O quê?
O estudo Dose Reduction of Edoxaban in Patients 80 Years and Older With Atrial Fibrillation foi uma análise post-hoc do ensaio clínico randomizado ENGAGE-AF TIMI 48, para avaliação dos eventos isquêmicos e hemorrágicos em pacientes octagenários com fibrilação atrial (FA) que receberam edoxabana 60 mg versus 30 mg, e edoxabana 30 mg vs varfarina para prevenção de eventos tromboembólicos.
Por quê?
Baseado nos desenhos dos estudos clínicos com edoxabana e conforme bula atual, a redução da dose da edoxabana de 60mg para 30mg deve ser feita apenas em pacientes com doença renal (taxa de filtração glomerular[TFG] 15-50 mL/min), peso inferior ou igual a 60 kg ou que utilizem medicamentos específicos inibidores da P-gp, exceto amiodarona. Porém, sabe-se que, em pacientes octagnerários, o risco de sangramento é maior do que em pacientes jovens, devido à fragilidade, uso de polifarmácia, maior risco de queda e até mesmo menores níveis de fator Xa endógeno. Considerando esses dados, o uso off-label de menores doses de anticoagulantes para prevenção de eventos tromboembólicos tem sido uma prática frequente no mundo real. O presente estudo, portanto, avaliou se pacientes com 80 anos ou mais com FA, que apresentavam alto risco de eventos isquêmicos trombóticos e/ou hemorrágicos, se beneficiariam do uso de anticoagulantes em doses mais baixas, mesmo na ausência de critérios de redução de doses pré-especificados e aprovados em bula.
Como?
No estudo original ENGAGE AF-TIMI 48, os pacientes com FA e CHADS2 (utilizado na época) foram randomizados para edoxabana, em 2 regimes posológicos (60 versus 30 mg, ou 30 versus 15 mg, se os critérios de redução de dose estivessem presentes), ou varfarina. O estudo atual realizou uma análise secundária focada em pacientes com 80 anos, avaliados como: sem critérios de redução de dose recebendo edoxabana 60 mg, 30 mg ou varfarina ou com critérios de redução de dose recebendo edoxabana 30 mg ou varfarina. O desfecho primário era um composto (benefício líquido) de eficácia por meio da avaliação de eventos de acidente vascular cerebral (AVC) ou embolia sistêmica ou morte; e segurança por sangramento grave, conforme definido pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH).
E aí?
Dentre os 21105 pacientes do estudo original, 3591 apresentavam 80 anos ou mais (média 83 anos). Dos 1700 que não possuíam os critérios clássicos de redução de dose, 560 receberam edoxabana 60 mg e 578 receberam edoxabana 30mg. Ainda, outros 623 pacientes receberam a dose de edoxabana de 30 mg por apresentarem critérios formais de redução de dose. Pacientes em dose de edoxabana 15mg foram, portanto, excluídos da análise. Entre 1.138 pacientes com 80 anos ou mais sem critérios de redução de dose no braço edoxabana, aqueles randomizados para receber 60 mg versus 30 mg, apresentaram mais sangramentos graves (hazard ratio [HR], 1,57; intervalo de confiança[IC] 95% 1,04-2,38; P = 0,03), sem diferença estatisticamente significativa nos desfechos de eficácia. Dentre 2.406 pacientes octagenários, com ou sem critérios de redução de dose, aqueles recebendo edoxabana 30 mg vs varfarina apresentaram redução de 12% no desfecho primário de líquido de morte, AVC, embolia sistêmica ou sangramento maior (HR, 0,78; IC 95%, 0,68-0,91; P = 0,001). Isoladamente, também foi observado redução de 41% em sangramento grave (HR, 0,59; IC 95%, 0,45-0,77; P < 0,001) e 17% em morte (HR, 0,83; 95% IC, 0,70-1,00; P = 0,046), no grupo edoxabana 30mg versus varfarina, sem aumento de acidente vascular cerebral ou embolia sistêmica.
E agora?
Os dados apresentados pelo estudo sugerem que anticoagulantes em doses mais baixas, como a edoxabana 30 mg uma vez ao dia, podem ser considerados em pacientes com 80 anos ou mais com FA, independentemente dos critérios de redução da dose. De maneira interessante, esses resultados foram reforçados pela análise da inibição endógena do fator Xa, um marcador de efeito anticoagulante, que foi comparável entre pacientes mais jovens que receberam edoxabana 60 mg e pacientes idosos recebendo edoxabana 30 mg.
Importante ressaltar que, tratando-se de uma avaliação pos-hoc, sem ajuste para múltiplas comparações, os resultados são exploratórios e sujeitos a erros tipo I e tipo II, uma vez que, apesar de randomizado, o estudo original não foi desenhado especificamente para avaliação da população de 80 anos ou mais. De qualquer forma, a análise secundária publicada pelos autores do grupo TIMI reforça a hipótese de se praticar uma medicina individualizada na população de octagenários com FA. Dessa forma, futuros estudos devem avaliar melhor se a prática de redução do anticoagulante nesses pacientes pode de fato equilibrar o risco de eventos isquêmicos como risco de sangramento.