O quê?
O estudo REPRIEVE (Randomized Trial to Prevent Vascular Events in HIV) foi um estudo multicêntrico randomizado, duplo-cego, placebo controlado, realizado em 145 centros em 12 países, incluindo pacientes com infecção por HIV e risco cardiovascular baixo a moderado, que estavam em uso de terapia antirretroviral. Os pacientes foram randomizados em receber diariamente pitavastatina cálcica na dose de 4 mg ou placebo.
Por quê?
O risco de doenças cardiovasculares, incluindo infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), é até duas vezes mais alto em pessoas infectadas pelo HIV comparado a população em geral, incluindo em pessoas mais jovens e naqueles com baixo risco cardiovascular.
Esse estudo foi desenhado para determinar se o uso de estatinas seria capaz de prevenir eventos cardiovasculares, de origem aterosclerótica, em pessoas com infecção por HIV e com risco baixo a moderado. A estatina foi escolhida como estratégia devido à sua conhecida ação de reduzir níveis séricos de LDL colesterol e de seus potenciais efeitos benéficos sobre o sistema imuno-inflamatório.
Como?
O estudo incluiu pacientes infectados pelo HIV, com idade entre 40 e 75 anos e recebendo terapia antirretroviral. Todos os participantes tinham um risco cardiovascular baixo a moderado para doença aterosclerótica, pela calculadora de risco da AHA/ACC 2013, de um risco calculado de até 15% para o colesterol LDL (≥70 mg/dL) em conjunto com níveis de colesterol LDL abaixo dos limites específicos.
O desfecho primário foi a ocorrência de um evento cardiovascular adverso maior, definido por um composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio, hospitalização por angina instável, acidente vascular cerebral, ataque isquêmico transitório, isquemia arterial periférica, revascularização ou morte por causa indeterminada.
Estrutura PICOT | |
Population: | HIV+ em uso de antirretrovirais |
Intervention | Pitavastatina cálcica 4 mg |
Control: | Placebo |
Outcome | Eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) |
Time | 5,1 anos (em média) |
E aí?
O estudo incluiu 7.769 participantes, sendo adultos com idade média de 50 anos e que normalmente não teriam indicação para uso de estatinas. Mulheres representaram 31% dos participantes. Nesse estudo, aproximadamente 41% se identificaram como negros, 35% brancos, 15% asiáticos e 9% como de outra raça. O RNA de HIV estava em níveis abaixo da detecção em 5.250 de 5.997 participantes (87,5%) e os níveis médios de CD4 eram de 621 células/mm3.
Os níveis de colesterol LDL eram semelhantes no início do estudo em ambos os grupos e diminuíram em média de 107mg/dL para 74 mg/dL no grupo tratado com pitavastatina, enquanto permaneceram semelhantes no grupo placebo, de 106mg/dL para 105mg/ dL, aos 12 meses de acompanhamento.
O ensaio foi interrompido precocemente devido à eficácia após um acompanhamento médio de 5,1 anos (intervalo interquartil, 4,3 a 5,9). A incidência de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) foi de 4,81 por 1.000 pessoas-ano no grupo da pitavastatina vs 7,32 por 1.000 pessoas-ano no grupo do placebo (hazard ratio [HR]: 0,65; intervalo de confiança [IC] 95% 0,48 – 0,90; P=0,002).
Apesar disso, o tratamento com pitavastatina não promoveu redução significativa na mortalidade cardiovascular (grupo pitavastatina 0,64 vs. 0,85 por 1.000 pessoas-ano no grupo placebo; HR 0,75; IC 95% 0,36-1,59) e, em eventos adversos graves não-fatais (grupo Pitavastatina 4,16 vs. 4,13 por 100 pessoas-ano no grupo placebo; razão de risco [RR] 1,01; IC 95% 0,91-1,12). A incidência de diabetes mellitus foi maior no grupo pitavastatina, 1,13 por 100 pessoas-ano, do que no grupo placebo, com 0,84 por 100 pessoas-ano (RR 1,35; IC 95% 1,09-1,66). Sintomas musculares, como mialgia, fraqueza muscular ou miopatia de grau ≥3 ou limitante, ocorreram mais no grupo tratado com pitavastatina sendo 0,49 vs. 0,28 por 1.000 pessoas-ano, comparado ao grupo placebo; p < 0,05).
E agora?
Entre os pacientes com infecção por HIV e risco baixo a moderado de doença cardiovascular, o tratamento com pitavastatina foi benéfico. A pitavastatina versus placebo foi associada a uma redução na incidência de eventos cardiovasculares adversos maiores. Os resultados foram os mesmos em vários subgrupos testados (sexo, região geográfica, níveis de CD4). O benefício observado com a pitavastatina foi maior do que o previsto, pois a piori estaria apenas associado ao grau de redução nos níveis de LDL. O tratamento com pitavastatina foi seguro, com ocorrência de eventos adversos graves não-fatais semelhante; no entanto, sintomas musculares foram mais comuns no grupo tratado que no placebo.
Um dos pontos fortes desse estudo foi a diversidade da população estudada com maior representatividade de origens não-brancas e por ter sido realizada em 12 países diferentes, incluindo países mais pobres. No entanto, duas limitações devem ser lembradas em relação aos seus resultados. Em primeiro lugar, estudos interrompidos precocemente por eficácia (embora esta seja uma medida completamente válida em virtude da integridade ética do estudo) tendem a exagerar a magnitude de benefício de uma terapia. Em segundo lugar, é importante destacar que, embora a redução de risco relativa tenha sido alta (35%), a redução absoluta é modesta, haja vista o baixo risco da população (a qual era formada por indivíduos que não teriam indicação de estatinas por outros critérios, como diabetes e presença de doença cardiovascular prévia). Se calcularmos o NNT (número necessário para tratar), podemos dizer que é preciso tratar em torno de 400 indivíduos por ano para se reduzir um evento cardiovascular maior neste estudo.
Feitas estas considerações, este estudo ressalta que devemos revalidar a estratificação do risco cardiovascular em populações especiais, como por exemplo a população desse estudo pessoas com infecção pelo HIV. Estes pacientes poderiam se beneficiar de um início mais precoce de tratamentos, como as estatinas, tendo um impacto na saúde cardiovascular e na redução de eventos.