Implante transcateter de Prótese Valvar Aórtica SAPIEN-3 em pacientes de baixo risco cirúrgico: seguimento de 5 anos do estudo PARTNER-3 - MDHealth - Educação Médica Independente
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Implante transcateter de Prótese Valvar Aórtica SAPIEN-3 em pacientes de baixo risco cirúrgico: seguimento de 5 anos do estudo PARTNER-3

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 6 de novembro de 2023

5 min de leitura

Especial TCT 2023!

 

O quê?

O estudo Transcatheter Aortic-Valve Replacement in Low-Risk Patients at Five Years, do grupo PARTNER-3, foi um ensaio clínico randomizado, aberto, paralelo, multicêntrico em pacientes com estenose aórtica grave e sintomática e com baixo risco cirúrgico. O protocolo tinha como objetivo inicial comparar a cirurgia de troca valvar aórtica convencional versus implante transcateter de Prótese Valvar Aórtica do tipo SAPIEN-3 (Edwards Lifescience) e, na presente publicação, foram apresentados os resultados do seguimento de 5 anos desses pacientes.

 

Por quê?

Nos últimos anos, o implante de prótese valvar aórtica transcateter (TAVI) tem se mostrado como uma alternativa segura e eficaz ao tratamento cirúrgico convencional, não só em pacientes inoperáveis ou de alto risco, mas também para aqueles de risco moderado e até baixo. Porém, a durabilidade da TAVI e alguns eventos adversos, como a maior necessidade de implante de marcapasso definitivo e o risco de acidente vascular cerebral, merecem atenção. É importante ressaltar que, em pacientes jovens e de baixo risco cirúrgico, os benefícios e segurança da cirurgia tradicional são extremamente robustos. Portanto, antes de formalmente expandir-se a indicação do uso da TAVI nessa população, é necessário garantir que a eficácia e segurança demonstradas nos estudos de 1 ano sejam também consistentes a longo prazo.

 

Como?

Ao todo, 1000 pacientes foram randomizados no estudo PARTNER-3 e tiveram seus dados avaliados inicialmente no seguimento de 1 ano e, no presente estudo, em 5 anos. O primeiro desfecho composto primário avaliou morte, acidente vascular cerebral (AVC), ou re-hospitalização relacionado à valva, ao procedimento ou insuficiência cardíaca. O segundo desfecho primário foi um composto hierárquico que incluiu morte, AVC incapacitante, AVC não incapacitante e o número de dias de

reinternação, por meio do método Win Ratio. Os resultados clínicos, ecocardiográficos e do estado de saúde foram avaliados ao longo de 5 anos.

Estrutura PICOT

Population: Estenose aórtica grave com baixo risco cirúrgico

Intervention: TAVI

Control: cirurgia convencional

Outcome: morte, acidente vascular cerebral (AVC), ou re-hospitalização

Time: 5 anos

 

E aí?

Na análise de 5 anos, 94,6% (496 pacientes) do braço TAVI e 88,3% (451 pacientes) do braço cirúrgico completaram o estudo. A idade média dos participantes foi de 73 anos e a maioria era do sexo masculino. O desfecho primário composto ocorreu em 111 dos 496 pacientes no grupo TAVI e em 117 dos 454 pacientes no grupo cirúrgico (estimativas de Kaplan-Meier em 5 anos, 22,8% versus 27,2%, respectivamente; intervalo de confiança [IC] de 95% da diferença, −9,9 a 1,3; P = 0,07). A Win Ratio para o segundo desfecho primário foi de 1,17 (IC 95%, 0,90 a 1,51; P = 0,25). Portanto, não houve diferença entre os dois grupos para os dois desfechos primários pré-especificados em 5 anos de seguimento. As estimativas de Kaplan-Meier para os componentes do primeiro desfecho primário foram as seguintes: óbito por todas as causas, 10,0% no grupo TAVI e 8,2% no grupo cirurgia; Odds Ratio [OR] 1,24; IC 95% 0,79-1,97; P=0,35) acidente vascular cerebral, 5,8% e 6,4%, respectivamente (HR 0,87; IC95% 0,51-1,48; P=0,6) e reinternação, 13,7% e 17,4% (HR 0,75; IC 95% 0,54-1.05).

