O quê?
Uma meta-análise de dados individuais de 9 ensaios clínicos randomizados avaliou a associação entre hipotensão ortostática e risco de eventos cardiovasculares (CV) e mortalidade, bem como a interação entre os efeitos de estratégias anti-hipertensivas (maior versus menor alvo de pressão arterial [PA]) e a presença de hipotensão ortostática.
Por quê?
A hipotensão ortostática está presente em cerca de 10% dos indivíduos hipertensos, sobretudo naqueles com idade avançada, diabetes e múltiplas co-morbidades. Quando sintomática, a hipotensão ortostática pode ser um desafio ao tratamento da hipertensão, uma vez que os pacientes tendem a tolerar menos os tratamentos intensivos, a despeito de seu benefício CV comprovado. Além disso, a presença de hipotensão ortostática pode causar relutância aos médicos ao buscar intensificar o tratamento dos pacientes com hipertensão e alto risco CV.
Como?
O estudo consistiu em um uma revisão sistemática e meta-análise de dados individuais de 9 ensaios clínicos randomizados comparando estratégias de tratamento (isto é, metas mais intensivas versus menos intensivas de PA) ou medicamento anti-hipertensivo versus placebo. As metas intensivas versus padrão variavam entre os estudos (podendo ser PA sistólica < 120 mmHg versus < 140 mmHg, ou mesmo < 180 x 105 mmHg). Os estudos avaliados tinham de apresentar pelo menos 500 participantes e ter coletado o dado de PA medida em posição sentada e em pé. Hipotensão ortostática foi definida como a queda de 20 mmHg ou mais na PA sistólica, ou 10 mmHg ou mais na PA diastólica entre ambas as medidas.
O desfecho primário do estudo foi a ocorrência de morte ou eventos CV (cuja definição variava entre os estudos), sendo a mortalidade por todas as causas o desfecho secundário). Os pacientes com hipotensão ortostática no estado basal foram comparados com os pacientes sem hipotensão ortostática, com ajustes feitos por meio de métodos de regressão multivariada de Cox. A seguir, a interação entre a presença de hipotensão ortostática e o efeito do tratamento randomizado também foi testada em modelos semelhantes.
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes hipertensos com hipotensão ortostática |
Intervention: | Tratamento intensivo da PA |
Control: | Tratamento padrão |
Outcome | Morte ou eventos CV maiores |
Time | 5 anos (em média) |
E aí?
Ao todo, a meta-análise abrangeu 9 ensaios randomizados com um total de 29.235 participantes, dos quais 2592 (8,9%) apresentavam hipotensão ortostática. Os pacientes com hipotensão ortostática apresentavam com mais frequência história de diabetes (20,8% versus 16,1%) do que os pacientes sem hipotensão ortostática, embora a idade média fosse semelhante entre os grupos (69 anos) bem como a prevalência de mulheres (cerca de 50%).
A presença de hipotensão ortostática se associou de maneira independente com a maior ocorrência de morte ou eventos CV maiores (hazard ratio [HR] 1,14; intervalo de confiança [IC] 95% 1,04-1,26) e com maior mortalidade (HR 1,24; IC 95% 1,09-1,41). O tratamento mais intensivo da PA reduziu ocorrência de morte ou eventos CV maiores tanto em pacientes com hipotensão ortostática (HR 0,83; IC 95% 0,70-1,00) como em pacientes sem hipotensão ortostática (HR 0,81; IC 95% 0,76-0,86; P para interação = 0,68). Os efeitos do tratamento intensivo sobre mortalidade também não foram modificados pela presença ou não de hipotensão ortostática (P para interação = 0,49). Os achados foram semelhantes levando-se em conta a presença ou não de hipotensão na posição de pé (isto é, PAS < 110 mmHg ou PAD < 60 mmHg), e levando-se em conta definições alternativas de hipotensão ortostática.
E agora?
A hipertensão é um dos fatores de risco modificáveis mais comuns para doenças CV, e seu tratamento deve ser guiado por metas exigentes, sobretudo em pacientes de maior risco, como os indivíduos com história de diabetes, doença renal crônica ou doença CV prévia. Cada vez mais, estudos randomizados apontam que as metas de PA sistólica tendem a ser mais intensivas (em torno de 120-130 mmHg, com estudos mais recentes inclusive sugerindo benefício com PAS < 120 mmHg, como o estudo SPRINT). Dessa forma, a despeito do potencial deletério da hipotensão ortostática, a meta intensiva deve ser buscada, desde que o paciente tolere o tratamento.
Os resultados da presente meta-análise são bastante intrigantes. Embora tenha sido observada uma associação entre a presença de hipotensão ortostática e maior risco de eventos CV e morte (o que pode ser explicado por efeitos deletérios da queda ortostática da PA ou simplesmente pela presença de fatores confundidores não mensurados, dado que estes pacientes costumam apresentar um perfil de gravidade maior), os efeitos do tratamento intensivo da PA não foram modificados pela presença de hipotensão ortostática. Ou seja, as metas mais exigentes de PA resultam em benefício CV independente de o paciente ter ou não hipotensão ortostática. O estudo não deixa claro o que ocorreria em pacientes com hipotensão ortostática sintomática, nem como a presença de hipotensão ortostática ao longo do tempo (incluindo como uma variável tempo-dependente nos modelos, por exemplo) poderia ou não modificar os efeitos do tratamento intensivo. Além disso, a inclusão de estudos com definições bastante heterogêneas de eventos CV (com alguns estudos incluindo, por exemplo, qualquer caso de disfunção ventricular ou doença coronária entre os desfechos compostos, enquanto outros incluíam somente morte CV, infarto, AVC e hospitalização por insuficiência cardíaca) torna a interpretação dos resultados desafiador, embora os números tenham sido consistentes no desfecho de mortalidade por qualquer causa.
Conclusão: em pacientes com HAS e alto risco CV, a presença de hipotensão ortostática isoladamente não deve modificar a decisão de se instituir uma meta mais intensiva de PA. A proteção CV conferida pelo tratamento intensivo da PA provavelmente compensa qualquer relutância em termos de consequências da hipotensão ortostática assintomática, enquanto os casos sintomáticos ou mal tolerados devem ser abordados de maneira individualizada.