O quê?
Esse é um estudo de caso-controle aninhado realizado com uma coorte de 215.547 idosos (>65 anos) que começaram a tomar medicamentos anti-hipertensivos e teve como objetivo avaliar o efeito desse tratamento anti-hipertensivo sobre o risco de demência.
Por quê?
Estudos clínicos e epidemiológicos têm demonstrado que a hipertensão na terceira idade está associada a um maior risco de declínio cognitivo, demência vascular e doença de Alzheimer. Ainda que o tratamento anti-hipertensivo nessa população sugira um efeito protetor sobre o risco de demência, as evidencias ainda não são robustas.
Em grande parte dos ensaios clínicos, a população amostral não consegue abranger a heterogeneidade demográfica e clínica da população; e, generalizar seus achados pode ser problemático, principalmente considerando a representatividade limitada dos pacientes com maior risco de demência, como os pacientes muito idosos, frágeis, os com alto risco cardiovascular e pacientes com sobrevida curta. Para adereçar essas limitações, seria necessário acompanhar o início do tratamento anti-hipertensivo durante um longo seguimento, em uma amostra bem grande e heterogênea de idosos.
Dessa forma, o presente estudo se propôs a investigar toda a população idosa da região de Lombardia, Itália, ao longo de 11 anos (média de acompanhamento de 7,3 anos), sobre a questão se em novos usuários de medicamentos anti-hipertensivos o uso dessa terapia estaria associado a uma redução no risco de demência. O efeito do tratamento anti-hipertensivo no risco de demência foi avaliado comparando diferentes exposições a medicamentos anti-hipertensivos como resultado de diferentes níveis de adesão. Os dados foram estendidos à análise de pacientes muito idosos e pacientes com estado clínico diferente (incluindo pacientes frágeis) com base no menor ou maior risco de mortalidade precoce.
Como?
O estudo caso-controle aninhado é um estudo híbrido no qual casos e controles são selecionados no decorrer de uma coorte pré-definida. Esse é um estudo de caso-controle aninhado realizado como a população idosa da Lombardia, Itália, e incluiu uma coorte de 215.547 pacientes que começaram a tomar medicamentos anti-hipertensivos entre os anos de 2009 e 2012. Da população de 1.564.248 de pacientes >65 anos que foram tratados com anti-hipertensivos entre 2009 e 2012, apenas 215.547 indivíduos preencheram os critérios de inclusão e foram incluídos no estudo. Os casos foram de 13.812 pacientes (idade 77,5 + 6,6 anos; 40% homens) que desenvolveram demência ou doença de Alzheimer durante o acompanhamento até 2019. Para cada caso, foram selecionados 5 indivíduos controle para serem pareados por sexo, idade e estado clínico. A exposição à terapia medicamentosa foi medida pela proporção do seguimento coberto por medicamentos anti-hipertensivos. A regressão logística condicional foi utilizada para modelar o risco de desfecho associado à exposição a medicamentos anti-hipertensivos.
E aí?
A incidência de demência apresentou aumento progressivo com a idade, enquanto a incidência da doença de Alzheimer apresentou maior incidência entre pacientes de 80 a 84 anos. Aproximadamente 80% dos pacientes iniciaram o tratamento com 1 medicamento, e a monoterapia mais frequente foi, em sua maioria, um bloqueador do sistema renina-angiotensina II, enquanto a combinação mais frequente de 2 medicamentos foi sua associação a um diurético.
A exposição ao tratamento foi inversamente associada ao risco de demência. Ao comparar pacientes com exposição muito baixa com aqueles com exposição alta, intermediária e baixa foi observada uma redução de risco de 24% (IC 95%: 19%-28%), 12% (IC 95%: 6%-17%) e 2% (IC 95%: 4%-7%), respectivamente. Essa redução de risco com a exposição também foi observada em pacientes muito idosos (> 85 anos) e frágeis (sob alto risco de mortalidade em 1 ano).
E agora?
Esse grande estudo de mundo real, que incluiu mais de 200.000 pacientes e quase 14.000 eventos, mostrou que, em idosos hipertensos, a maior adesão (exposição) ao tratamento medicamentoso anti-hipertensivo foi associada a um menor risco de demência ou doença de Alzheimer. Mais especificamente, a maior exposição (anti-hipertensivos por >75% do tempo de follow-up) exibiu uma redução importante de 24% no risco de demência ou doença de Alzheimer sobre aquele com menor exposição (anti-hipertensivos por <25% do follow-up). Essa associação entre exposição e risco reduzido para demência ou doença de Alzheimer foi observada, independente do sexo e do estado clínico no início do estudo, e inclui pacientes de muito alto risco com mortalidade precoce (estimada em 36% em 1 ano). Além disso, o benefício se estendeu até uma idade consideravelmente mais avançada (> 85 anos) do que anteriormente reportado em outros estudos.
Algumas limitações desse estudo foram: a adesão ou exposição a medicamentos anti-hipertensivos foi baseada em sua distribuição assumindo que reflete seu consumo pelo paciente. Além disso, a presença de demência poderia ser anterior ao seu diagnóstico, afetando assim a adesão ou a exposição aos medicamentos e levando à sua incorreta classificação. Terceiro, por esse estudo ter como escopo novos usuários de medicamentos anti-hipertensivos, foi necessário excluir grande parte da população de pacientes. Por último, o banco de dados não inclui informações sobre a pressão arterial ou outras variáveis clínicas, o que impossibilita estimar os níveis de PA que poderiam ser mais benéficos que confeririam maior proteção contra a demência.
Em conclusão, esse estudo mostrou que a exposição ao tratamento medicamentoso anti-hipertensivo foi associada a redução do risco de demência em pacientes idosos hipertensos. Essa associação se manteve, independente da faixa etária, sexo e condição clínica inicial dos pacientes, e estendendo o benefício para idosos com mais de 85 anos e para pacientes de muito alto risco e de mortalidade precoce.