O quê?
O estudo Finerenone in Heart Failure with Mildly Reduced or Preserved Ejection Fraction foi estudo randomizado, duplo cego, multicentrico internacional com objetivo de determinar a eficácia e segurança do antagonista mineralocorticóide não esteroidal – finerenona – em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) preservada ou levemente reduzida.
Por quê?
Atualmente, as opções para o tratamento de pacientes com IC com fração de ejeção intermediária (ICFEi) ou preservada (ICFEp) são limitadas aos inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2). Isso ocorreu especialmente após os resultados dos estudos EMPEROR-PRESERVED Empagliflozin in Heart Failure with a Preserved Ejection Fraction) e DELIVER (Dapagliflozin in Heart Failure with Mildly Reduced or Preserved Ejection Fraction) que reduziram o desfecho cardiovascular composto comparado com placebo, porém com eficácia clínica impulsionada em grande parte por uma redução nos eventos de agravamento de IC. A finerenona, um antagonista do receptor mineralocorticoide (ARM) não esteroidal se mostrou benéfica na redução de desfechos cardiovasculares (estudo Fígaro) e renais (estudo Fidelio) em pacientes diabéticos com microalbuminúria. Como o uso de ARM não foi consolidado em estudos prévios na ICFEP ( TOPCAT – Aldosterone Antagonist Therapy for Adults With Heart Failure and Preserved Systolic Function), os autores testaram a eficácia e segurança da finerenona nessa população.
Como?
Foram incluídos pacientes com 40 anos de idade anos ou mais, portadores e insuficiência cardíaca sintomática (CF II a IV pela NYHA) com fração de ejeção ventricular levemente reduzida ou preservada (FEVE≥ 40%) e evidência de doença cardíaca estrutural ( dilatação atrial esquerda ou hipertrofia do VE nos últimos 12 meses); associada a elevação níveis de peptídeos natriuréticos (NT-proBNP ≥300 pg/mL ou BNP ≥100 pg/mL se em ritmo sinusal OU ≥900 pg/mL ou ≥300 pg/mL, respectivamente, se em fibrilação atrial ). Os principais critérios de exclusão foram taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) <25 mL/min/1,73 m2 e potássio sérico >5,0 mmol/L.
Os pacientes foram randomizados de forma 1:1 para receber finerenona em uma dose máxima de 40 mg por dia (20 mg se TFGe <60 mL/min/1,73 m2) ou placebo correspondente. A finerenona foi iniciada com 20 mg por dia (10 mg se a TFGe <60 mL/min/1,73 m2) e titulada após 4 semanas com base nos níveis de potássio e se a TFGe não diminuísse ≥30%.
O desfecho primário de eficácia foi um composto de morte cardiovascular e piora de insuficiência cardíaca ( primeira hospitalização ou sua recorrência por IC ou visita urgente ao pronto socorro por IC descompensada). Desfechos de segurança como alterações no potássio, função renal e pressãr arterial sistólica também foram avaliados, bem como desfechos secundários individuais de morte e IC, além de qualidade de vida.
População: pacientes com IC sintomáticos e FEVE≥40%
Intervenção: finerenona 20 a 40mg/d
Comparador: placebo
Outcome: composto de eventos de piora de insuficiência cardíaca e morte por doenças cardiovasculares
Tempo: 32 meses
E aí?
Foram incluídos 6001 pacientes, com idade média de 72 anos, sendo 46% mulheres e IMC médio de 30 kg/m2. A FEVE média foi de 53%, sendo que 31% dos pacientes estava em CF III-IV e 60% deles tiveram hospitalização anterior ao estudo por insuficiência cardíaca. O potássio sérico basal médio foi de 4,4mmol/L e em torno de 48% dos pacientes tinha TFGe em <60 mL/min/1,73 m2. Quanto à medicação concomitante, em torno de 87% dos pacientes estavam em uso de diuréticos de alça, 70% em uso de IECA ou BRA, 14% em uso de iSGLT2.
Houve redução de 16% no desfecho primário, composto de piora de eventos de IC (hospitalização não planejada por IC ou consulta urgente) e morte cardiovascular (CV), com a finerenona versus placebo (rate ratio [RR ] 0,84, intervalo de confiança [IC] de 95% 0,74-0,95, p = 0,007). Em análise individual, houve redução do agravamento de eventos de IC: 842 vs. 1.024 eventos (RR 0,82, IC 95% 0,71-0,94, p = 0,007), sem diferença em morte cardiovascular: 8,1% vs. 8,7% (taxa de risco [HR] 0,93, IC 95% 0,78-1,11), com a finerenona versus placebo respectivamente.
Quanto aos desfechos secundários, a finerenona foi associada a um benefício moderado em relação ao melhoria no estado de saúde relatado pelo paciente, conforme medido pela pontuação total de sintomas do questionário KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire), mas não no que diz respeito à melhoria do classe funcional da NYHA. Não houve redução dos desfechos renais relacionada ao uso da finerenona versus placebo, sendo diminuição sustentada da TFGe ≥50% ou para <15 mL/min/1,73 m2, nova necessidade de diálise ou transplante renal: 2,5% vs. 1,8% (HR 1,33, IC 95% 0,94-1,89), respectivamente. Quanto aos desfechos de segurança, os aumentos nos níveis de creatinina e potássio foram mais comuns com finerenona do que com placebo, com níveis de potássio superiores a 6,0 mmol/L em 86 pacientes (3,0%) no grupo da finerenona e 41 pacientes (1,4%). Não houve aumento de mortes relacionadas a hipercalemia e a taxa de descontinuação de medicamentos foi igual nos dois grupos.