Quanto aos desfechos secundários, foi observado um aumento de fibrilação atrial (13,7% com TAVI vs. 42,4% com cirurgia convencional, P < 0,05); e sangramento grave (10,2% vs. 14,8%, P< 0,05) no grupo cirúrgico. A trombose valvar, por sua vez, foi maior no grupo da TAVI (2,5% vs. 0,2%, P < 0,05), assim como a regurgitação paravalvar leve (20.8% vs. 3.2%, P < 0.05). Não houve diferença entre os grupos quanto à função valvar ( gradiente médio) ou à falha da bioprótese.

 

E agora?

Apesar de bem estabelecidos para pacientes portadores de doença valvar aórtica grave e alto risco cirúrgico, o uso da TAVI em pacientes de baixo risco ainda é

muito discutido, já que o benefício a longo prazo da cirurgia convencional nessa população é bastante consolidado.

Porém, considerando a comodidade, o tempo de internação e a escolha do paciente, essa questão merece ser esclarecida. Nesse sentido, os dados apresentados no TCT, tanto de equivalência com a prótese SAPIEN-3 da Edwards quanto até de superioridade com a CoreValve Evolut R PRO ( estudo EVOLUT Low-Risk), são tranquilizadores.

A deterioração estrutural da válvula foi muito baixa e equivalente em ambos os grupos, o que hoje ainda é alvo de grande discussão especialmente com as fontes pagadoras dos procedimentos. Além disso, na atualidade, ambos os procedimentos têm se mostrado muito seguros: a mortalidade cardiovascular e os acidentes vasculares cerebrais, por exemplo, ocorreram a uma taxa de 1% ao ano com ambas as terapias.

Quanto às diferenças apresentadas entre as duas próteses apresentadas no TCT, alguns pontos devem ser discutidos. Primeiramente, a tecnologia empregada ( auto-expansível ou por balão) pode impactar de forma diferente não somente nos desfechos primários, mas nas complicações como necessidade de marcapasso definitivo e trombose da prótese. Outro ponto que merece atenção é o método estatístico Win Ratio, utilizado no segundo desfecho primário do estudo PARTNER-3, com o objetivo de corrigir a distorção dos desfechos combinados que apresentavam componentes com importância clínica diferentes (como mortalidade e número de dias de reinternação). Este método tem sido cada vez mais utilizado a fim de atribuir maior peso a desfechos mais relevantes (exemplo: mortalidade) do que os mais “suaves” (exemplo: dosagem de biomarcadores, necessidade de re-intervenção, etc).

Ainda que os resultados de 5 anos sejam animadores para a TAVI, o acompanhamento de mais longo prazo é fundamental porque se sabe que algumas biopróteses cirúrgicas apresentam deterioração entre 5 e 10 anos, e não se sabe como as TAVI irão funcionar durante esse período, nessa população de menor risco. A trombose de prótese e as questões hemodinâmicas a médio e longo prazo ainda estão sendo conhecidas, inclusive no grupo de alto risco. A curva de mortalidade por todas as causas com a perda do benefício de 1 ano relacionado à TAVI também é um ponto de atenção (mortes por COVID-19, câncer e sepse estão entre elas e podem ser apenas ao acaso).

Portanto, à luz de toda discussão acima e das evidências atuais, a decisão deve ser individualizada e compartilhada com o paciente, sempre pesando potenciais riscos e dúvidas quanto à manutenção dos benefícios inicias do uso da TAVI a longo prazo.

Referência

  1. Mack MJ, Leon MB, Thourani VH, Pibarot P, Hahn RT, Genereux P, Kodali SK, Kapadia SR, Cohen DJ, Pocock SJ, Lu M, White R, Szerlip M, Ternacle J, Malaisrie SC, Herrmann HC, Szeto WY, Russo MJ, Babaliaros V, Smith CR, Blanke P, Webb JG, Makkar R; PARTNER 3 Investigators. Transcatheter Aortic-Valve Replacement in Low-Risk Patients at Five Years. N Engl J Med. 2023 Oct 24. doi: 10.1056/NEJMoa2307447. Epub ahead of print.  

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia