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quarta-feira dez 18, 2024

Implante transcateter de valva aórtica guiado por Ressonância Magnética cardíaca versus guiado por Tomografia Computadorizada

Escrito por: Samuel Moscavitch em 9 de novembro de 2023

5 min de leitura

O quê? 

O TAVI-RMC (Imagem de ressonância magnética cardíaca versus tomografia computadorizada para guiar a substituição transcateter da válvula aórtica) foi um estudo de não-inferioridade iniciado pelo investigador, prospectivo, randomizado, aberto e realizado em dois centros cardíacos austríacos. O estudo foi desenhado para avaliar a não-inferioridade da ressonância magnética cardíaca (RMC) em comparação com a tomografia computadorizada (TC), para orientar procedimentos de TAVI (Transcatheter aortic valve implantation).  

 

Por quê? 

A TC com contraste é a modalidade de imagem padrão-ouro para guiar TAVI.  Contudo, a necessidade de contraste iodado e a exposição à radiação representam limitações importantes da TC, especialmente entre aqueles com função renal comprometida. Boa parte dos candidatos a TAVI apresenta doença renal crônica e o uso de contraste pode ser um fator complicador. Além disso, como o risco de nefropatia está associado a um pior desfecho e aumenta com quantidade de contraste administrado, novas estratégias para reduzir o volume de contraste a ser utilizado são essenciais no planejamento do TAVI. 

A RMC é uma opção promissora, mas faltam dados que assegurem a eficácia do TAVI guiado por RMC versus guiado por TC. A RMC tem sido sugerida como uma modalidade de imagem alternativa à TC para o planejamento do TAVI sem a necessidade de contraste iodado e exposição à radiação.  

O estudo randomizado TAVI-RMC foi desenvolvido para avaliar a hipótese de que uma abordagem de TAVI guiado por RMC seria não-inferior a uma abordagem guiada por TC no sucesso do procedimento e eficácia clínica. 

 

Como? 

Potenciais candidatos ao TAVI que atendessem aos critérios de elegibilidade e consentissem em participar foram aleatoriamente alocados de forma 1:1 para serem submetidos a um protocolo TAVI-RMC predefinido ou a um protocolo padrão TAVI-TC com contraste para avaliar as características anatômicas do anel aórtico e a rota de acesso. Foram incluídos pacientes com estenose aórtica sintomática grave, e excluídos aqueles com contraindicação para RNM cardíaca, TC ou TAVI, expectativa de vida <1 ano ou doença renal crônico estágio 4 ou 5), e randomizados para TAVI guiado por RNM cardíaca ou TC.  

O desfecho primário foi definido de acordo com os critérios do VARC-2 (Valve Academic Research Consortium) para sucesso de implantação na alta hospitalar, incluindo ausência de mortalidade durante procedimento, posicionamento correto de uma única válvula protética e função/performance adequada da válvula protética (gradiente médio <20 mmHg e regurgitação valvar leve ou ausente). A não-inferioridade foi avaliada usando uma abordagem híbrida de coorte por intenção de tratar modificada e coorte por protocolo, considerando uma diferença de risco absoluto com margem de 9%. 

E aí? 

Entre 11 de setembro de 2017 e 16 de dezembro de 2022, 380 candidatos a TAVI foram randomizados para planejamento de TAVI guiado por RMC (191 pacientes) ou guiado por TC (189 pacientes). A idade média em ambas as populações era de 82 danos e 50% dos participantes eram mulheres. Da população estudada, 138 pacientes (72,3%) no grupo guiado por RMC e 129 pacientes (68,3%) no grupo guiado por TC foram submetidos a TAVI (coorte de intenção de tratar modificada). Destes 267, 19 pacientes apresentaram desvios de protocolo, resultando em uma coorte por protocolo de 248 pacientes (121 guiados por RMC, 127 guiados por TC). Na coorte de intenção de tratar modificada, o sucesso da implantação foi alcançado em 129 pacientes (93,5%) no grupo RMC e em 117 pacientes (90,7%) no grupo CT (diferença entre grupos, 2,8% [IC 90%, −2,7% a 8,2%]; P<0,01 para não-inferioridade). Na coorte por protocolo (n=248), a diferença entre os grupos foi de 2,0% (IC 90%, -3,8% a 7,8%; P<0,01 para não-inferioridade). 

