles proporcionados pelo iSGLT2 e agonistas do receptor de GPLP-1.  

 

O rim

Assim como no coração, o DM é um fator de risco importante para disfunção do sistema renal, sendo uma das principais causas de doença renal crônica terminal. Os iSGLT-2 se consagram como capazes de retardar diversos pontos da disfunção renal: diminuição de macroalbuminuria, retardamento da progressão da perda de função renal e doença renal terminal. Evidências essas demonstradas principalmente pelos estudos EMPA-REG e CREDENCE. Muitos dos benefícios cardiovasculares citados anteriormente são justamente pelo melhor funcionamento do eixo rim-coração que passa a trabalhar de forma menos sobrecarregada com um rim funcionante. Do ponto de vista molecular o iSGLT-245 agem de forma direta através dos receptores SGLT-2: diminuição dos níveis de glicose nas células renais o que gera menos ativação da via mTORC1 e assim menos inflamação assim como menos glicólise levando a menor estresse celular. Mas também agem de forma “off target” do receptor SGLT-2: nos rins ativam vias moleculares que estimulam a produção de eritropoietina além de bloquear a via mTORC1 diretamente e potencializar os benefícios anteriores mencionados. 

Os agonistas do receptor de GLP-1 também vêm apresentando bons desfechos renais: diminuição da macroalbuminuria e alentecimento do declínio da disfunção renal precoce para avançada. Já aqui os efeitos moleculares são bem diversos do iSGLT-2 (ação protetiva importante no glomérulo renal), muito mais agindo através do intersticio renal, diminuindo a fibrose decorrente do processo inflamatório crônico causado pelo DM.  

 

O fígado

Por ser um grande regulador e maestro metabólico, o fígado não ficaria de fora das crônicas ações danosas do DM. Com o aumento da prevalência da obesidade e seus comemorativos metabólicos, o DM passará a ser a sétima causa de morte em 2040 (em 2016 ocupava a posição 15) e o câncer hepático passará a ser a décima terceira (em 2016 ocupava a posição 20). Dados epidemiológicos esses que reforçam o elo entre DM e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) causadora de câncer hepático. Só na américa latina, a estimativa é de que 57% dos indivíduos com DM possuam DHGNA56. 

A relação entre DM e DHGNA perpassa muito pelo excesso de gordura visceral que gera aumento da resistência insulínica, desregulação das adipocinas culminando em inflamação e fibrose hepática. Uma revisão sistemática recente67 mostrou que os agonistas do receptor de GLP-1 (Liraglutida, Dulaglutida e Semaglutida) foram capazes de reduzir a fibrose hepática assim como o componente de gordura hepática em torno de 20 a 30% tanto em exames de imagem quanto através da análise histopatológica, apesar da perda de peso total ter sido em média 2 a 5%. Isso aponta que estes medicamentos talvez tenham um papel importante na redução do componente de gordura visceral. De toda forma, estes dados ainda são preliminares, uma vez que os ensaios clínicos até o presente englobam número ainda pequeno de indivíduos, em torno de 50 até 300.  Em relação aos iSGLT-2 apesar de aparente menor potência, eles também foram capazes de diminuir o conteúdo hepático de gordura mas não de fibrose78 

 

Terapia combinada iSGTL2 + agonistas do receptor de GLP1-1? 

Dados os inúmeros benefícios clínicos independentes do controle glicêmico compartilhados em diversos órgãos acometidos pelo DM pelos i-SGLT2 e agonistas do GLP-1, seria então interessante uma abordagem rotineira de forma combinada com estes dois medicamentos? Segundo apresentação do Dr Apostolos Tsapas professor da universidade de Thessaloniki na Grécia, no EASD 2023 intitulada “Dual action time for combination?” a resposta ainda é: precisamos de cautela e mais estudos. Os dados na literatura que se tem até o momento sobre esta combinação são escassos e nenhum ensaio clínico foi desenhado para este propósito. Dessa forma, apesar de podermos considerar essa combinação, ele sugere que aguardemos o ensaio clínico PRECINDENTD (NCT 05390892) desenhado especificamente para comparar o efeito desta terapia combinada com suas monoterapias.   

 

Conclusão

Apesar de robustas evidências a nível clínico e molecular sobre os benefícios do uso isolado do iSGLT2 e agonistas do GLP-1 no coração, rim e fígado, ainda precisamos de mais ensaios clínicos para podermos recomendar, rotineiramente, sua terapia combinada.  

Referências

  1. Scheen AJ. Cardiovascular outcome studies in type 2 diabetes: Comparison between SGLT2  inhibitors and GLP-1 receptor agonists. Diabetes Res Clin Pract. 2018;143:88-100. doi:10.1016/j.diabres.2018.06.008

  2. Giugliano D, Scappaticcio L, Longo M, Bellastella G, Esposito K. GLP-1 receptor agonists vs. SGLT-2 inhibitors: the gap seems to be leveling off. Cardiovasc Diabetol. 2021;20(1):205. doi:10.1186/s12933-021-01400-9

  3. Scheen AJ. Sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors for the treatment of type 2  diabetes mellitus. Nat Rev Endocrinol. 2020;16(10):556-577. doi:10.1038/s41574-020-0392-2

  4. Joseph JJ, Deedwania P, Acharya T, et al. Comprehensive Management of Cardiovascular Risk Factors for Adults With Type 2 Diabetes: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2022;145(9). doi:10.1161/CIR.0000000000001040

  5. Tuttle KR. Digging deep into cells to find mechanisms of kidney protection by SGLT2  inhibitors. J Clin Invest. 2023;133(5). doi:10.1172/JCI167700

  6. Stefan N, Cusi K. A global view of the interplay between non-alcoholic fatty liver disease and  diabetes. lancet Diabetes Endocrinol. 2022;10(4):284-296. doi:10.1016/S2213-8587(22)00003-1

  7. Patel Chavez C, Cusi K, Kadiyala S. The Emerging Role of Glucagon-like Peptide-1 Receptor Agonists for the Management of NAFLD. J Clin Endocrinol Metab. 2022;107(1):29-38. doi:10.1210/clinem/dgab578

  8. Gastaldelli A, Stefan N, Häring HU. Liver-targeting drugs and their effect on blood glucose and hepatic lipids. Diabetologia. 2021;(1). doi:10.1007/s00125-021-05442-2

  9. Mantsiou C, Karagiannis T, Kakotrichi P, et al. Glucagon‐like peptide‐1 receptor agonists and sodium‐glucose co‐transporter‐2 inhibitors as combination therapy for type 2 diabetes: A systematic review and meta‐analysis. Diabetes, Obes Metab. 2020;22(10):1857-1868. doi:10.1111/dom.14108