Monoterapia com prasugrel após angioplastia coronária com stent - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira out 8, 2024

Monoterapia com prasugrel após angioplastia coronária com stent

Escrito por: Remo H. M. Furtado em 7 de dezembro de 2023

4 min de leitura

O quê?  

O estudo STOP DAPT 3 (Short and Optimal Duration of Dual Antiplatelet Therapy-3) foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto com adjudicação cega de desfechos, realizado no Japão (1). O estudo avaliou o uso de monoterapia com prasugrel versus dupla antiagregação plaquetária (DAPT – dual antiplatelet therapy) por um mês após intervenção coronária percutânea (ICP) com stent farmacológico.  

 

Por quê?  

O tempo ideal de DAPT após uma ICP é alvo de grande debate na literatura, assim como o regime ideal em caso de monoterapia. Em estudos anteriores e meta-análises, o uso de um antagonista de ADP isolado, como prasugrel, clopidogrel ou ticagrelor, tem resultado em redução de sangramento sem perda do benefício trombótico, em comparação ao uso de DAPT. Entretanto, os estudos anteriores excluíam pacientes nos primeiros meses após a ICP.  

 

Como?  

O estudo incluiu pacientes com indicação de ICP com stent e alto risco de sangramento ou com síndrome coronária aguda (SCA).  Todos os pacientes foram tratados com o stent eluído com everolimus. Os pacientes foram randomizados para uso de monoterapia com prasugrel 3,75 mg uma vez ao dia (esta é a dose de prasugrel aprovada no Japão) versus DAPT com prasugrel 3,75 mg + aspirina 81-100 mg por dia. Todos os pacientes recebiam dose de ataque de 20 mg de prasugrel periprocedimento. Os esquemas terapêuticos do protocolo eram mantidos por 1 mês, exceto em casos de ICP estagiada pós-evento-índice.  

O estudo tinha dois desfechos co-primários. O desfecho primário de segurança era a ocorrência de sangramento BARC (Bleeding Academic Research Consortium) 3 ou 5, com a hipótese de superioridade (ou seja, redução de sangramento) com a monoterapia. O desfecho co-primário de eficácia era o composto de morte cardiovascular (CV), infarto, AVC ou trombose de stent. Este desfecho foi avaliado com a hipótese de não-inferioridade da monoterapia em relação à DAPT, com margem de não inferioridade de risco relativo de 1,50. Os desfechos foram avaliados por um comitê de adjudicação cego aos tratamentos randomizados.  

 

Estrutura PICOT 
Population:  Pacientes submetidos a ICP     
Intervention:   Monoterapia com prasugrel     
Control:  DAPT com prasugrel + aspirina      
Outcome  Segurança: Sangramento BARC 3 ou 5  

Eficácia: Morte CV, infarto, AVC ou trombose de stent 

Time  1 mês   

 

E aí?  

Ao todo, foram randomizados e incluídos na análise um total de 5966 pacientes (sendo 2984 no grupo monoterapia e 2982 no grupo DAPT). A idade média dos pacientes era de 71 anos, 76% eram do sexo masculino, 40% tinham diabetes e 75% foram incluídos no contexto de SCA (sendo 43% do total apresentando infarto com supra de ST).  

O uso de monoterapia com prasugrel não resultou em redução de sangramento em 1 mês, em comparação à DAPT com prasugrel + aspirina (4,5% versus 4,7% de pacientes com eventos, respectivamente; hazard ratio [HR] 0,95; intervalo de confiança [IC] 95% 0,75-1,20; P = 0,66). Por outro lado, a monoterapia foi não-inferior à DAPT em relação ao desfecho composto de eventos isquêmicos (4,1% versus 3,7% de pacientes com eventos, respectivamente; HR 1,12; IC 95% 0,87-1,45; P para não-inferioridade = 0,01). Não houve diferença entre os grupos no desfecho líquido, combinando os eventos trombóticos e sangramento BARC 3 ou 5 (HR 0,97; IC 95% 0,80-1,17). Um total de 14 (0,47%) casos de trombose definitiva de stent ocorreram no grupo monoterapia versus 11 (0,37%) no grupo DAPT (HR 1,27; IC 95% 0,58-2,80). Os resultados foram consistentes em diversos subgrupos. Em pacientes com SCA, o desfecho primário de eficácia ocorreu em 4,7% dos pacientes no grupo monoterapia versus 3,9% do grupo DAPT (HR 1,22; IC 95% 0,92-1,62; P para interação = 0,16).  