E agora?
Em pacientes com ICFEp ou FEVE levemente reduzida (FE ≥40%), a finerenona reduziu o desfecho cardiovascular composto em comparação com o placebo; a eficácia clínica foi impulsionada em grande parte por uma redução nos primeiros eventos de agravamento de IC ou no agravamento recorrente. O benefício da finerenona foi semelhante em análises de subgrupos pré-especificados, independentemente do uso de iSGLT2 ou da faixa de FEVE acima de 40%.
Alguns pontos merecem atenção – o uso concomitante de iSGLT2 foi baixo (14%), o que traz questionamentos quanto à sua consistência caso esse número fosse maior. No entanto, vale ressaltar que a indicação formal do seu uso na ICFEp pela diretriz norte americana (classe 2a) ocorreu em 2022 e o estudo FINEARTS-HF incluiu e acompanhou pacientes de setembro de 2020 a junho 2024.
Essa transição no tratamento geralmente é acompanhada de limitações de acesso ( inclusive quanto ao custo, como é o caso do Brasil) e até mesmo de educação médica, o que torna o estudo válido e equivalente à prática de mundo real
Não está claro se a eficácia da finerenona se estende aos antagonistas mineralocorticóides esteroidais, como a espironolactona, que não reduziu os eventos de IC no TOPCAT ( publicado há 10 anos e conduzido pelo National Heart, Lung, and Blood Institute), mas pode ter sido afetada pela variabilidade regional na implementação do protocolo do estudo, com benefícios nas Américas sugeridos nas clássicas análises pos-hoc do estudo (recomendação Classe IIb nas diretrizes de HF da ACC/AHA de 2022 para IC com FE preservada).
De maneira interessante, está sendo desenvolvido o programa MOONRAKER, o qual foi concebido para abordar vários objetivos principais, estendendo os resultados do FINEARTS-HF a outros cenários, por meio de três estudos: o estudo de Fase III REDEFINE-HF (NCT06008197) fornecerá dados para o início da finerenona versus placebo em pacientes com ICFEi ou ICFEp que estão hospitalizados ou que receberam alta recentemente após um episódio de IC descompensada. O estudo CONFIRMATION-HF (NCT06024746) de Fase III ajudará a determinar se o início precoce e simultâneo da terapia combinada com finerenona e um inibidor de SGLT2 proporciona benefício clínico superior em comparação com o padrão local de tratamento em pacientes hospitalizados devido a IC independente da ejeção ventricular esquerda fração (FEVE). O estudo FINALITY-HF (NCT06033950) de Fase III explorará a finerenona versus placebo em pacientes com ICFEr que são intolerantes ou não elegíveis para ARMs esteroidais, como espironolactona ou eplerenona.
Finalmente, embora o FIDELIO-DKD tenha demonstrado redução da progressão da doença renal crônica diabética com a finerenona, a taxa de eventos renais compostos foi muito menor e, portanto, talvez menos modificável no presente estudo, o que chamou a atenção. Concomitante à apresentação do congresso, foi apresentado a análise FINE-HEART: (Finerenone in Heart Failure and Chronic Kidney Disease with Type 2 Diabetes: the FINE-HEART Pooled Analysis of Cardiovascular, Kidney, and Mortality Outcomes), uma análise pré-especificada e agrupada dos os pacientes incluídos nos estudos FINEARTS-HF, FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD, resultando na análise de 18991 pacientes. Os autores avaliaram de forma integrada o impacto da finerenona em pacientes com insuficiência cardíaca e/ou doença renal crônica com diabetes tipo 2 quanto à mortalidade e os efeitos cardiovasculares e renais deste tratamento. Durante o acompanhamento médio de 2,9 anos, o desfecho primário de morte cardiovascular ocorreu em 421 (4,4%) designados para receber finerenona e 471 (5,0%) designados para placebo (HR 0,89; IC 95% 0,78-1,01; P = 0,076). Morte por qualquer causa ocorreu em 1.042 (11,0%) participantes no braço da finerenona e 1.136 (12,0%) no braço do placebo (HR 0,91; IC 95% 0,84-0,99; P = 0,027). A finerenona reduziu ainda mais o risco de hospitalização por IC (HR 0,83; IC 95% 0,75-0,92; P < 0,001) e o desfecho renal composto (HR 0,80; IC 95% 0,72-0,90; P < 0,001).
Portanto, frente às consistentes evidências atuais, espera-se a incorporação da indicação do uso da finerenona em pacientes com ICFEp e ICFEi, em especial aqueles que apresentam doença renal crônica e diabetes melitus tipo 2, com importantes desfechos clínicos. Seguiremos aguardando por análises futuras em relação ao uso de eplerenona e espironolactona, especialmente em estudos de prática de mundo real ( Real World Evidence), bem como em relação ao uso concomitante dos iSGLT2.