Empagliflozina em pacientes com infarto agudo do miocárdio - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira nov 19, 2024

Empagliflozina em pacientes com infarto agudo do miocárdio

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 8 de abril de 2024

4 min de leitura

O quê?  

O estudo EMPACT MI (Study to Evaluate the Effect of Empagliflozin on Hospitalization for Heart Failure and Mortality in Patients with Acute Myocardial Infarction) foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, avaliando a eficácia e segurança da empagliflozina em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM).  

 

Por quê?  

Os inibidores de SGLT-2 (sodium-glicose contransporter 2) são medicamentos com eficácia comprovada na redução de morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca prévia independente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e da presença ou não de diabetes.  

Medicamentos inicialmente testados na insuficiência cardíaca crônica se mostraram também eficazes na insuficiência cardíaca pós-IAM, como os inibidores da ECA (IECA), bloqueadores do receptor de angiotensina 2 (BRA), betabloqueadores e antagonistas de mineralocorticóide. Por conta disso, o estudo EMPACT MI procurou testar o uso de empagliflozina, um inibidor de SGLT-2 já aprovado para uso na insuficiência cardíaca com FEVE reduzida ou preservada, em pacientes com IAM e alto risco de insuficiência cardíaca.  

 

Como?  

O estudo incluiu pacientes apresentando IAM e FEVE < 45 % e/ou sinais de insuficiência cardíaca, além de pelo menos um fator de risco adicional (como idade > 65 anos, FEVE < 35%, disfunção renal, diabetes e infarto prévio). Os pacientes deveriam ser incluídos dentro de 14 dias após o evento-índice. Pacientes com diagnóstico prévio de insuficiência cardíaca antes do evento-índice foram excluídos. Os pacientes elegíveis foram randomizados para empagliflozina 10 mg uma vez ao dia versus placebo.  

O desfecho primário do estudo foi o composto de morte ou primeira hospitalização por insuficiência cardíaca. O desfecho secundário principal foi o composto de morte ou total de hospitalizações por insuficiência cardíaca.  

E aí?   

O estudo incluiu 6522 pacientes, com idade média de 63,6 anos; 75% eram do sexo masculino, 83,5% de raça branca e cerca de 75% apresentavam IAM com supra como evento-índice. Cerca de 80% apresentavam FEVE abaixo de 45% e cerca de 90% foram tratados com alguma revascularização (cirúrgica ou percutânea) para o evento-índice.  

Após um seguimento mediano de 18 meses, o desfecho primário ocorreu em 8,2% dos pacientes em uso de empagliflozina versus 9,1% no grupo placebo (hazard ratio [HR} 0,90; intervalo de confiança [IC] 95% 0,76-1,06; P = 0,21). O desfecho secundário principal de morte ou total de hospitalizações por insuficiência cardíaca ocorreu em 7,1% versus 8,3%, respectivamente (razão de risco [RR] 0,87; IC 95% 0,68-1,10). A mortalidade nos grupos empagliflozina e placebo foi de 5,2% e 5,5%, respectivamente (HR 0,96; IC 95% 0,78-1,19). A ocorrência de primeiro evento de hospitalização por insuficiência cardíaca foi observada em 3,6% dos pacientes no grupo empagliflozina versus 4,7% no grupo placebo (HR 0,77; IC 95% 0,60-0,98).  

Os resultados do desfecho primário foram consistentes independente da presença de diabetes, da FEVE, sexo, idade e do fenótipo (com ou sem supra de ST). Não houve aumento de eventos adversos sérios com a empagliflozina. Dois casos de cetoacidose foram reportados no grupo empagliflozina versus um no grupo placebo (os 3 casos ocorreram em pacientes diabéticos).  

E agora?  

Embora os inibidores de SGLT-2 tenham sido um marco na cardiologia, em virtude de seus efeitos benéficos na proteção cardiorrenal do diabetes assim como no tratamento da insuficiência cardíaca e insuficiência renal crônica, algumas lacunas faltavam para serem esclarecidas. No estudo EMPACT-MI, assim como no estudo DAPA-AMI, o inibidor de SGLT2 não resultou em redução do composto de morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca. No estudo EMPACT-MI, no entanto, a empagliflozina se associou a menor ocorrência de hospitalização por insuficiência cardíaca. Entretanto, algumas diferenças devem ser observadas em ambos os estudos.  

O estudo DAPA-AMI excluiu pacientes com diagnóstico prévio de diabetes. Além disso, foi um estudo mais pragmático, ou seja, incluiu um espectro maior de pacientes não diabéticos com IAM, muitos dos quais com baixo risco de eventos. O DAPA AMI incluiu somente pacientes na Suécia e Reino Unido, enquanto o EMPACT incluiu em diversas regiões do mundo. Tudo isso se traduziu em menor taxa de eventos na população do DAPA-AMI versus a do EMPACT-MI. Por estas razões, não é possível se determinar qual das duas moléculas seria mais eficaz no IAM com base nestes dois estudos.  

O estudo EMPACT-MI mostra, por outro lado, como tem sido difícil encontrar novas terapias capazes de reduzir a mortalidade no IAM. Tudo leva a crer que a reperfusão imediata, associada a bloqueio neuro-hormonal precoce (leia-se: betabloqueadores, IECA/BRA e antagonista de aldosterona), antiagregação plaquetária e tratamento dos fatores de risco (sobretudo redução do colesterol LDL) são os fatores mais importantes no tratamento do IAM.  

Em resumo, nos pacientes com IAM e sinais de insuficiência cardíaca e/ou FEVE reduzida no evento-índice, o uso rotineiro de empagliflozina não resultou em redução de mortalidade, embora tenha se associado a menor ocorrência de hospitalização por insuficiência cardíaca. Pacientes com diabetes, doença renal crônica e insuficiência cardíaca prévia continuam com indicação de inibidor de SGLT2 independente de terem tido um IAM ou não. Pacientes com IAM que persistem com disfunção ventricular ou sintomas de insuficiência cardíaca a despeito de bloqueio neuro-hormonal e reperfusão precoce podem ser considerados também para o uso de inibidores de SGLT-2.  

 

Nota: O estudo EMPACT-MI teve a participação do Dr. Renato Lopes, fundador do  BCRI (Brazilian Clinical Reseach Institute), na sua liderança acadêmica. Este fato é um motivo de grande orgulho para a Pesquisa Clínica brasileira! 

Referência

  1. Butler J, Jones WS, Udell JA, et al. Empagliflozin after acute myocardial infarction. N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa2314051. 

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP