O quê?
O estudo ONCO-DVT (Edoxaban for 12 Months Versus 3 Months in Cancer Patients With Isolated Distal Deep Vein Thrombosis) foi um ensaio clínico randomizado, aberto (open-label) e multicêntrico, testando o uso do novo anticoagulante oral edoxabana por 3 meses versus 12 meses em pacientes oncológicos com diagnóstico de trombose venosa profunda (TVP) distal.
Por quê?
O tromboembolismo venoso (TEV), em especial as TVP distais que contribuem para 30% dos casos, apresenta um risco de recorrência a longo prazo já bem reconhecido e que merece prevenção por meio de anticoagulação. Porém, os pacientes com diagnóstico de câncer, que por si só já é um forte fator de risco para TEV, têm sido habitualmente excluídos dos estudos que avaliaram estratégias de anticoagulação a longo prazo no cenário da TVP. Importante ressaltar que, nessa população, em torno de 4,6% dos pacientes apresentam o diagnóstico de TVP distal. Portanto, atualmente existe uma enorme incerteza quanto às estratégias de manejo ideais nesse contexto, incluindo a eficácia e segurança da duração prolongada da terapia anticoagulante nos subtipos de TVP distal em pacientes oncológicos, o que foi testado no estudo ONCO-DVT.
Como?
O estudo incluiu pacientes com câncer ativo e diagnóstico recente de TVPem membros inferiores. A TVP deveria ser confirmada por ultrassonografia venosa (US) com doppler demonstrando presença de trombos ou falta de fluxo sanguíneo com compressão distal. O diagnóstico de câncer ativo foi definido como o câncer que satisfaz um dos seguintes critérios: paciente recém-diagnosticado com câncer e/ou que recebeu tratamento (cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, etc.) até 6 meses antes da randomização; pacientes atualmente em tratamento para neoplasias; pacientes com recorrência do câncer, invasão local ou metástases distais OU pacientes com neoplasia hematopoiética maligna que não atingiram a remissão completa. Os principais critérios de exclusão foram pacientes em terapia anticoagulante no momento do diagnóstico, contraindicação para edoxabana, diagnóstico de embolia pulmonar (EP) e pacientes que com prognóstico de vida de 3 meses ou menos, a critério dos médicos assistentes.
Os pacientes foram randomizados para edoxabana 60 mg via oral 1 vez/dia (ou 30 mg via oral 1 vez/dia se peso corpóreo ≤ 60kg, taxa de filtração glomerular de 15 a 50ml/min ou se estivessem em uso de fortes inibidores da glicoproteína-P) por 12 meses versus 3 meses, na proporção de 1:1 por meio de randomização adaptativa (dessa forma, equilibrando a atribuição ao tratamento em cada centro de pesquisa). O estudo foi conduzido de forma aberta (open-label), porém com adjudicação cega dos desfechos. O protocolo previa ainda realização de US e testes laboratoriais aos 3 e 12 meses para os dois grupos. Importante ressaltar que, apesar de multicêntrico, todos os 60 centros eram localizados no Japão.
O desfecho composto primário de eficácia foi a recorrência de qualquer TEV, porém de forma sintomática (i.e., sintomas novos ou de agravamento recente de EP ou TVP e presença de novos trombos ou trombos que pioraram ao longo do tempo em relação a imagem mais recente); ou o evento de morte secundária ao diagnóstico de TEV. O desfecho secundário de segurança foi sangramento maior em 12 meses, como definido pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (em inglês, ISTH).
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes oncológicos recém diagnosticados com TVP |
Intervention | Edoxabana 60mg, via oral, 1 vez/dia (ou dose ajustada) por 12 meses |
Control: | Edoxabana 60mg, via oral, 1 vez/dia (ou dose ajustada) por 3 meses |
Outcome | Eficácia: recorrência de TVP ou EP ou morte por TEV em 12 meses
Segurança: sangramento grave em 12 meses |
Time | 12 meses |
E aí?
No total de 601 pacientes completaram o estudo (206 no grupo edoxabana por 12 meses e 305 no grupo edoxabana por 3 meses), e foram avaliados seguindo o princípio da análise por intenção de tratar. A idade média era de 70 anos e 72% dos pacientes eram do sexo feminino. Os tipos mais comuns neoplasia foram as ginecológicas (28%), seguidas de neoplasia pulmonar (11%) e neoplasia de cólon (10%).
Houve redução significativa no desfecho primário de TEV recorrente e sintomática ou morte relacionada a TEV. O evento trombótico ocorreu em 3 dos 296 pacientes (1,0%) no grupo edoxabana por 12 meses e em 22 dos 305 pacientes (7,2%) no grupo de tratamento por 3 meses (odds ratio [OR], 0,13; intervalo de confiança [IC] 95%, 0,03 a 0,44). Apesar da alta taxa de descontinuação da edoxabana, as análises por-protocolo foram consistentes com esses resultados. Não houve mortes relacionadas a TEV em qualquer grupo. Importante ressaltar que esse benefício não foi acompanhado de aumento estatisticamente significativo de sangramento no estudo (7,2% grupo 3 meses vs 9,5% grupo 12 meses; OR, 1.34; 95% IC95%, 0,75 a 2,41). Como é frequente em estudos de anticoagulantes, os sangramentos ocorreram principalmente no trato gastrointestinal (48%). As mortes por todas as causas (desfecho secundário) ocorreram em 22% dos pacientes no grupo de edoxabana de 12 meses e em 25% no grupo de edoxabana de 3 meses (OR, 0,85; IC 95%, 0,58 a 1,24).
E agora?
O estudo ONCO-DVT foi o primeiro estudo que demonstrou benefício do uso de uma estratégia prolongada de anticoagulação (até 12 meses) em pacientes com câncer ativo e diagnóstico recente de trombose venosa profunda em relação ao resultado composto de evento de TEV recorrente e sintomática ou morte relacionada a TEV.
Seus resultados são de grande importância, uma vez que a literatura é escassa em relação a dois pontos essenciais: a avaliação do risco e da gravidade de recorrência em eventos trombóticos distais como a TVP; e a análise da anticoagulação no contexto ambulatorial de TEV em pacientes oncológicos. Esse segundo cenário é motivado pela grande preocupação quanto ao risco de sangramento espontâneo dessa população, além da possível necessidade de procedimentos intervencionistas, situações nas quais a anticoagulação possivelmente traria mais riscos do que benefícios.
Porém, alguns pontos devem ser cautelosamente observados no desenho do estudo:
- A maioria dos pacientes (67% no grupo 12 meses e 73% no grupo de 3 meses de tratamento) tinha baixo peso e teve sua dose reduzida para 30 mg/dia, o que pode explicar taxas de sangramento semelhantes entre os dois grupos, apesar do uso de anticoagulação de maior duração. Resta a dúvida se esse resultado seria generalizável para uma população de maior peso.
- O desenho do estudo definia a realização de US doppler venoso em pacientes assintomáticos, o que não é uma rotina (e talvez nem seja custo-efetivo) para pacientes com câncer. Como apenas 20% dos pacientes eram sintomáticos com TVP distal, isso também levanta a questão se a vigilância de rotina nesses pacientes pode ser benéfica.
- A adesão ao tratamento com edoxabana foi relativamente baixa de acordo com o protocolo do estudo, visto que alguns dos pacientes no grupo de edoxabana por 12 meses descontinuaram a medicação prematuramente devido a eventos hemorrágicos ou progressão do câncer. Esta questão pode ter subestimado o risco de hemorragia grave no grupo de edoxabana de 12 meses pela análise por intenção de tratar.
As diretrizes atuais recomendam fracamente que pacientes com TVP distal isolada e câncer ativo devem receber terapia anticoagulante e a estratégia de anticoagulação deve ser a mesma dos pacientes com TEV proximal, o que significa que uma duração prolongada (geralmente de 6 meses) pode ser considerada. Porém essas recomendações possuem baixo nível de evidência e não foram baseadas em estudos específicos na população oncológica.
É esperado que o ONCO-DVT traga mudança de recomendações, que deverão ainda ser individualizadas conforme o risco de sangramento do paciente. O estudo reforça as mensagens de que os eventos trombóticos em pacientes oncológicos são sub-diagnosticados, subestimados em gravidade e, por isso, devem ser buscados ativamente. Corrobora também que atualmente o perfil de segurança dos anticoagulantes orais diretos, como a edoxabana, permite que seu uso seja seguro também em pacientes em tratamento do câncer.