Eficácia da semaglutida por sexo na insuficiência cardíaca relacionada à obesidade com fração de ejeção preservada - MDHealth - Educação Médica Independente
quarta-feira sep 18, 2024

Eficácia da semaglutida por sexo na insuficiência cardíaca relacionada à obesidade com fração de ejeção preservada

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 12 de setembro de 2024

4 min de leitura

O quê?

O estudo Efficacy of Semaglutide by Sex in Obesity-Related Heart Failure WithPreserved Ejection Fraction foi uma análise secundária pré-especificada dos estudos STEP-HFpEF and STEP-HFpEF DM que teve como objetivo avaliar a influência do sexo (como variável biológica) nas características basais, bem como os efeitos da semaglutida versus placebo no principal desfecho de ambos os ensaios clínicos.

Por quê?

A insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp) relacionada à obesidade é o fenótipo mais prevalente de ICFEp, com crescente morbidade e mortalidade em todo o mundo. O sexo influencia profundamente quase todos os aspectos da IC, abrangendo desde fatores de risco até a apresentação clínica, capacidade de resposta ao tratamento e prognóstico. Notavelmente, os pacientes com ICFEp são mais comumente mulheres, que muitas vezes carregam uma carga mais pesada de comorbidades e apresentam piores sintomas e limitações físicas em comparação com os homens. A maioria das evidências sobre disparidades entre os sexos na epidemiologia e na progressão clínica da ICFEP foram extraídas de estudos que não visam especificamente pacientes com ICFEP relacionada à obesidade. Consequentemente, há escassez de dados sobre possíveis variações nas características basais, resultados e respostas aos tratamentos farmacológicos por sexo dentro deste fenótipo.

 

Como?

Foi realizada uma análise secundária pré-especificada de dados agrupados do STEP-HFpEF e STEP-HFpEF DM, que incluíram pacientes com insuficiência cardíaca e FEVE≥ 45%, índice de massa corporal≥30 kg/m2 e Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire Clinical Summary Score (KCCQ-CSS) <90 pontos, os quais haviam sido randomizados 1: 1 para semaglutida 2,4 mg uma vez por semana ou placebo correspondente por 52 semanas. No presente estudo, os autores avaliaram o desfecho primário composto (alteração do KCCQ-CSS e alteração percentual no peso corporal) e os desfechos secundários confirmatórios (alteração da teste de caminhada de 6 minutos [TC6M]; desfecho composto hierárquico compreendendo morte por todas as causas, eventos de IC, alterações no KCCQ-CSS e TC6M; e proteína C reativa [PCR]) comparados entre os sexos.

E aí?

Um total de 1.145 pacientes dos 2 ensaios (STEP-HFpEF, n = 529; STEP-HFpEF DM, n = 616) foram incluídos na análise, dos quais 570 (49,7%) eram mulheres. Como características basais, as mulheres apresentavam maior IMC, maior FEVE e maior valor de PCR do que os homens. A pressão arterial e a idade média eram semelhantes entre os dois grupos. Os sintomas e a limitação funcional também foram maiores nas mulheres do que nos homens, com NYHA III em 209 (36.7%) versus 149 (25,9); e KCCQ-CSS 54,7 (38,5-67,2) versus 63,0 (48,4-76,0), p <0,001 respectivamente. A semaglutida melhorou o KCCQ-CSS de forma semelhante, ou seja, independentemente do sexo (diferença média em mulheres +7,6 pontos [intervalo de confiança IC95%: 4,5-10,7 pontos]; homens +7,5 pontos [IC 95%: 4,3-10,6 pontos]; P interação = 0,94). A semaglutida melhorou o TC6M (P para interação = 0,21) e o desfecho composto hierárquico (P interação = 0,66) consistentemente em ambos os sexos. Por outro lado, a semaglutida reduziu mais o peso corporal em mulheres (diferença média em mulheres 9,6% [IC 95%: 10,9% a 8,4%]; homens 7,2% [IC 95%: 8,4% a 6,0%]; P = 0,006).

 

E agora?

Em pacientes com ICFEp relacionada à obesidade, a semaglutida 2,4 mg gerou maior redução do peso corporal em mulheres comparadas aos homens e produziu melhorias semelhantes nos sintomas relacionados à IC, nas limitações físicas e na função do exercício, independentemente do sexo. De forma interessante, análises de subgrupos de outros estudos em ICFEp mostraram diferenças relevantes entre os sexos. Na clássica análise post hoc do estudo TOPCAT (Aldosterone Antagonist Therapy for Adults With Heart Failure and Preserved Systolic Function), sugeriu-se que a terapia com espironolactona reduziu a mortalidade por todas as causas em mulheres com ICFEp, mas não em homens.

Consistente com estudos anteriores sobre ICFEp, o estudo demonstrou que mulheres com ICFEp relacionada à obesidade apresentam sintomas mais graves relacionados à IC em comparação com os homens. Estudos anteriores demonstraram que mulheres com ICFEp relacionada à obesidade apresentam níveis significativamente mais elevados de adiposidade visceral, o que pode impactar desproporcionalmente a hemodinâmica do exercício e exacerbar os sintomas de IC em comparação com os homens. Acredita-se que a adiposidade visceral atue como um reservatório para a síntese e liberação de diversas adipocitocinas e neuro-hormônios, promovendo inflamação local e sistêmica, retenção de sódio e expansão do volume plasmático. Como limitação, o presente estudo ( bem como os que o originaram) não avaliaram composição corporal.

Por fim, nesse contexto vale reforçar ainda outras condições que extrapolam genética/epigenética e diferenças hormonais entre os sexos, como as questões de morbidade psicossocial e acesso aos serviços de saúde. Os estudos que avaliam as diferenças de cuidados em saúde em ambos os sexos são a base para reforçarmos a abordagem detalhada nos cuidados com a saúde cardiovascular da mulher, uma vez que, apesar dos desafios diagnósticos, a resposta terapêutica é tão robusta quanto a dos homens.

Referência

  1. Verma, S, Butler, J, Borlaug, B. et al. Efficacy of Semaglutide by Sex in Obesity-Related Heart Failure With Preserved Ejection Fraction: STEP-HFpEF Trials. JACC. 2024, 84 (9) 773–785.

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia