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quarta-feira dez 18, 2024

A nova diretriz de Síndromes Coronárias Agudas da Sociedade Europeia de Cardiologia

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 2 de outubro de 2023

4 min de leitura

As síndromes coronárias agudas (SCA) constituem a principal causa de morte no mundo ocidental. Muitos avanços têm ocorrido nos últimos anos no tratamento das SCA com impacto importante na morbi-mortalidade. Recentemente, uma nova diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC, European Society of Cardiologyi) foi publicada com vários destes avanços. Segue um resumo das principais novidades.   

 

Todo o espectro da SCA em uma só diretriz  

Uma das novidades da atual diretriz foi reunir em um só documento todo o espectro da SCA, ou seja, tanto infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST (IAMCSST) como infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de segmento ST (IAMSSST) e angina instável. Embora o IAMCSST tenha um diferencial por conta da terapia de reperfusão imediata, do ponto de vista de tratamento farmacológico, as três apresentações são muito semelhantes 

 

Troponina ultrassensível  

Para o diagnóstico final de infarto, devem ser realizadas duas medidas seriadas de troponina ultrassensível, com intervalo de 1 hora (classe I). Em casos selecionados, quando o diagnóstico permanecer inconclusivo mesmo com duas dosagens, uma terceira dosagem na 3ª hora (ou seja, 2 horas após a segunda dosagem) pode ser considerada.  

 

Estratégia invasiva precoce no infarto sem supra de ST  

A estratégia invasiva imediata, com cinecoronariografia e intervenção coronária percutânea (ICP), é recomendada em todos os casos de IAMCSST quando existe possibilidade de execução dentro dos primeiros 120 minutos após o primeiro contato médico (classe I). A estratégia invasiva imediata também deve ser feita em casos de SCA sem supra de ST com instabilidade hemodinâmica, isquemia refratária, arritmias ventriculares malignas ou sinais de disfunção aguda do ventrículo esquerdo. Nos pacientes com SCA sem supra de ST de alto risco (isto é, aqueles que têm aumento de troponina, alterações de ST no eletrocardiograma ou escore GRACE ≥ 140), uma estratégia invasiva deve ser proposta na mesma internação (classe I), devendo-se considerar esta estratégia de forma precoce, isto é, nas primeiras 24 horas (classe IIa). Nos pacientes com diagnóstico incerto ou casos de baixo risco, uma estratégia não-invasiva (ex: com angiotomografia de coronárias) é a recomendada.  

 

Dose de ataque de antiplaquetários na sala de emergência  

A diretriz considera que todos os pacientes devem receber aspirina (dose de ataque 300 mg via oral) na sala de emergência. Já o antagonista de P2Y12 deve ser usado na sala de emergência em casos selecionados de IAMCSST com indicação de ICP primária (classe IIb). O uso rotineiro de dose de ataque de antagonista de P2Y12 na sala de emergência não é recomendado em pacientes com SCA sem supra de ST agendados para uma estratégia invasiva precoce (classe III), enquanto seu uso deve ser indicado nos casos em que haverá um atraso de mais de 24 horas na cinecoronariografia (classe IIb). Vale lembrar que esta última é a realidade mais frequente na maioria dos serviços do Brasil.  

 

Duração da dupla antiagregação plaquetária  

Todo paciente com SCA, independente do tratamento (clínico, ICP ou cirurgia de revascularização), deve receber dupla antiagregação (DAP) com aspirina mais um antagonista de P2Y12 (preferencialmente ticagrelor, independente da estratégia de revascularização, ou prasugrel, no caso de ICP) por 12 meses. Em casos selecionados com alto risco de sangramento, esta duração pode ser abreviada para 6 meses (classe IIa). Outra estratégia alternativa seria o uso da DAP por 3 meses com aspirina + ticagrelor seguido por monoterapia com ticagrelor a partir de então, ou o desescalonamento de ticagrelor ou prasugrel para clopidogrel a partir do 1º mês. Até o momento, nenhuma evidência autoriza fazer o desescalonamento no 1º mês (classe III).  

 

Revascularização de múltiplos vasos 

Em pacientes com IAMCSST e doença coronária multi-arterial, a ICP do vaso culpado deve ser realizada imediatamente, seguida da ICP das artérias não-culpadas com estenose hemodinamicamente significativa (classe I). A execução desta última pode ser no mesmo procedimento, ou de forma estagiada, em um segundo procedimento durante a mesma internação ou dentro de 45 dias, pós alta. Em pacientes com choque cardiogênico, a ICP deve inicialmente ser restrita à artéria culpada, não devendo a artéria não-culpada ser tratada no mesmo procedimento (classe III).  

Pacientes pós parada cardiorrespiratória (PCR) 

Nos pacientes ressuscitados de PCR extra-hospitalar, independente do ritmo, a presença de supra de ST no ECG determina imediata coronariografia e ICP, se factível. O potencial prognóstico neurológico pode pesar nessa decisão, embora a avaliação deste só deve ser feita após 72 horas do retorno à circulação espontânea. Nos pacientes pós PCR e que não tenham supra de ST no ECG, a estratégia invasiva rotineira não deve ser realizada (classe III).   

 

Pacientes com câncer  

Este é um grupo desafiador de pacientes, em virtude das medicações concomitantes, complicações da quimioterapia e prognóstico da neoplasia. Em pacientes com SCA sem supra de ST de alto risco, cuja expectativa de vida pela neoplasia seja acima de 6 meses, é razoável se considerar uma estratégia invasiva (classe I). Caso a expectativa de vida seja inferior a 6 meses, uma estratégia conservadora pode ser considerada (classe IIa). O uso de aspirina é contraindicado se a contagem de plaquetas for menor que 10.000/mcL, enquanto o clpidogrel se for menor do que 30.000, e ticagrelor ou prasugrel, se menor que 50,000.  

Referência

  1.  Byrne RA, Rossello X, Coughlan JJ, Barbato E, Berry C, Chieffo A, Claeys MJ, Dan GA, Dweck MR, Galbraith M, Gilard M, Hinterbuchner L, Jankowska EA, Jüni P, Kimura T, Kunadian V, Leosdottir M, Lorusso R, Pedretti RFE, Rigopoulos AG, Rubini Gimenez M, Thiele H, Vranckx P, Wassmann S, Wenger NK, Ibanez B; ESC Scientific Document Group. 2023 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes. Eur Heart J. 2023 Aug 25:ehad191. doi: 10.1093/eurheartj/ehad191. Epub ahead of print. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP

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