O quê?
O estudo PROACT Xa ( Prospective Randomized On-X Anticoagulation Clinical Trial),) foi um ensaio clínico randomizado, aberto com adjudicação cega de desfechos, de não-inferioridade, comparando duas estratégias de anticoagulação em pacientes portadores de prótese valvar metálica em posição aórtica.
Por quê?
Os anticoagulantes orais diretos (DOACs; direct oral anticoagulants) resultaram em redução de acidente vascular cerebral (AVC) ou embolia sistêmica em relação à varfarina em meta-análises de estudos randomizados incluindo pacientes com fibrilação atrial predominantemente não-valvar. Além disso, a incidência de sangramento intracraniano foi cerca de duas vezes menor com os DOACs. Entretanto, a eficácia e segurança dos DOACs na anticoagulação de pacientes portadores de próteses metálicas valvares ainda permanece incerta, de tal modo que todas as diretrizes ainda recomendam o uso de varfarina ou outros antagonistas de vitamina K para estes pacientes.
Como?
O estudo incluiu pacientes portadores de prótese metálica em posição aórtica, implantada há pelo menos 3 meses, sendo a prótese do modelo On-XTM. Este tipo de prótese tem um perfil de trombogenicidade menor do que as próteses mais antigas. Os pacientes foram randomizados 1:1 para anticoagulação com varfarina com alvo de INR (international normalized ratio) de 2,0 a 3,0, versus apixabana na dose de 5 mg duas vezes ao dia. Pacientes com dois de três critérios (peso < 60 kg, idade > 80 anos ou creatinina > 1,5 mgdL) tinham a dose de apixabana reduzida pela metade. O estudo incluiu pacientes em 64 centros localizados nos Estados Unidos. Todos os pacientes eram tratados concomitantemente com aspirina 81 mg/dia.
O desfecho primário de eficácia do estudo foi a ocorrência de trombose de prótese (diagnosticada por exame de imagem, espécime cirúrgico ou autópsia) ou evento tromboembólico relacionado à prótese (o composto de AVC, infarto ou embolia sistêmica). O desfecho primário de segurança foi a ocorrência de sangramento fatal ou com necessidade de hospitalização, transfusão ou intervenção cirúrgica. O estudo avaliou o desfecho primário com a hipótese de não inferioridade da apixabana em relação à varfarina, levando em conta uma margem de não-inferioridade absoluta de 1,75 % de eventos/ pacientes-ano a favor da varfarina. Com isso, a não-inferioridade seria atingida se o limite do intervalo de confiança (IC) 95% para a diferença absoluta de eventos entre os dois grupos excluísse esta margem contra a apixabana. O estudo pretendia incluir 990 pacientes a fim de ter um poder de 90% para detectar a não-inferioridade da apixabana (com alfa unicaudal de 2,5%).
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com prótese metálica aórtica On-X |
Intervention | Apixabana 5 mg duas vezes ao dia |
Control: | Varfarina (INR 2,0 a 3,0) |
Outcome | Trombose de prótese ou evento tromboembólico |
Time | 13 meses |
E aí?
O comitê independente de segurança e monitoramento dos dados, por unanimidade, sugeriu a interrupção precoce do estudo em virtude de um excesso de eventos tromboembólicos no grupo apixabana. Portanto, o estudo terminou com 863 dos 990 pacientes inicialmente planejados. A idade mediana dos pacientes foi de 56 anos, com cerca de 24% de mulheres e grande maioria (90%) da raça branca. O tempo mediano na faixa terapêutica (TTR, time in therapeutic range) do grupo varfarina foi de 72,7%.
No grupo apixabana, 20 eventos (4,2%/paciente-ano) do desfecho primário ocorreram versus 6 (1,3%/paciente-ano) no grupo varfarina (diferença média 2,9%/paciente-ano; IC 95% 0,8% a 5,0%). Como o IC 95% ultrapassou a margem de 1,75% contra a apixabana, a não-inferioridade da apixabana não foi atingida. O hazard ratio (HR) comparando apixabana versus varfarina para o desfecho primário foi de 2,60 (IC 95% 1,0 – 6,7). Essa diferença ocorreu às custas de tromboembolismo (17 versus 6, respectivamente; diferença média 2,3%/paciente-ano; IC 95% 0,3 a 4,2). No grupo apixabana, ocorreram 14 casos de AVC tromboembólico versus nenhum no grupo varfarina. Ocorreram 11 sangramentos maiores no grupo apixabana versus 21 no grupo varfarina (HR 0,60; IC 95% 0,3-1,3).
E agora?
Os DOACs têm se mostrado excelentes alternativas de anticoagulação em relação à varfarina, resultando em maior segurança e conveniência aos pacientes em estudos pivotais de fibrilação atrial e tromboembolismo venoso. Entretanto, a presença de prótese metálica valvar tem sido uma contraindicação aos DOACs, devido a resultados desfavoráveis em estudos prévios. O estudo PROACT-Xa foi inovador ao utilizar uma prótese com perfil de trombogenicidade menor do que o habitual e um desenho que excluiu pacientes com implante muito recente (< 3 meses). Apesar disso, neste estudo houve uma maior ocorrência de eventos tromboembólicos com apixabana em relação à varfarina, o que motivou a interrupção precoce do mesmo. Não houve diferença estatisticamente significativa na ocorrência de sangramento entre os dois grupos.
Estudos interrompidos precocemente correm o risco de magnificar resultados extremos tanto no sentido da eficácia superior quanto da menor segurança de um tratamento em relação ao controle. No entanto, a vigilância do estudo por um comitê independente e a decisão de interrupção precoce visam à integridade dos participantes, evitando uma exposição adicional desnecessária a um tratamento claramente prejudicial. Além disso, a despeito da interrupção precoce, o estudo chegou muito próximo de atingir o tamanho amostral pretendido, de tal modo que a probabilidade de se demonstrar a não-inferioridade da apixabana em relação à varfarina é extremamente improvável caso o estudo tivesse sido completado até o final. Uma limitação importante do estudo foi o fato de ter um desenho aberto, ou seja, tanto paciente quanto médico sabiam que medicamento (apixabana ou varfarina) o participante recebia. Tal limitação poderia levar a um viés de tratamento diferencial ou a um viés de reporte de eventos a favor da varfarina, embora o protocolo preconizasse um seguimento igual para os dois grupos e os desfechos fossem validados por um comitê de eventos clínicos cujos membros eram cegos ao tratamento randomizado.
Em resumo, o estudo PROACT-Xa provavelmente é o “último prego no caixão” para os DOACs em pacientes com próteses metálicas. Diante destes resultados, as diretrizes devem continuar contraindicando os DOACs para estes pacientes, que devem ser anticoagulados com varfarina ou outros antagonistas de vitamina K. Se novas gerações de anticoagulantes ou de próteses metálicas possibilitarão a mudança desta conduta é uma pergunta ainda em aberto, e novos estudos devem ser aguardados a este respeito.