O quê?
O estudo PARTNER 3 (Placement of Aortic Transcatheter Valves-3) foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto com adjudicação cega de desfechos. O estudo comparou o implante transcateter de valva aórtica (TAVI – transcatheter aortic valve implantation) versus troca valvar cirúrgica em pacientes com estenose aórtica (EA) e baixo risco cirúrgico.
Por quê?
A TAVI tem ganhado cada vez mais espaço como tratamento de escolha na EA grave nos pacientes considerados não candidatos à cirurgia convencional, assim como nos pacientes de risco cirúrgico alto e intermediário. Pacientes de baixo risco cirúrgico também pareceram apresentar resultados favoráveis da TAVI no seguimento de até 2 anos. O presente artigo avaliou os resultados de 5 anos dos pacientes originalmente incluídos no PARTNER-3.
Como?
No estudo PARTNER-3, pacientes com EA com indicação de intervenção, possibilidade de acesso transfemoral e baixo risco cirúrgico (avaliado pelo escore STS – Society of Thoracic Surgery – sendo baixo risco uma mortalidade estimada em 30 dias < 4 %) foram randomizados para TAVI versus troca valvar aórtica cirúrgica com prótese biológica. A TAVI foi feita com a SAPIEN-3, uma prótese expansível por balão.
O desfecho primário do estudo foi o composto de morte, AVC ou necessidade de re-hospitalização por conta do procedimento, insuficiência cardíaca, falha de prótese. Os desfechos secundários foram os componentes individuais do desfecho primário, além de ocorrência de fibrilação atrial (FA), trombose de prótese, necessidade de reintervenção valvar e qualidade de vida avaliada por meio do KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionaire). Os pacientes também foram submetidos a medidas seriadas de ecocardiograma a fim de avaliar o gradiente transprótese, área valvar e presença de leak perivalvar. Os desfechos foram avaliados de maneira cega por um comitê de eventos clínicos, enquanto as imagens de ecocardiograma foram avaliadas de maneira cega por um laboratório central.
Estrutura PICOT | |
Population: | Estenose aórtica e baixo risco cirúrgico |
Intervention: | TAVI |
Control: | Troca valvar cirúrgica |
Outcome | Morte, AVC ou re-hospitalização |
Time | 5 anos |
E aí?
Foram randomizados inicialmente 1000 pacientes, sendo 503 no grupo TAVI e 497 no grupo cirurgia. Ao todo, 7 pacientes no grupo TAVI e 43 no grupo cirurgia não receberam a intervenção do estudo. No grupo TAVI, 18 pacientes se retiraram do estudo (7 deles antes de 1 ano de seguimento), enquanto no grupo cirurgia um total de 77 pacientes se retiraram (sendo 46 antes de 1 ano). A idade média dos pacientes era de 73 anos, 69,3% eram do sexo masculino e o escore STS médio era de 1,9%.
Ao final de 5 anos, a incidência cumulativa estimada do desfecho primário foi de 22,8% no grupo TAVI versus 27,2% no grupo cirurgia (hazard ratio [HR] 0,79; intervalo de confiança [IC] 95% 0,61-1,02; P = 0,07). A mortalidade em 5 anos foi de 10,0% versus 8,2% nos grupos TAVI e cirurgia, respectivamente (HR 1,23; IC 95% 0,79-1,90). Os dois grupos apresentaram taxas similares de AVC em 5 anos (5,8% versus 6,4%, respectivamente; HR 0,51-1,48). A TAVI se associou a uma menor ocorrência de FA em relação à cirurgia (13,7% versus 42,4%; HR 0,25; IC 95% 0,19-0,34), assim como a uma menor ocorrência de sangramento grave (10,2% versus 14,8%; HR 0,65; IC 95% 0,45-0,95). Um total de 12 casos de trombose de prótese ocorreram no grupo TAVI versus um caso no grupo cirurgia.
Os dois grupos apresentaram gradiente transprótese (12,8 versus 11,7 mmHg) e área valvar (1,9 versus 1,8 cm2) similares ao final de 5 anos, além de escores semelhantes de qualidade de vida. Embora tenham ocorrido mais casos de regurgitação perivalvar no grupo TAVI (20,8% versus 3,2%), a incidência de falha de prótese foi semelhante nos dois grupos (3,3% versus 3,8%).
E agora?
Em pacientes de alto ou proibitivo risco cirúrgico para troca valvar convencional, a TAVI surgiu como opção de tratamento para a EA grave. Com o aprimoramento dos dispositivos e acúmulo de mais evidências, existe um debate sobre a expansão da indicação de TAVI para grupos de menor risco, os quais também seriam candidatos à cirurgia. Nesta discussão, a durabilidade da prótese é um fator muito importante a ser considerado, uma vez que, muitas vezes, os pacientes de baixo risco tendem a apresentar maior longevidade e a necessidade de reintervenção passa a ser um fator decisivo na escolha do procedimento.
Os resultados de 5 anos do estudo PARTNER-3 sugerem que a taxa de eventos cardiovasculares foi semelhante nos dois grupos, embora um aumento de mortalidade clinicamente expressivo com a TAVI não possa ser excluído (basta observarmos os IC 95% deste desfecho secundário). Aparentemente, a ocorrência de disfunção de prótese e necessidade de reintervenção foram também similares, assim como o foram os dados de gradiente transvalvar e qualidade de vida. A maior ocorrência de leak perivalvar no grupo TAVI a princípio não levou a qualquer repercussão clínica.
Embora o estudo PARTNER-3 tenha sido um estudo bem desenhado, com avaliação cega de desfechos, a ocorrência expressiva de maior número de pacientes se retirando do estudo no grupo cirurgia é uma limitação metodológica. A exclusão pós randomização destes pacientes pode introduzir viés na análise. Além disso, os autores não consideraram a análise por intenção de tratar, em que todos os pacientes randomizados, independente de terem recebido ou não a intervenção, são incluídos. O aumento numérico (embora não estatisticamente significativo) de mortalidade no grupo TAVI requer um escrutínio mais detalhado no seguimento de mais longo prazo, como 10 anos.
Em resumo, em pacientes de baixo risco cirúrgico, levando-se em conta os resultados a médio prazo (isto é, 5 anos), a TAVI com a valva SAPIENS-3 foi semelhante à troca valvar cirúrgica. A durabilidade da TAVI além deste período comparada à cirurgia convencional é uma pergunta que ainda resta para ser respondida por futuros estudos.