Efeitos da Semaglutida na Doença Renal Crônica em Pacientes com Diabetes Tipo 2 - MDHealth - Educação Médica Independente
quarta-feira dez 18, 2024

Efeitos da Semaglutida na Doença Renal Crônica em Pacientes com Diabetes Tipo 2

Escrito por: Samuel Moscavitch em 11 de junho de 2024

3 min de leitura

O quê? 

O estudo FLOW (Evaluate Renal Function with Semaglutide Once Weekly) é um ensaio clínico que testou a eficácia e segurança do uso da semaglutida para prevenir progressão de doença renal e morte por causas renais ou cardiovasculares em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) e doença renal crônica (DRC) estabelecida. 

 

Por quê? 

O DM2 é a causa mais frequente de DRC no mundo. Ainda que com tratamento otimizado, muitos pacientes diabéticos vão apresentar uma piora progressiva da função renal e evoluem a insuficiência renal terminal e aumento de mortalidade, principalmente associada a eventos cardiovasculares. 

O uso de agonistas do receptor de GLP-1 (glucagon like peptide-1) em pacientes com DM2 já demonstrou melhorar o controle glicêmico, diminuir o peso corporal e reduzir eventos cardiovasculares. Apesar disso, dados sobre desfechos renais clinicamente relevantes ainda são escassos. 

Dessa forma, o estudo FLOW teve como objetivo investigar o uso da semaglutida subcutânea 1,0 mg, 1x por semana, na prevenção de insuficiência renal, perda substancial da função renal e morte por causas renais ou cardiovasculares em pacientes DM2 e DRC. 

 

Como? 

  Esse é um ensaio clínico internacional, duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, conduzido em 387 locais em 28 países, com o recrutamento ocorrendo de junho de 2019 a maio de 2021. Foram incluídos 3533 pacientes com DM2 (HbA1C ≤10%) e DRC (TFGe 50 – 75mL/min/1,73m2 e razão albumina/creatinina urinária entre 300 e 5000; ou, TFGe 25 – 50mL/min/1,73m2 e razão alb/creat entre 100 e 5000) para receber, aleatoriamente, semaglutida subcutânea semanal de 1,0 mg ou placebo. O desfecho primário foi composto de eventos de doença renal grave, como o início de insuficiência renal (diálise, transplante ou TFGe <15 mL/min/1,73m2), uma redução de ao menos 50% na TFGe sobre o valor basal; ou, morte por causas renais ou cardiovasculares 

E aí? 

O risco de um novo evento de desfecho primário foi 24% menor no grupo semaglutida comparado ao placebo (331 vs. 410 primeiros eventos; hazard ratio [HR]: 0,76; intervalo de confiança [IC] 95%: 0,66 – 0,88; p = 0,0003). Os resultados foram semelhantes para o composto dos componentes renais específicos do desfecho primário (HR: 0,79; IC95%: 0,66-0,94) e para morte por causas cardiovasculares (HR: 0,71; IC95%: 0,56-0,89). 

Os resultados para todos os desfechos secundários favorecem o grupo da semaglutida:  

– A piora menos acentuada da TFGe, observada pela inclinação média anual em 1,16 mL/min/1,73m2 no grupo semaglutida (P<0,001), 

– Redução de 18% no risco de eventos cardiovasculares graves (HR: 0,82; IC 95% 0,68-0,98; p = 0,029) e  

– Redução de 20% no risco de morte por qualquer causa (HR: 0,80; IC 95% 0,67-0,95, p = 0,01).  

 

E agora?  

Neste ensaio clínico com pacientes com DM2 e DRC, o uso da semaglutida subcutânea de 1,0 mg semanal reduziu significativamente o risco de eventos renais graves em 24%. A semaglutida também reduziu o risco de eventos cardiovasculares graves e morte por qualquer causa, ao mesmo tempo em que reduziu a progressão da perda da função renal anual em 1,16 mL/min/1,73m2. Esses resultados mostram benefícios clínicos muito relevantes sobre desfechos renais, cardiovasculares e de sobrevida desses pacientes de alto risco.  Também foram expandidos os resultados sobre segurança de seu uso nessa população com DM2 e DRC. 

Algumas limitações desse estudo foram:  1) pelo fato de a população ter sido em sua maioria branca, o estudo não pôde analisar diferenças em subgrupos importantes para a doença renal, principalmente negros e indígenas. 2) Além disso, à época do estudo, inibidores de SGLT2 e os antagonistas de receptores mineralocorticoides não-esteroidais não estavam aprovados para proteção renal. Poucos participantes faziam uso ao longo do estudo e sua interação com a semaglutida não foi avaliada. 3) resultados se limitam à população de alto risco (DM2+DRC) e não devem ser extrapolados para populações de menor risco ou com apenas DRC. 4) A perda de peso pode levar a diminuição de níveis séricos de creatinina, mas é improvável que isso tenha influenciado significativamente nos resultados. 5) Ainda que de maneira adequada, o estudo foi interrompido precocemente por eficácia, o que pode superestimar a magnitude de efeito da intervenção.  

Em conclusão, esse estudo mostrou que a semaglutida reduziu o risco de desfechos renais clinicamente importantes, eventos cardiovasculares e morte por qualquer causa em paciente com DM2 e DRC. 

Referência

  1. Perkovic V, Tuttle KR, Rossing P, et al. Effects of Semaglutide on Chronic Kidney Disease in Patients with Type 2 Diabetes. N Engl J Med. May 24, 2024. doi:10.1056/NEJMoa2403347.   

Sobre o autor

Samuel Moscavitch

Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Cardiologista pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Doutor em Biologia Celular e Molecular com ênfase em Imunologia pelo IOC/Fiocruz; Pós-doutor em Doenças Cardiovasculares, Inflamação e Aterosclerose pela Harvard Medical School e pelo Brigham and Women’s Hospital; Pesquisador Colaborador do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.

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