 

E agora?  

A terapia antiplaquetária nos pacientes submetidos a uma ICP deve ser focada em se encontrar o “sweet spot”, conferindo proteção contra eventos isquêmicos, mas sem aumento inaceitável do risco de sangramento. Enquanto a DAPT com aspirina + antagonista de ADP tem sido o padrão, diversos estudos têm procurado avaliar regimes alternativos. Neste sentido, o estudo STOP DAPT 3 deu um passo adiante na procura dessa resposta.  

Apesar de a monoterapia ter sido não-inferior à DAPT no desfecho de eventos trombóticos, ela não resultou em redução de sangramento maior. Este aspecto deve ser sempre levado em conta na interpretação de qualquer estudo de não-inferioridade. Quando um novo tratamento é proposto e testado contra uma conduta padrão neste tipo de estudo, assume-se que o novo tratamento traz uma nova vantagem como maior conveniência, menor custo ou maior segurança. No caso do STOP DAPT 3, a monoterapia não resultou em redução de sangramento, de tal maneira que, mesmo sendo não-inferior no lado isquêmico, ela deixou de oferecer a vantagem pretendida. O estudo foi muito bem desenhado e conduzido, com adjudicação cega dos desfechos e boa aderência ao protocolo. A grande limitação talvez seja a validade externa, uma vez que foram incluídos somente pacientes no Japão e em uso de uma dose de prasugel não utilizada em outros lugares do mundo.  

Em conclusão, a DAPT ainda deve permanecer como o default no primeiro mês após uma ICP, sobretudo no contexto de SCA. Estudos futuros, como o ensaio randomizado brasileiro NEO-MINDSET, devem trazer novas informações a respeito dessa questão (2). Até lá, a busca pelo “sweet spot” de tratamento antitrombótico após ICP continua.

Referências

  1.  Natsuaki M, Watanabe H, Morimoto T, Yamamoto K, Obayashi Y, Nishikawa R, Ando K, Domei T, Suwa S, Ogita M, Isawa T, Takenaka H, Yamamoto T, Ishikawa T, Hisauchi I, Wakabayashi K, Onishi Y, Hibi K, Kawai K, Yoshida R, Suzuki H, Nakazawa G, Kusuyama T, Morishima I, Ono K, Kimura T. An Aspirin-Free Versus Dual Antiplatelet Strategy for Coronary Stenting: STOPDAPT-3 Randomized Trial. Circulation. 2023 Nov 23. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.123.066720. Epub ahead of print. 

  2. Guimarães PO, Franken M, Tavares CAM, Silveira FS, Antunes MO, Bergo RR, Joaquim RM, Hirai JCS, Andrade PB, Pitta FG, Mariani J Jr, Nascimento BR, de Paula JET, Silveira MS, Costa TAO, Dall’Orto FTC, Serpa RG, Sampaio FBA, Ohe LN, Mangione FM, Furtado RHM, Sarmento-Leite R, Monfardini F, Assis SRL, Nicolau JC, Sposito AC, Lopes RD, Onuma Y, Valgimigli M, Angiolillo DJ, Serruys PW, Berwanger O, Bacal F, Lemos PA. P2Y12 inhibitor monotherapy versus dual antiplatelet therapy in patients with acute coronary syndromes undergoing coronary stenting: rationale and design of the NEOMINDSET Trial. EuroIntervention. 2023; 19(4):e323-e329.

Sobre o autor

Remo H. M. Furtado

Diretor de Pesquisa do BCRI, Coordenador da Pós-graduação em Pesquisa Clínica da Galen Academy e Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP

Notícias Relacionadas