O quê?
O estudo Complete vs Culprit-Only Revascularization in Older Patients With Myocardial Infarction With or Without ST-Segment Elevation foi uma análise pré-especificada do estudo FIRE (Functional Assessment in Elderly MI Patients with Multivessel Disease) que objetivou investigar a consistência dos riscos e benefícios de cada estratégia de revascularização em relação à apresentação clínica do infarto do miocárdio (com ou sem supra de ST) em pacientes idosos.
Por quê?
A eficácia da revascularização completa está bem estabelecida em pacientes com infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCSST), mas é menos investigada naqueles com IAM sem elevação do segmento ST (IAMSSST), especialmente em idosos. O maior ensaio clínico randomizado sobre o tema, o estudo COMPLETE (Complete versus Culprit-Only Revascularization Strategies to Treat Multivessel Disease after Early PCI for STEMI) , demonstrou uma redução de risco relativo de 26% nos desfechos cardiovasculares de morte ou novo IAM em >4.000 pacientes com IAMCSST e doença arterial coronariana (DAC) em múltiplos vasos, e esse benefício foi posteriormente confirmado em metanálises de vários ECRs. Embora o IAMSSST e o IAMCSST compartilhem uma fisiopatologia comum, há diferenças importantes a serem consideradas no contexto da DAC multiarterial. O IAMCSST é geralmente causado por ruptura ou erosão de placa e cerca de metade das placas não culpadas são vulneráveis à futuras rupturas. Em contrapartida, no IAMSSST, além da potencial lesão “culpada”, as demais lesões apresentam placas frequentemente fibrocalcificadas e mais estáveis, com menor risco de ruptura. Por fim, os pacientes com IAMSSST geralmente apresentam uma isquemia subendocárdica (e não transmural) no evento índice, portanto tentem a ser casos menos urgentes, que permitiriam a espera por uma cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) quando indicada. Especialmente em idosos, há ainda muita variação na prática clínica em relação à realização ou não de revascularização completa.
Como?
O estudo FIRE foi um ensaio multicêntrico randomizado, de superioridade, comparando a eficácia da revascularização miocárdica completa guiada pela fisiologia versus revascularização apenas do vaso culpado em pacientes idosos com IAM por doença multiarterial. Os pacientes eram elegíveis se tivessem 75 anos de idade ou mais; internação hospitalar por IAM; angioplastia bem-sucedida da lesão primária e pelo menos 1 lesão coronariana adiciona, não culpada, com diâmetro mínimo de 2,5 mm e um diâmetro estenose de 50% a 99%. Os principais critérios de exclusão foram a incapacidade de identificar distintamente uma lesão culpada e a presença de lesão em tronco da coronária esquerda.
Os pacientes que foram designados para revascularização completa guiada pela fisiologia receberam avaliação fisiológica das lesões não-culpadas usando medições wire-based (hiperêmicas ou não hiperêmicas) e/ou baseadas em angiografia (taxa de fluxo quantitativa).
O desfecho primário foi um composto de morte, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou revascularização em 1 ano. A desfecho secundário incluiu um composto de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio em 1 ano. Outros desfechos secundários compreendiam os componentes individuais dos desfechos compostos, trombose de stent e sangramento definido pelo Bleeding Academic Research Consortium (BARC) tipo 3, 4 ou 5.
E aí?
No ensaio FIRE, 1445 pacientes idosos com infarto do miocárdio (IM) foram randomizados, estratificados por IAMCSSST (509 pacientes, sendo n = 256 tratamento vaso culpado vs n = 253 tratamento completo) e IAMSSST (936 pacientes, sendo n = 469 tratamento vaso culpado vs n = 467 tratamento completo). A população do estudo tinha em média 81 anos e eram homens, em sua maioria.
Na população geral do estudo, a revascularização completa guiada pela fisiologia reduziu tanto os desfechos primários como os secundários. Na presente subanálise, o desfecho primário ocorreu em 54 (21,1%) pacientes com IAMCSST randomizados para tratamento apenas do vaso culpado vs 41 (16,2%) do grupo revascularização completa (HR: 0,75; IC 95%: 0,50-1,13); e em 98 (20,9%) pacientes com IAMSSST randomizados para tratamento apenas do vaso culpados vs 72 (15,4%) pacientes com IAMSSST do grupo completo (HR: 0,71; IC 95%: 0,53-0,97), com teste de interação negativo (P para interação, = 0,846). Da mesma forma, não foi observado nenhum sinal de heterogeneidade em relação à apresentação clínica inicial (com ou sem supra) quanto ao principal objetivo secundário de morte cardiovascular ou reifarto em 1 ano (P para interação= 0,654).
E agora?
O presente estudo traz importantes percepções. Em pacientes idosos com IAM, o uso de revascularização completa (guiada por avaliação fisiológica invasiva) em comparação com a estratégia de tratamento apenas do culpado, proporcionou benefícios consistentes em todo o espectro do IAM, sem evidências de que o tipo de apresentação clínica afetou os resultados do estudo. Portanto, mesmo na presença de uma lesão culpada claramente identificável, o estudo sugere que a revascularização completa guiada deve ser realizada em pacientes idosos tanto com IAMCSST como IAMSSST.
O estudo traz não só a valorização dos impactos do IAMSSST no contexto evolutivo das síndromes coronarianas agudas, mas também a importância do tratamento na população idosa, recentemente apresentado no ESC 2024 e analisado pelo nosso grupo (https://mdhealth.com.br/noticias-e-destaques/estrategia-de-tratamento-invasivo-para-pacientes-idosos-com-infarto-do-miocardio/ ).
Este estudo, portanto, fornece algumas das primeiras e únicas evidências randomizadas que avaliam a revascularização completa em pacientes com IAMSSST. Vale lembrar, no entanto, que os dados citados acima foram gerados a partir de uma análise de subgrupo e, portanto, devem ser avaliados dentro do contexto do resultado principal do estudo.
Por isso, do ponto de vista clínico, seguimos ainda questionando e necessitando de ECR que abordem diretamente o tema do IAMSSST quanto a alguns pilares: existe benefício tão consistente quanto o encontrado nos pacientes com IAMCSST? Qual o tempo ideal para a revascularização dos vasos não culpados nessa população? Qual o melhor método para identificação de lesões não culpados?