O quê?
O estudo consiste em uma análise exploratória post-hoc do “Tafamidis in Transthyretin Cardiomyopathy Clinical Trial” (ATTR-ACT), um ensaio clínico randomizado de fase 3, multicêntrico, internacional, duplo-cego, placebo-controlado, realizado entre dezembro de 2013 e fevereiro de 2018.
Por quê?
A amiloidose por transtirretina (ATTR) é um distúrbio causado pela má formação de fibrilas amilóides transtirretina, que se aglomeram de forma desorganizada e podem se depositar em diversos órgãos e tecidos. Dessa forma, a ATTR pode causar uma cardiomiopatia restritiva e uma polineuropatia periférica, sendo de caráter progressivo, irreversível, fatal e de difícil diagnóstico.
Nesse contexto, o Tafamidis mostrou melhora da sobrevida de pacientes com CM-ATTR, em comparação ao placebo. No entanto, seu efeito sobre a função cardíaca não foi bem caracterizado. O Tafamidis é um estabilizador cinético da TTR que inibe a dissociação do tetrâmero, etapa que limita a taxa de amiloidogênese por TTR.
O objetivo principal desta análise post–hoc do estudo ATTR-ACT foi avaliar o efeito de tafamidis, 80 mg, a dose aprovada para CM-ATTR, comparando com placebo as medidas ecocardiográficas de função cardíaca que foram previamente identificadas como fatores prognósticos para mortalidade na CM-ATTR. Possivelmente, a melhora da sobrevida com tafamidis poderia estar associada às medidas ecocardiográficas prognósticas citadas.
Como?
Foi realizada uma análise exploratória post-hoc baseada no estudo ATTR-ACT. O ATTR-ACT foi um ensaio clínico randomizado de fase 3, internacional, multicêntrico, duplo-cego, controlado por placebo, de tafamidis para CM-ATTR. Os participantes elegíveis tinham entre 18 e 90 anos de idade, portadores de CM-ATTR (AATRv ou ATTRwt) confirmada por biópsia, histórico médico de insuficiência cardíaca e espessura de parede do septo interventricular diastólica final de >12 mm. Os pacientes foram randomizados na proporção de 2:1:2 para receber Tafamidis 80 mg, 1x ao dia, ou Tafamidis 20 mg, ou placebo, por 30 meses.
Os pacientes foram categorizados de acordo com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) no momento da inclusão como tendo insuficiência cardíaca com FEVE preservada (>50%), FEVE levemente reduzida (41% a 49%) ou FEVE reduzida (<40%). Foram avaliadas alterações na FEVE, no volume sistólico do VE, na deformação longitudinal global do VE e na relação entre a velocidade de influxo mitral precoce e a velocidade diastólica precoce do anel mitral septal e lateral (E/e′) e comparadas entre pacientes que receberam tafamidis 80 mg com placebo.
Estrutura PICOT | |
Population: | pacientes com cardiomiopatia por ATTR |
Intervention | Tafamidis 80 mg ou 20 mg |
Control: | placebo |
Outcome | alterações ecocardiográficas |
Time | 30 meses |
E aí?
Um total de 441 pacientes foram randomizados no estudo ATTR-ACT e 436 pacientes tinham dados ecocardiográficos disponíveis. Dos 436 pacientes incluídos nessa análise post-hoc, 393 (90,1%) eram do sexo masculino e a idade média (DP) foi de 74 (+7) anos. Um total de 220 (50,5%), 119 (27,3%) e 97 (22,2%) apresentaram insuficiência cardíaca com FEVE preservada, levemente reduzida e reduzida, respectivamente. Ao longo de 30 meses, houve piora menos pronunciada em quatro das medidas ecocardiográficas em pacientes em uso de tafamidis 80 mg (n = 176), vs placebo (n = 177) (diferença mínima da média quadrada: volume sistólico de VE, 7,02 mL; 95% IC, 2,55-11,49; p= 0,002; strain longitudinal global de VE, -1,02%; IC 95%, -1,73 a -0,31; p= 0,005; E/e’ septal, -3,11; IC 95%, -5,50 para -0,72; p= 0,01; E/e′ lateral, -2,35; IC 95%, -4,01 a -0,69; p= 0,006).
E agora?
Esta análise post–hoc do ATTR-ACT mostrou que, em pacientes com CM-ATTR, o tratamento com tafamidis 80 mg foi capaz de atenuar o declínio da função cardíaca ao longo de 30 meses em comparação com placebo. Foram observadas diferenças entre tafamidis 80 mg e placebo, tanto em parâmetros sistólicos do VE (VSVE, VE SLG) como em índices diastólicos do VE (E/e′). As alterações na FEVE seguiram um padrão semelhante de declínio atenuado com tafamidis 80 mg, mas a diferença entre tafamidis e placebo não atingiu significância estatística. Estes cinco parâmetros ecocardiográficos têm particular importância já que são identificados como fatores prognósticos independentes de mortalidade em pacientes com CM-ATTR, sugerindo assim que o efeito do tafamidis na função cardíaca nesses pacientes poderia estar associado à melhora na sobrevivência dessa população. Os resultados desta análise post-hoc sugerem benefício clínico do tafamidis para pacientes com CM-ATTR e enfatizam a importância da intervenção precoce.
Os pontos fortes dessa sub-análise sobre os dados ecocardiográficos do estudo ATTR-ACT incluem o tamanho relativamente grande da população do estudo, a comparação cega de tafamidis com placebo, a duração do acompanhamento de 30 meses e o uso de um laboratório central para padronizar a avaliação dos dados ecocardiográficos. As limitações do estudo são que as análises foram feitas post–hoc e não tinham sido predeterminadas no estudo inicial, e o número de pacientes com amiloidose ATTRv foi relativamente pequeno. Além disso, as análises longitudinais incluíram apenas pacientes que receberam tafamidis 80 mg, e não aqueles que receberam tafamidis, 20 mg. A justificativa para excluir o último grupo foi que tafamidis 80 mg é a dose aprovada para uso clínico na CM-ATTR. No entanto, esta decisão de design impede a generalização dos resultados para a dose de tafamidis 20 mg. Essa sub-análise post-hoc também é limitada pela falta de índices mais detalhados do tamanho e função do átrio esquerdo, e de medida do diâmetro do átrio esquerdo disponibilizado no ATTR-ACT. Dadas as limitações do diâmetro do átrio esquerdo, não foi possível excluir a possibilidade de que o tafamidis 80 mg pudesse promover alterações no volume e na função do átrio esquerdo em comparação ao placebo no contexto da CM-ATTR.
Os dados ecocardiográficos de pacientes com CM-ATTR no estudo ATTR-ACT sugerem que, em comparação com o placebo, o tafamidis atenuou o declínio da função sistólica e diastólica do VE, tipicamente observado em pacientes não tratados com CM-ATTR.
A proporção de pacientes que apresentou FEVE reduzida ao ser incluído no estudo ATTR-ACT sugere que a CM-ATTR deve ser considerada como um diagnóstico possível em todos os pacientes com insuficiência cardíaca, independentemente da FEVE. Essas evidências clínicas ressaltam a importância do diagnóstico e intervenção precoces em pacientes com CM-ATTR para prevenir o declínio progressivo da função cardíaca.