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quarta-feira dez 18, 2024

Efeito legado do tratamento da pressão arterial em eventos cardiovasculares e variabilidade da pressão arterial

Escrito por: Samuel Moscavitch em 17 de maio de 2024

4 min de leitura

O quê? 

Esse é um sub-estudo do ensaio clínico ASCOT (Anglo-Scandinavian Cardiac Outcomes Trial) -BPLA ([BP]blood pressure-lowering arm [LA]), no qual se analisou se a variabilidade da pressão arterial (VPA) sistólica visita-por-visita poderia explicar as diferenças observadas nos resultados do estudo ASCOT entre os grupos de tratamento com anlodipino ou atenolol.  

No estudo ASCOT-BPLA, a terapia anti-hipertensiva à base de anlodipino reduziu a incidência de desfechos cardiovasculares (CV) e a taxa de mortalidade geral, quando comparada à terapia com atenolol. No entanto, as diferenças observadas nos desfechos CV não podem ser completamente atribuídas à pequena diferença na média da pressão arterial (PA) entre os grupos. 

 

Por quê? 

Os achados mais relevantes do ensaio clínico ASCOT-BPLA de redução de mortes e desfechos CV no grupo tratado com anlodipino (vs. atenolol) não puderam ser explicados pela pequena diferença na média da PA entre os grupos. A VPA tem sido apontada por estudos observacionais como um preditor importante de morbidade e mortalidade CV. Assim, a VPA sistólica visita-por-visita foi sugerida como hipótese alternativa.  

Dessa forma, esse sub-estudo teve como objetivo investigar o impacto a longo prazo da VPA sistólica no ensaio clínico ASCOT e da PA média sobre os desfechos CV de longo prazo. Além disso, também se propuseram à análise do ASCOT Legacy (sub-estudo de follow-up após 16 anos sobre benefícios de longo prazo) sobre se a alocação em um dos grupos de tratamento anti-hipertensivo conferiria quaisquer benefícios de longo prazo sobre eventos CV fatais e não-fatais ou outros desfechos de interesse, como risco de fibrilação atrial e de insuficiência cardíaca durante o follow-up de 21 anos. 

 

Como? 

O estudo ASCOT-BPLA foi desenhado para comparar duas estratégias de tratamento anti-hipertensivo: 1) anlodipino, podendo ser adicionado perindopril se necessário; e, 2) atenolol, podendo ser adicionado bendroflumetiazida se necessário. Os participantes do estudo eram adultos hipertensos, com idade entre 40 e 79 anos, com ao menos três fatores de risco CV adicionais, mas sem histórico de eventos prévios de doença coronariana (DAC), tratamento otimizado de angina, acidente vascular cerebral (AVC) ou ataque isquêmico transitório (AIT) nos 3 meses anteriores à randomização. O desfecho primário foi infarto do miocárdio (IM) não-fatal e doença coronariana fatal. 

O sub-estudo atual analisou essa coorte de 8.580 participantes do Reino Unido, os quais foram originalmente randomizados e seguidos em um dos braços de tratamento anti-hipetensivo. E, desse total, foram analisados os dados de 7.092 participantes que tinham registros completos. Nessa análise foram utilizados os registros das medições da PA durante todas as visitas do estudo (n = 100.933) durante o período de 5 anos do estudo ASCOT-BPLA; uma mediana de 13 visitas por participante (três registros de PA por visita, na maioria dos casos), para estimar a PA sistólica média e desvio padrão (DP) da média da PA sistólica entre as visitas (uma estimativa da VPA sistólica de longo prazo, visita-a-visita, para cada participante do ASCOT Legacy). 

 

E aí? 

No início do estudo, a PA média era 162/92 mmHg (DP+18/10), sendo a prevalência de diabetes 27%, e 12% tinhamAVC ou AIT (12%) prévios e 20% outras doenças vasculares. Durante o follow-up de 21 anos, aqueles que receberam anlodipino, em comparação com atenolol, tiveram risco significativamente menor de AVC (HR=0,82 [IC95% 0,72–0,93], p= 0,003), eventos CV (HR 0,93 [IC 95% 0,88–0,98], p= 0,008), eventos coronarianos (HR 0,92 [IC 95% 0,86–0,99], p= 0,024) e fibrilação atrial (HR 0,91 [IC 95% 0,83–0,99], p= 0,030). Não houve diferença significativa na incidência de IAM não-fatal e DAC fatal, insuficiência cardíaca e mortalidade por todas as causas. 

 

E agora?  

Inicialmente, quando os resultados do estudo ASCOT-BPLA foram publicados, os autores reportaram que as pequenas diferenças na PA média entre os braços de tratamento (anlodipino vs. atenolol) teriam contribuído minimamente para as diferenças observadas nos desfechos CV. Em seguida,  publicaram que as medições da PA sistólica visita-a-visita eram poderosos preditores de desfechos CV, incluindo AVC e eventos coronários e que a diferença da VPA sistólica entre os grupos explicariam os benefícios do tratamento com anlodipino. A partir dos resultados obtidos pelo follow-up de longo prazo, puderam confirmar que as diferenças nos desfechos CV seriam devido a VPA sistólica e que a diferença menos expressiva poderia ser explicada por cruzamento substancial de tratamentos no período após término do ASCOT-BPLA.  

Algumas limitações das análises do sub-estudo atual foram que os dados coletados sobre a medição da PA e tratamento anti-hipertensivo eram limitados nos participantes do sub-estudo pós-trial (ASCOT Legacy). No entanto, é provável que estes sejam representativos da população do estudo ASCOT-BPLA. Tanto no estudo original como no sub-estudo pós-trial, estavam disponíveis apenas dados sobre medicamentos prescritos. Além disso, a coleta de dados sobre desfechos não-fatais usando códigos CID-10 tem limitações. Contudo, os dados sobre mortalidade foram adjudicados e confirmam os achados sobre desfechos combinados fatais e não-fatais. 

A prática clínica contemporânea, baseada nas diretrizes atuais, determina que as decisões de tratamento em pacientes hipertensos sejam determinadas pelos níveis de PA sistólica e diastólica. No entanto, a análise desse sub-estudo atual provê evidências robustas de que a VPA visita-a-visita é um determinante muito mais poderoso para a incidência de desfechos CV e que pelo menos metade de todos os eventos CV reportados na coorte do estudo ASCOT-BPLA e ASCOT Legacy ocorreram naqueles com PA controlada, mas VPA elevada. 

Em conclusão, esse estudo mostrou que a VPA sistólica é um forte preditor de desfecho CV, mesmo naqueles pacientes com PA sistólica controlada. Os benefícios a longo prazo do tratamento com anlodipino, em comparação com atenolol, na redução de eventos CV parecem ser mediados principalmente por um efeito na VPA sistólica. 

Referência

  1. Gupta A, Whiteley WN, Godec T, Rostamian S, Ariti C, Mackay J, Whitehouse A, Janani L, Poulter NR, Sever PS; ASCOT-10 Investigators. Legacy benefits of blood pressure treatment on cardiovascular events are primarily mediated by improved blood pressure variability: the ASCOT trial. Eur Heart J. 2024 Apr 1;45(13):1159-1169. doi: 10.1093/eurheartj/ehad814.  

Sobre o autor

Samuel Moscavitch

Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Cardiologista pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Doutor em Biologia Celular e Molecular com ênfase em Imunologia pelo IOC/Fiocruz; Pós-doutor em Doenças Cardiovasculares, Inflamação e Aterosclerose pela Harvard Medical School e pelo Brigham and Women’s Hospital; Pesquisador Colaborador do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.

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