Monoterapia com ticagrelor no primeiro mês após a angioplastia em pacientes com síndrome coronariana aguda: T-PASS trial - MDHealth - Educação Médica Independente
sexta-feira nov 22, 2024

Monoterapia com ticagrelor no primeiro mês após a angioplastia em pacientes com síndrome coronariana aguda: T-PASS trial

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 8 de novembro de 2023

5 min de leitura

Especial TCT 2023!

O quê? 

O estudo Stopping Aspirin Within 1 Month After Stenting for TicagrelorMonotherapy in Acute Coronary Syndrome: The T-PASS Randomized Noninferiority Trial foi um estudo randomizado que avaliou se a redução do tempo de dupla antiagregação plaquetária (DAPT) para o primeiro mês após a angioplastia por síndrome coronariana aguda (SCA) seguido por monoterapia com ticagrelor seria não-inferior e potencialmente superior ao tratamento convencional com DAPT por 12 meses após o evento. 

 

Por quê? 

O equilíbrio entre a redução de desfechos isquêmicos e o risco aumentado de sangramento pelo uso da DAPT no primeiro ano após um evento de SCA tem sido alvo de discussões nos últimos anos. No entanto, estudos recentes como o TICO e TWILIGHT demonstraram que a monoterapia com ticagrelor após 3 meses de DAPT reduz significativamente o risco de sangramento sem aumentar eventos isquêmicos após intervenção coronariana percutânea (ICP) em pacientes com SCA ou ICP de alto risco. 

 

Como? 

Pacientes com SCA com ou sem supra de ST (incluindo angina instável) que foram submetidos à angioplastia com stent eluido em sirolimus (SES) com polímero bioabsorvível foram randomizados para DAPT por um mês seguida de monoterapia com ticagrelor versus DAPT por 12 meses após o evento índice. A alocação dos pacientes foi estratificada pela presença de diabetes mellitus tipo 2 e pelo diagnóstico de SCA com supra de ST. O estudo tinha desenho aberto e foi realizado em 24 centros na Coréia do Sul. A descontinuação da aspirina ocorreu na primeira consulta de retorno após alta, em até 1 mês do evento inicial. Pacientes com alto risco de sangramento ( ex: plaquetopenia <100.000/ml) e com indicação de uso de anticoagulantes foram excluídos. 

O desfecho primário do estudo foi um composto de benefício líquido (NACE – net adverse clinical events) que incluiu morte por todas as causas, infarto agudo do miocárdio (IAM), trombose de stent, acidente vascular encefálico (AVC) e sangramento maior pelos critérios de BARC (Bleeding Academic Research Consortium). Os desfechos secundários foram os componentes individuais do desfecho primário, além de morte por causa cardiovascular, sangramento menor e eventos cardíacos adversos importantes compostos por morte cardiovascular, infarto do miocárdio, trombose de stent e revascularização do vaso-alvo causada por isquemia. 

 

 

Estrutura PICOT  

Population: SCA com e sem supra com implante de SES com polímero bioabsorvível 

Intervention:  DAPT 1 mês seguida por ticagrelor em monoterapia 

Control: DAPT por 12 meses   

Outcome morte por todas as causas, IAM, trombose de stent, AVC e sangramento maior  

Time 12 meses 

 

E aí? 

Ao longo de 3 anos, 2850 pacientes foram incluídos no estudo, sendo 1426 randomizados para o braço DAPT< 1 mês seguida de monoterapia com ticagrelor e 1424 para o braço de DAPT com ticagrelor por 12 meses. A idade média dos pacientes foi 61 anos e 84% eram do sexo masculino. Em torno de 40% dos pacientes apresentavam IAM com supra de ST. A mediana de duração da DAPT no grupo reduzido foi de 16 dias (intervalo interquartil  12 a 25 dias). 

