Angioplastia versus cirurgia de revascularização na doença coronária: resultados de 3 anos do estudo FAME-3 - MDHealth - Educação Médica Independente
sexta-feira nov 22, 2024

Angioplastia versus cirurgia de revascularização na doença coronária: resultados de 3 anos do estudo FAME-3

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 26 de setembro de 2023

5 min de leitura

O quê?  

O estudo FAME-3 (Fractional Flow Reserve versus Angiography for Multivessel Evaluation 3) foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto com adjudicação cega de desfechos, comparando uma estratégia de revascularização por meio de angioplastia transluminal coronária (ATC) com stent versus cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) em pacientes com doença arterial coronária (DAC) crônica tri-arterial. O presente artigo apresenta os resultados do acompanhamento de 3 anos do estudo.  

 

Por quê?  

A escolha da estratégia de revascularização na DAC crônica é um tema de muito debate na Cardiologia. Por um lado, a CRVM pode levar à menor necessidade de re-intervenção e menor incidência de infarto em comparação à ATC. Por outro lado, a ATC com stent, um procedimento com tempo de recuperação bem menor que o da cirurgia, pode levar a resultados equivalentes em pacientes selecionados, sobretudo se a anatomia não for de alta complexidade e o paciente não tiver diabetes.   

 

Como?  

O estudo incluiu pacientes apresentando DAC tri-arterial com indicação de revascularização. Pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda ou com disfunção grave do ventrículo esquerdo (fração de ejeção < 30%) foram excluídos. Os pacientes foram randomizados para uma estratégia de ATC com stent guiada por FFR (fractional flow reserve, reserva de fluxo fracional), versus CRVM 

O desfecho primário do estudo original foi um composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de nova revascularização em 1 ano, analisado com a hipótese de não-inferioridade da ATC versus CRVM. Na presente publicação de 3 anos, os investigadores pré-especificaram o desfecho de morte, AVC ou infarto como desfecho principal. Os desfechos secundários foram os componentes individuais dos desfechos anteriormente mencionados.  

 

Estrutura PICOT 
Population:  Pacientes com DAC tri-arterial    
Intervention  ATC com stent    
Control:  Cirurgia de revascularização  
Outcome  Composto de morte, infarto ou AVC   
Time  3 anos    

 

E aí?   

O estudo incluiu 1500 pacientes, sendo 757 randomizados para ATC e 743 para o grupo CRVM. A idade média foi de 65 anos, 28,5% tinham diabetes, e o escore SYNTAX médio era de 26 (um escore > 33 indica alta complexidade das lesões). No grupo ATC, foram usados em média 3,7 stents por paciente, enquanto no grupo CRVM o número médio de anastomoses distais foi de 3,4.  

Ao final de 3 anos, não houve diferença estatisticamente significativa do desfecho primário entre os grupos ATC e CRVM (12,0% de pacientes com eventos versus 9,2%, respectivamente; hazard ratio [HR] 1,30; intervalo de confiança [IC] 95% 0,98-1,83; P = 0,07). Entretanto, foi observada uma maior taxa do desfecho primário do estudo original (morte, infarto, AVC ou necessidade de nova revascularização) em 3 anos no grupo ATC versus CRVM (18,6% versus 12,5%, respectivamente; HR 1,50; IC 95% 1,20-2,00; P = 0,002). Houve maior ocorrência de infarto (7,0% versus 4,2%; HR 1,70; IC 95% 1,10-2,70) e de necessidade de nova revascularização (11,1% versus 5,9%; HR 1,90; IC 95% 1,30-2,70) no grupo ATC versus CRVM, sem diferença entre os grupos na mortalidade (4,1% versus 3,9%; HR 1,00; IC 95% 0,60-1,70). Os resultados foram consistentes independente da idade, sexo e da presença de diabetes.  Pareceu haver uma modificação de efeito de acordo com o escore SYNTAX  (P para interação < 0,01), com escores ≤ 22 sendo mais favoráveis à ATC e > 22 à CRVM.   

 

E agora?  

Os métodos de revascularização do miocárdio oferecem diferentes vantagens, sendo importante se entender os benefícios e potenciais limitações de cada um na tomada de decisão compartilhada com o paciente. O estudo FAME-3 tem o mérito de ter sido um estudo contemporâneo, com a ATC tendo sido guiada por fisiologia invasiva, otimizando com isso a escolha das lesões a serem tratadas. Algumas ponderações sobre o desenho do estudo devem ser feitas para sua correta interpretação.  

Embora tenha havido uma diferença numérica de redução de risco relativo de 30% a favor da CRVM, esta diferença não foi estatisticamente significativa. A ausência de diferença entre os dois tratamentos no presente estudo não exclui a possibilidade de superioridade da cirurgia, haja vista os números direccionalmente consistentes nos demais desfechos. Tivesse o estudo mais eventos, a diferença poderia ter sido estatisticamente significativa. Tal suposição é reforçada pela superioridade da CRVM em relação à ATC quando se leva em conta o desfecho primário do estudo original (morte, infarto, AVC e necessidade de nova revascularização). Entretanto, não houve redução de mortalidade com a CRVM apesar da redução de infarto e necessidade de novas revascularizações. Este fato é importante de ser ressaltado na decisão compartilhada com os pacientes. O achado de heterogeneidade de efeito conforme o escore SYNTAX deve ser interpretado com cautela, uma vez que análises de subgrupos são no máximo geradoras de hipóteses, e não confirmatórias. Entretanto, esta possível modificação de efeito da ATC de acordo com a complexidade anatômica, avaliada pelo escore SYNTAX, já foi observada em estudos prévios e tem plausibilidade biológica (anatomias mais complexas, com calcificação, bifurcação ou oclusão crônica, são mais favoráveis à cirurgia).  Em terceiro lugar, o critério de biomarcadores para diagnóstico de infarto periprocedimento utilizado no estudo foi o mesmo nos dois grupos. Tal critério favorece a ATC, uma vez que a elevação de biomarcadores tende a ser maior com os procedimentos cirúrgicos. Ainda assim, houve uma maior ocorrência de infarto com a ATC, de tal modo que essa diferença entre os grupos poderia ter sido maior.   

Em resumo, em pacientes com DAC triarterial, a CRVM não resultou em redução estatisticamente significativa de eventos cardiovasculares maiores em relação à ATC com stent guiada por FFR no seguimento de 3 anos. Não houve diferença na mortalidade entre os dois tratamentos, embora a CRVM tenha se associado a uma redução de infarto e de necessidade de nova revascularização. Estes achados podem ser levados em conta pelos médicos na decisão da melhor estratégia de revascularização em pacientes com coronariopatia grave.   

Referência

  1. Zimmermann FM, Ding VY, Pijls NHJ, Piroth Z, van Straten AHM, Szekely L, Davidavicius G, Kalinauskas G, Mansour S, Kharbanda R, Östlund-Papadogeorgos N, Aminian A, Oldroyd KG, Al-Attar N, Jagic N, Dambrink JE, Kala P, Angeras O, MacCarthy P, Wendler O, Casselman F, Witt N, Mavromatis K, Miner SES, Sarma J, Engstrøm T, Christiansen EH, Tonino PAL, Reardon MJ, Otsuki H, Kobayashi Y, Hlatky MA, Mahaffey KW, Desai M, Woo YJ, Yeung AC, De Bruyne B, Fearon WF; FAME 3 Investigators. Fractional Flow Reserve-Guided PCI or Coronary Bypass Surgery for 3-Vessel Coronary Artery Disease: 3-Year Follow-Up of the FAME 3 Trial. Circulation. 2023; 148(12):950-958.  

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP