O quê?
O estudo CASTLE-HTx (Catheter Ablation for Atrial Fibrillation in Patients with End-Stage Heart Failure and Eligibility for Heart Transplantation) trial foi um ensaio clínico randomizado, unicêntrico, aberto, avaliando a ablação por cateter versus tratamento clínico isolado em pacientes com fibrilação atrial (FA) e insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) em estágio avançado.
Por quê?
Estudos prévios têm sugerido que a ablação por cateter reduz morte ou hospitalização em pacientes com FA e ICFER. Entretanto, o benefício da ablação em pacientes com ICFER em estágio avançado, ou seja, com sintomas persistentes a despeito do tratamento clínico otimizado, permanece desconhecido.
Como?
O estudo incluiu pacientes com ICFER com FEVE ≤ 35%, FA, teste de caminhada em 6 minutos < 300 metros e sintomas persistentes (classe funcional II-IV da New York Heart Association) em um centro de referência em insuficiência cardíaca da Alemanha. Para ser elegível, o paciente também deveria ter um dispositivo cardíaco implantado, como marcapasso ou desfibrilador, a fim de avaliar a carga de arritmia após o procedimento. Os pacientes foram randomizados para ablação por cateter mais tratamento clínico versus tratamento clínico isolado. Todos os pacientes do grupo ablação foram submetidos à intervenção por um grupo de operadores experientes, com mais de 400 procedimentos já realizados.
O desfecho primário do estudo foi um composto de morte, necessidade de transplante cardíaco ou dispositivo de assistência ventricular esquerda. A FEVE e a carga de arritmias avaliada por dispositivo implantado foram desfechos secundários.
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com FA e ICFER avançada |
Intervention | Ablação por cateter |
Control: | Tratamento clínico |
Outcome | Composto de morte, necessidade de transplante cardíaco ou dispositivo de assistência ventricular esquerda |
Time | 3 anos |
E aí?
Foram incluídos 194 pacientes, sendo 97 randomizados em cada grupo. Os pacientes tinham uma idade média de 64 anos e FEVE média de 27%. Cerca de dois terços dos pacientes se apresentavam em classe funcional III-IV e 56% tinham FA persistente. Um quarto dos pacientes estavam em uso de inibidores de SGLT2, 65% estavam em uso de sacubitril-valsartana, metade usavam antagonistas de aldosterona e a maioria esmagadora (95%) estavam em uso de betabloqueadores.
Após um ano de seguimento e com todos os pacientes já incluídos, o comitê independente de monitoramento dos dados sugeriu a interrupção precoce do estudo por eficácia indiscutível a favor da ablação. Quando isso ocorreu, a quantidade esperada de eventos era três quartos do inicialmente previsto no cálculo amostral (incidência cumulativa em 1 ano de 15% versus o inicialmente projetado de 20% no grupo controle). Ao todo, 8 pacientes apresentaram o desfecho primário no grupo ablação versus 29 no grupo tratamento clínico (hazard ratio [HR] 0,24; intervalo de confiança [IC] 95% 0,11-0,52; P < 0,001). A mortalidade também foi menor no grupo ablação (6 versus 19 mortes, respectivamente; HR 0,29; IC 95% 0,12-0,72). Ao todo, 1 paciente do grupo ablação necessitou de dispositivo de assistência ventricular versus 10 pacientes no grupo tratamento clínico. Em 12 meses, os pacientes do grupo ablação apresentaram um aumento médio da FEVE de 7,8 pontos percentuais versus 1,4 no grupo controle (diferença média entre os grupos de 6,4; IC 95% 4,1 a 8,7). A carga de arritmia também foi reduzida com a ablação em 31,4 pontos percentuais versus uma redução de 8,6 com o tratamento clínico (diferença média entre os grupos 22,7; IC 95% 13,0 a 32,5).
E agora?
A ICFER é uma doença com elevada mortalidade, sendo comparável à de muitas neoplasias malignas. Quando o paciente atinge estágios avançados e passa a ser refratário ao tratamento, a evolução inexorável para o óbito somente é evitada por meio de um transplante cardíaco. Nesse sentido, a procura por tratamentos capazes de modificar a história natural desta condição é uma necessidade não atendida e, portanto, o estudo CASTLE-HTx traz uma nova esperança. Entretanto, mesmo diante de resultados tão animadores, temos que fazer algumas considerações sobre este estudo.
Em primeiro lugar, estudos interrompidos precocemente tendem a exagerar a magnitude de efeito do tratamento. Embora esta interrupção tenha sido correta (pois não seria ético continuar o estudo sabendo que um dos tratamentos é indiscutivelmente superior), a real redução de mortalidade provavelmente não é tão expressiva quanto o que foi observado. Em segundo lugar, embora o estudo tenha se proposto a incluir pacientes com ICFER avançadas e refratários ao tratamento otimizado, um terço dos pacientes tinha classe funcional II e apenas um quarto estavam em uso de inibidores de SGLT2. Logo, nem eram pacientes com sintomas avançados nem tiveram todo o tratamento otimizado possível nos dias de hoje. Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, trata-se de um estudo unicêntrico, feito em um hospital da Alemanha com alto volume de procedimentos. Portanto, é incerto se estes resultados poderiam ser replicados em outros serviços. O ideal é que tivesse sido feito um estudo multicêntrico, sobretudo quando se trata de uma intervenção, em que o operador e o hospital fazem toda a diferença na eficácia do tratamento (diferentemente de um medicamento, por exemplo).
Por conta disso, conforme já é sabido nas diretrizes, a ablação com cateter na FA deve ser fortemente considerada em dois tipos de pacientes: aqueles com sintomas a despeito do tratamento medicamentoso e aqueles com ICFER.