O quê?
A sub-estudo dos pacientes com episódios de alta frequência atrial (EAFA) de mais de 24 horas do NOAH-AFNET 6 (Non–Vitamin K Antagonist Oral Anticoagulants in Patients with Atrial High Rate Episodes) foi uma análise secundária pré-especificada que avaliou a interação entre o tempo de duração das arritmias detectadas pelos dispositivos implantáveis ao entrar no estudo (baseline) e o uso da edoxabana versus placebo (1).
Por quê?
Os pacientes com episódios de alta frequência atrial, também denominadas de fibrilação atrial subclínica (FASC), detectadas por dispositivos implantáveis, apresentam maior risco de acidente vascular cerebral tromboembólico do que aqueles que não têm essa arritmia. Estudos observacionais e metanálises recentes sugerem que os episódios de FASC que duram mais do que 24 horas estão associados a maior risco de AVC por ano e, por isso, o uso de anticoagulantes nesses pacientes tem sido recorrente na prática clínica. O recente estudo randomizado NOAH-AFNET 6 falhou em demonstrar a redução do desfecho composto de AVC, embolia sistêmica e morte cardiovascular com o uso da edoxabana comparada ao placebo. Porém, na falta de estudos randomizados para pacientes de maior risco de eventos tromboembólicos, como aqueles com maior duração dos EAFAs, a presente análise pré-especificada é uma importante geradora de hipóteses.
Como?
Na presente análise secundária pré-especificada do NOAH-AFNET 6, os autores investigaram os efeitos da duração do EAFA no momento da randomização (denominado “baseline”). Os pacientes foram classificados como EAFA ≥24 horas quando pelo menos um episódio durou mais de 24 horas no início do estudo. O estudo original incluiu pacientes idosos com idade ≥ 65 anos, com EAFA detectados por dispositivos implantados (apresentando frequência atrial de pelo menos 170 bpm e duração ≥ 6 minutos) e pelo menos um fator de risco para AVC.
Os participantes da pesquisa foram então divididos no grupo com duração máxima do EAFA ≥24 horas e pacientes limitados a episódios com duração de 6 minutos a 23:59 horas (denominados <24 horas). Os autores também avaliaram os pacientes pela mediana da duração mais longa do EAFA, bem como a interação da duração basal do EAFA como uma variável contínua. Por fim, foi analisada a interação dessas categorias de EAFA com a eficácia e segurança da anticoagulação oral com edoxabana versus placebo.
Apenas relembrando, o desfecho primário de eficácia do estudo original foi a primeira ocorrência de um composto de morte cardiovascular, acidente vascular cerebral ou embolia sistêmica, avaliado em uma análise de tempo até o evento. O desfecho de segurança foi um composto de morte por qualquer causa ou sangramento grave, como definido pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia.
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com eventos atriais de alta frequência ≥24 horas |
Intervention | Edoxabana 60mg, via oral, 1 vez/dia (ou dose ajustada) |
Control: | Placebo |
Outcome | Eficácia: morte cardiovascular, AVC ou embólica sistêmica
Segurança: morte por qualquer causa ou sangramento grave |
Time | 21 meses (interrompido precocemente) |
E aí?
Dentre os 2536 pacientes randomizados no estudo original, 2389 (94,2%) possuíam registros confirmados pelo laboratório central e foram incluídos na análise pré-especificada. Foram encontrados 259 (11%) pacientes com EAFAs com duração ≥24 horas no momento da randomização, com características basais que diferiam quanto ao maior IMC, menor taxa de filtração glomerular e maior prevalência do sexo masculino. Em pacientes com EAFA ≥24 horas, a duração mediana do EAFA mais longa foi de 53,1 horas (intervalo interquartil 32,3 – 96,0), enquanto em pacientes com EAFA <24 horas a mediana da duração mais longa do EAFA foi de 2,2 horas (intervalo interquartil 0,64 – 5,9).
No grupo EAFA ≥24 horas, o desfecho primário de eficácia ocorreu em 9/132 (6,8%) pacientes com anticoagulação (4,3%/paciente-ano) e 14/127 (11%) pacientes com placebo (6,9%/paciente-ano), ( hazard ratio [HR] 0,86, intervalo de confiança [IC] 95% 0,62-1,19). Não houve diferença entre edoxabana e placebo no resultado primário de eficácia (P para interação = 0,65), acidente vascular cerebral isquêmico (P para interação = 0,89), morte CV (p para interação = 0,58). Ainda, quando a duração dos EAFA foi avaliada como variável contínua, também não houve interação com o efeito do tratamento (P para interação=0,98).
Ademais, não houve diferença entre edoxabana e placebo no grupo EAFA ≥24 horas para o desfecho de segurança, sendo ainda que os resultados primários de segurança foram similares em pacientes com EAFA ≥24 horas em comparação com pacientes com EAFA < 24horas (EAFA ≥24 horas HR 1,30, IC 95% 0,62-2,71; EAFA <24 horas HR 1,32, IC 95% 1,01-1,73, P-interação=0,96). Por fim, os pacientes com EAFA ≥24 horas no início do estudo desenvolveram mais FA diagnosticada por ECG (76/259 [29,3%]) do que pacientes com durações mais curtas de EAFA (374/2130 [17,6%]).
E agora?
Os estudos de anticoagulação em fibrilação atrial subclínica, ou eventos atriais de alta frequência, tiveram publicações de impacto e relevância clínica ao longo de 2023. Apesar de aparentemente contraditórios, os resultados conjuntos do estudo NOAH-AFNET-6 e do ARTESiA, inclusive em metanálise publicada recentemente, mostraram não somente a eficácia da anticoagulação nessa população, como o risco negligenciado de eventos tromboembólicos ao qual esses pacientes estavam expostos (2,3,4).
O resultado “neutro” em eficácia, do estudo original NOAH-AFNET 6, bem como a baixa taxa de eventos embólicos, motivados por sua interrupção precoce, provavelmente impactaram na ausência de interação entre os eventos de EAFAs ≥ 24 horas e o uso dos anticoagulantes. Porém, o presente sub-estudo trouxe um importante dado adicional ao contexto das arritmias silenciosas: pacientes com eventos de alta frequência atrial que durem mais do que 24 horas apresentam maior risco de desenvolver FA diagnosticada por ECG ao longo do seu seguimento.
Devemos, portanto, interpretar os resultados da subanálise como um reforçador do risco futuro atribuído às arritmias assintomáticas, ressaltando por exemplo a importância de sua detecção não apenas em pacientes portadores de dispositivos implantáveis. A atual mudança de paradigma deve trazer à prática clínica a avaliação adicional de fatores de risco para arritmias na população idosa e talvez a triagem com dispositivos de baixo custo e alta eficácia (como os wearables).
Por último, as limitações do NOAH-AFNET impedem que a presente subanálise seja suficiente para excluir o potencial benefício dos anticoagulantes na fibrilação atrial subclínica de acordo com sua duração. Mais dados são necessários para esse entendimento. O estudo ARTESiA, por exemplo, excluiu os pacientes com FASC ≥ 24 horas e não pode ser usado para refinar o presente resultado. Análises futuras, adicionais, podem permitir a quantificação do efeito da carga de arritmia silenciosa na eficácia e segurança da anticoagulação oral.