O quê?
O PREVENT trial foi um estudo clínico randomizado, aberto e multicêntrico incluindo 15 centros no Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Nova Zelândia). O estudo avaliou se o tratamento percutâneo preventivo (PPCI) de placas vulneráveis não obstrutivas (diâmetro de estenose, DS<50%) sem restrição ao fluxo anterógrado (isto é, reserva de fluxo fracional [fractional flow reserver, FFR] >0.80) reduziria desfechos clínicos combinados, quando comparado ao tratamento clínico otimizado isolado (OMT), num período de 2 anos após a randomização (1).
Por quê?
O padrão angiográfico das lesões coronarianas que necessitam de intervenção tende a seguir uma distribuição quase gaussiana, sendo as lesões discretas e gravemente obstrutivas nos extremos da curva, enquanto as lesões intermediárias no meio da curva, visto que são mais frequentes. Assim, as lesões obstrutivas discretas e as graves são bem caracterizadas à angiografia, enquanto as lesões intermediárias não permitem uma determinação adequada da sua repercussão isquêmica exclusivamente pela angiografia. A cinecoronarioangiografia (i.e.: angiografia coronária) ainda que seja o padrão ouro para avaliação da anatômica das artérias coronárias, tem limitações, visto que é uma luminografia, ou seja, enxerga apenas a luz e não a parede do vaso, diferentemente da angiotomografia de coronárias, por exemplo.
Nas lesões intermediárias, foram descritas entidades como a placa vulnerável. Estudos de avaliação invasiva, como a tomografia de coerência óptica (OCT) e o ultrassom intracoronário por radiofrequência (RF-IVUS), revelaram que mesmo quando esse tipo de lesão não obstruía significativamente na luz do vaso, apresentava a tendência no aumento de eventos clínicos maiores pelo risco de instabilização da placa (i.e.: ruptura).
Como?
O estudo clinico randomizado, aberto, intention-to-treat, multicêntrico incluindo 15 centros, multinacional foi conduzido em 4 países: Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Nova Zelândia. Foram incluídos paciente ≥18 anos, com doença coronariana (DAC) crônica ou síndromes coronarianas agudas (SCA) submetidos à cateterismo cardíaco. Todas as lesões não culpadas com diâmetro de estenose ≥50% (por estimativa visual) com FFR > 0.80 foram avaliadas para a presença de placas vulneráveis. Segundo o estudo, o método de determinação de placas vulneráveis ficou a critério do operador, seja ultrassonografia intravascular em escala de cinza (GS-IVUS), ultrassonografia intravascular por radiofrequência (RF-IVUS), combinação de ultrassonografia intravascular em escala de cinza e espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS), ou coerência óptica tomografia (OCT). No PREVENT trial, eram necessários 2 dos 4 seguintes critérios para definir uma placa como vulnerável (conforme protocolo):
O grupo intervenção recebeu a angioplastia coronária preventiva da lesão alvo e tratamento clínico otimizado (PCI+OMT), enquanto o grupo controle, recebeu apenas o tratamento clinico otimizado (OMT). Os pacientes foram seguidos por 2 anos.
O desfecho primário composto foi falência do vaso alvo – Target vessel failure – TVF, a combinação de: morte de origem cardíaca, infarto agudo do miocárdio relacionado ao vaso alvo, revascularização do vaso alvo guiado por isquemia, e hospitalização por angina instável ou progressiva. Quanto aos defechos secundários, foram: morte por qualquer causa, qualquer infarto do miocárdio, qualquer revascularização, trombose definitiva do stent, acidente vascular cerebral (AVC), eventos hemorrágicos, estado de angina, complicações do procedimento e o composto orientado ao paciente de morte por todas as causas, todos os infartos do miocárdio ou qualquer revascularização repetida.
E aí?