 

E agora? 

O estudo TAVI-RMC aborda a importante preocupação clínica de exigir meio de contraste iodado para TC pré-procedimento em uma população vulnerável com alto risco de lesão renal aguda e agravamento da DRC. Na população do TAVI-RMC, mais de 50% da coorte apresentava DRC em estágio ≥2 no início do estudo.  

O grau de calcificação é um importante aspecto a ser considerado, já que o cálcio pode afetar as imagens obtidas tanto por TC quanto por RMC. Enquanto a TC pode superestimar o cálcio em válvulas e artérias altamente calcificadas, a RMC pode subestimar a calcificação. 

O presente estudo tem diversas limitações. Primeiro, a margem de não-inferioridade pré-especificada de 9% de diferença de risco absoluto é liberal, tendo como expectativa uma taxa de falha de 8%. Ainda assim, esta margem de não-inferioridade é comparável a outros ensaios contemporâneos com TAVI. Em segundo, o uso do alfa bicaudal de 0,10 (ou seja, IC de 0,90, ou alfa unicaudal de 0,05) em vez do convencional 0,05 para reivindicar significância nominal desvia-se substancialmente do usual. Terceiro, a questão da pesquisa restringiu o estudo a um desenho aberto, embora a apuração e a adjudicação dos resultados tenham sido avaliadas de maneira cegas. Quarto, o ensaio foi realizado em dois grandes centros cardíacos austríacos, o que pode limitar a generalização dos resultados para outros locais e países. Quinto, a maioria dos pacientes incluídos foi tratada com um dispositivo expansível por balão, portanto as conclusões tiradas destes dados são principalmente aplicáveis a estas plataformas. Sexto, o resultado primário do sucesso da implantação do dispositivo foi definido de acordo com os critérios VARC-2, que eram válidos quando o ensaio foi concebido. Entretanto, foi publicada uma atualização destes critérios. As análises de sensibilidade da coorte de intenção de tratar modificado e da coorte por protocolo forneceram resultados semelhantes para o desfecho primário com sucesso do dispositivo na alta hospitalar, de acordo com os critérios VARC-3. Sétimo, eficácia inicial e segurança foram avaliados, mas diferenças potenciais nos resultados a longo prazo entre as modalidades de imagem não puderam ser estimadas. Oitavo, as análises não consideraram os desfechos secundários, então os achados devem ser interpretados como exploratórios. O número de desvios de protocolo por parte do médico assistente foi maior no grupo RMC do que no grupo TC. Nono, o volume de contraste utilizado durante o procedimento não foi avaliado de maneira sistemática. 

Em resumo, as taxas de sucesso do TAVI guiado por RMC foram não-inferiores ao TAVI guiado por TC, sem diferença entre os grupos submetidos ao procedimento. Os protocolos utilizados para RMC são bem estabelecidos e amplamente disponíveis. A RMC pode, portanto, ser considerada uma alternativa viável no planejamento do TAVI. 

Referência

  1. Reindl M, Lechner I, Holzknecht M, Tiller C, Fink P, Oberhollenzer F, von der Emde S, Pamminger M, Troger F, Kremser C, Laßnig E, Danninger K, Binder RK, Ulmer H, Brenner C, Klug G, Bauer A, Metzler B, Mayr A, Reinstadler SJ. Cardiac Magnetic Resonance Imaging Versus Computed Tomography to Guide Transcatheter Aortic Valve Replacement: A Randomized, Open-Label, Noninferiority Trial. Circulation. 2023 Oct 17;148(16):1220-1230. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.123.066498.  

Sobre o autor

Samuel Moscavitch

Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Cardiologista pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Doutor em Biologia Celular e Molecular com ênfase em Imunologia pelo IOC/Fiocruz; Pós-doutor em Doenças Cardiovasculares, Inflamação e Aterosclerose pela Harvard Medical School e pelo Brigham and Women’s Hospital; Pesquisador Colaborador do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.

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