O quê?
Uma análise post-hoc combinada de 7 ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, do programa ORION, avaliou os dados de segurança da inclisirana em diversos tipos de pacientes na redução de colesterol LDL (LDL-C).
Por quê?
A tecnologia dos pequenos RNAs de interferência (small interfering ribonucleic acid – siRNA) traz um horizonte de amplas possibilidades na medicina. A inclisirana é um siRNA que silencia a expressão gênica da PCSK-9 (proprotein convertase subtilisin-kexin type 9), uma proteína responsável pela degradação dos receptores de LDL-C no hepatócito. A inclisirana leva a uma redução sustentada de LDL-C, tendo sido bem tolerada em estudos clínicos fase 2-3. Entretanto, o perfil de segurança a médio e longo prazo ainda permanecia desconhecido.
Como?
O estudos ORION-1, ORION-3, ORION-5, ORION-9, ORION-10 e ORION-11 incluíram um espectro de pacientes com indicação de redução de LDL-C, seja por hipercolesterolemia familiar, presença de doença aterosclerótica cardiovascular (CV) prévia ou alto risco para evento CV. Os pacientes foram randomizados para inclisirana 300 mg versus placebo em injeções subcutâneas semestrais (com dose de reforço 3 meses após a primeira dose). Nos estudos ORION-3, ORION-5 e no estudo em andamento ORION-8, os pacientes poderiam receber inclisirana de maneira aberta em uma fase pós-tratamento randomizado. Com isso, a quantidade de tempo de exposição à inclisirana nesta análise combinada foi superior à quantidade de tempo de exposição ao placebo.
O desfecho de interesse desta análise combinada era a ocorrência de eventos adversos (EA) emergentes durante o tratamento, incluindo EA sérios, EA que levavam à descontinuação do medicamento e EA de interesse clínico, como eventos CV, renais, hepáticos e musculares.
Estrutura PICOT | |
Population: | Pacientes com dislipidemia |
Intervention: | Inclisirana |
Control: | Placebo |
Outcome | Eventos adversos |
Time | Variável |
E aí?
Um total de 5544 pacientes foram incluídos nesta análise combinada, sendo 3576 no grupo inclisirana e 1968 no grupo placebo. A idade média dos pacientes foi de 64 anos, 33% eram do sexo feminino e 93% da raça branca. A maioria dos pacientes incluídos (84%) tinham doença aterosclerótica CV prévia, e em torno de 5% não utilizavam terapia redutora de LDL-C antes da inclusão. O tempo de exposição médio à inclisirana foi de 2,8 anos, sendo que mais de 80% dos pacientes foram expostos a um período superior a 2 anos de tratamento.
A incidência de EA sérios durante o tratamento foi 13,8 por 100 pacientes-ano no grupo inclisirana versus 18,1 por 100 pacientes-ano no grupo placebo (diferença média = -4,3; intervalo de confiança [IC] 95% -6,3 a -2,5). A taxa de EA levando à descontinuação do tratamento foi de 1,12 por 100 pacientes-ano e 1,27 por 100 pacientes nos grupos inclisirana e placebo, respectivamente (diferença média -0,14; IC 95% -0,68 a 0,29). Reações no local da injeção foram mais frequentes com inclisirana em comparação ao placebo (3,54 versus 1,31 por 100 pacientes-ano, respectivamente).
Não houve diferença entre os grupos na ocorrência de eventos hepáticos, musculares, renais ou diabetes de início recente. A ocorrência de eventos CV (morte CV, infarto, AVC ou parada cardíaca ressuscitada) foi de 3,79 por 100 pacientes-ano com a inclisirana versus 6,75 por 100 pacientes-ano com o placebo (diferença média -2,96; IC 95% -4,10 a -1,94). Anticorpos anti-medicamento foram detectados em 4,6% dos pacientes, sendo transitórios em 3,2%. Nenhum destes anticorpos possuía ação neutralizante do efeito da medicação.
E agora?
A terapia redutora de LDL-C constitui um dos pilares de redução de risco CV em um grande espectro de pacientes. Até recentemente, havia poucas opções além das estatinas. Entretanto, a chegada dos inibidores de PCSK-9 traz possibilidade de mudança neste panorama. Enquanto os anticorpos monoclonais anti-PCSK-9 como evolocumab e alirocumab necessitam de doses duas vezes por mês, a inclisirana, um mecanismo inovador de siRNA, permite o uso apenas duas vezes ao ano.
A presente análise combinada traz alguns dados tranquilizadores em relação à inclisirana. Em um grupo de mais de 3500 pacientes expostos à molécula (sendo a maioria por mais de 2 anos), não foram observados EA preocupantes além de reações no local da injeção. Além disso, não foi observado o surgimento de anticorpos neutralizantes (embora anticorpos anti-inclisirana tenham sido detectados em uma pequena quantidade de pacientes, sendo o significado clínico deste achado ainda desconhecido). Por último, o uso de inclisirana se associou à menor ocorrência de eventos CV, o que pode ser explicado, como já se poderia prever, pelo seu efeito redutor de LDL-C.
Apesar da importância, alguns alertas devem ser levantados na interpretação deste artigo. Em ensaios randomizados, alguns EA raros ou de ampla latência podem não ser detectados. Por isso, é fundamental se acompanhar de perto os dados de farmacovigilância pós-comercialização assim como os dados de mais ensaios clínicos com número maior de pacientes. Em segundo lugar, embora seja um dado encorajador para a comunidade médica, a menor incidência de eventos CV com a inclisirana na presente análise deve ser vista como apenas geradora de hipótese, sendo ainda necessário aguardar estudos dedicados de desfechos CV a fim de concluir se a redução de LDL-C com a inclisirana vai de fato resultar em maior proteção CV.
Moral da história: os dados da presente análise reforçam e tranquilizam a respeito da segurança da inclisirana. Esta nova ferramenta de controle do LDL-C ainda será tema de muitos estudos em Cardiologia. Na data de publicação deste artigo, a medicação acabou de ser aprovada no Brasil.