Ao todo, dos 5627 pacientes triados, foram incluídos 1606 pacientes na análise, sendo: 803 no grupo controle (841 lesões) e 803 no grupo intervenção (831 lesões). A mediana de idade foi de 65anos (IQR 58-71), 73% dos pacientes eram do sexo masculino, 31% de diabéticos, 84% de angina estável, e 64% de revascularização da lesão alvo exclusivamente. Após 2 anos de seguimento, o desfecho primário combinado ocorreu em 0.4% (n=3) do grupo intervenção e 3.4% (n=27) do grupo controle com diferença absoluta de -30% (95% IC –4·4 para –1·8]; p=0·0003). Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos componentes individuais do desfecho primário combinado.
E agora?
Primeiramente devemos pontuar que a gênese da placa aterosclerótica e a entidade da vulnerabilidade de placa é por si só complexa e permanece como objeto de estudo. Dito isso, independentemente do desenho do estudo e dos critérios adotados pelos investigadores, a avaliação de redução de desfechos clínicos no tratamento percutâneo com implante de stent farmacológico preventivo de lesões não obstrutivas com caracteristicas de vulnerabilidade de placa (segundo os critérios do estudo) é um longo salto de causalidade, considerando os múltiplos fatores e interações possíveis.
Atualmente o unico tratamento com efetividade comprovada no cenário de placas vulneráveis é a terapia medicamentosa com estatinas de alta potência em altas doses. Os estudos com avaliação invasiva com OCT mostraram uma redução do conteudo da placa e um espessamento da camada fina, levando a uma tendência de estabilização da lesão ao longo do tempo. Entrentanto, no PREVENT trial, uso de estatina de altas doses não era obrigatório e foi deixado a critério do investigador.
Vale pontuar que 9% dos pacientes (n =79) do grupo intervenção passaram para o grupo controle (OMT), e 1% do grupo controle (n=12) passou para o grupo intervenção, por demanda espontânea ou do investigador, embora a análise por intenção de tratar tenda a causar um viés em direção à hipótese nula neste tipo de estudo. Além disso, o desenho do estudo não é sham controled e 9% de lesões tratadas apresentavam limitação de fluxo, o que por si só não condiz com os critérios de lesão alvo. Por último, 2 dispositivos diferentes com resultados clinicos não equivalentes foram usados no tratamento das lesões alvo. No grupo ICP preventiva, 237/729 dos pacientes e 5/12 pacientes que migraram do grupo OMT para o grupo intervenção receberam scaffolds bio-absorviveis. No estudo ao todo, 33% (242/741) dos pacientes receberam scaffolds bio-absorvivel, e os outros 67% stents farmacológicos metálicos. Possivelmente pelo tempo de recrutamento prolongado (6 anos), o que leva a uma relação de triagem de 5.2 pacientes/por centro/mês, com uma taxa de recrutamento médio de 1.5 pacientes/por centro/mês.
Há critérios validados para avaliação de vulnerabilidade de placa por imagem invasiva e o GS-IVUS por si só não permite essa determinação (2-5). De modo que no PREVENT trial, 95% dos pacientes foram acessados por GS-IVUS, mais de 97% das lesões foram definidas como placas vulneráveis por apresentarem os critérios 1 (ALM/MLA <4,0 mm²) e 2 (PB >70%). Assim, apenas 11% apresentavam NIRS com max LCBI 4mm >315*, e 5% contavam com critérios para fibroateroma de capa fina (Thin-Cap Fibroatheroma – TCFA) avaliados pelo RF-IVUS ou OCT. O que significa que, se todos os pacientes com critérios 3 ou 4 apresentem como segundo para vulnerabilidade de placa os critérios 1 ou 2, apenas 263 dos 1606 pacientes (16%) apresentavam algum critério efetivo para avaliação de imagem invasiva que pudesse sugerir a presença de vulnerabilidade de placa (dados da Tabela 1).
Logo, estamos diante a um estudo que avaliou: a revascularização coronária percutânea preventiva guiada por GS-IVUS (97%) de leões não obstrutivas à angiografia de pacientes com angina estável (84%), sem evidência de isquemia no vaso alvo FFR >0.8 (91%), com plataformas de próteses diferentes no mesmo grupo: scaffolds bio-absorvivel (33%) e stents farmacológicos metálicos (67%). Diante dessas limitações, futuros estudos devem ser aguardados a fim de se determinar o paper da ICP preventiva em placas vulneráveis.