O desfecho primário composto para benefício líquido foi 2,8% vs 5,2% no grupo DAPT <1 mês versus DAPT por 12 meses com ticagrelor (hazard ratio [HR] 0,54, intervalo de confiança [IC] 95% 0,37–0,80; P para não inferioridade < 0,001, P para superioridade = 0,002). Esse resultado foi consistente na análise de desfechos em 1 mês previamente especificada pelos autores (2.0% versus 4.1% (P para não inferioridade < 0,001; P para superioridade = 0,001). No grupo de monoterapia com ticagrelor, 12% dos pacientes não receberam a terapia para o qual foram alocados, contra 13% no braço DAPT 12 meses. 

Não houve diferença estatisticamente significativa nos desfechos secundários de mortalidade por todas as causas e por causas cardiovasculares, IAM, trombose de stent, AVC isquémico ou hemorrágico ou isquemia. A redução do desfecho primário foi motivada por redução no sangramento maior (BARC 3-5) que ocorreu em 1,2% dos pacientens no grupo DAPT< 1 mês e 3,4% no grupo DAPT por 12 meses. (HR 0,35, IC95% 0,20 a 0,61, P<0,001). 

 

E agora? 

O descalonamento da terapia antiplaquetária dupla após eventos coronarianos isquêmicos agudos ou ICP eletivas tem sido alvo de estudos recorrentes nos últimos anos, não só pela preocupação com o risco de sangramento espontâneo, mas também pelo fato da DAPT por vezes ser o fator que posterga tratamentos de outras patologias, como cirurgias oncológicas. Por isso, compreender se a suspensão precoce da aspirina pode ser tão eficaz quanto a manutenção da DAPT por 12 meses tem sido essencial para a prática clínica. 

As diretrizes atuais recomendam pelo menos 12 meses de DAPT, na forma de uma combinação de aspirina e um inibidor P2Y12, após intervenção coronariana percutânea com um stent farmacológico (DES) em pacientes com SCA, a menos que prevaleçam riscos de sangramento. O estudo T-PASS trouxe não somente uma importante informação quanto à manutenção da eficácia da suspensão precoce da aspirina, como demonstrou uma mediana de interrupção da mesma menor do que um mês (apenas 10% dos pacientes avaliados no braço de suspensão da aspirina completaram 30 dias de uso). 

Os dados atuais, portanto, ampliam os resultados dos ensaios TICO e TWILIGHT, que demonstraram o benefício da monoterapia com ticagrelor após 3 meses de DAPT em SCA em comparação com 12 meses. Outro dado interessante do T-PASS foi a manutenção dos resultados naqueles pacientes cujo evento-índice foi um IAM com supra de ST, o que foi ponto de preocupação quanto à segurança em estudos anteriores.  

Porém, todos esses dados devem ser interpretados à luz de algumas limitações, uma vez que o TICO e o T-PASS foram realizados apenas em centros sul-coreanos, o que pode limitar a generalização para outras populações. O poder do estudo foi calculado estimando-se a ocorrência de um desfecho composto de benefício líquido, que considerou juntamente efeitos de segurança e eficácia. Portanto, o poder estatístico para as comparações da ocorrência de cada componente, particularmente os eventos cardiovasculares maiores (MACE – major adverse cardiovascular events), poderia ser insuficiente. 

Este estudo fornece evidências de que a interrupção da aspirina dentro de 1 mês após o implante de stents farmacológicos seguida por monoterapia com ticagrelor é uma alternativa razoável à DAPT por 12 meses no que diz respeito a eventos cardiovasculares, mas principalmente a eventos hemorrágicos adversos. É esperado que novas orientações sejam incorporadas pelas futuras diretrizes em coronariopatias agudas. Todavia, apesar do grande entusiasmo trazido pela apresentação no congresso TCT 2023, ainda não enterramos a boa e velha aspirina na SCA. 

Referência

  1. Hong SJ, Lee SJ, Suh Y, et al., on behalf of the T-PASS Investigators. Stopping Aspirin Within 1 Month After Stenting for Ticagrelor Monotherapy in Acute Coronary Syndrome: The T-PASS Randomized Noninferiority Trial. Circulation 2023; Oct 25:[Epub ahead of print]. 

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia