Terapia com inibidor de SGLT2 em pacientes com Cardiomiopatia Amiloide Transtirretina - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira nov 19, 2024

Terapia com inibidor de SGLT2 em pacientes com Cardiomiopatia Amiloide Transtirretina

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 20 de setembro de 2024

4 min de leitura

O quê? 

O estudo SGLT2 Inhibitor Therapy in Patients With Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy foi uma coorte multicêntrica, longitudinal, observacional em 14 centros na Europa e na América do Norte que avaliou a eficácia e tolerabilidade dos inibidores do cotransportador-2 de sódio-glicose (iSGLT2) em pacientes com amiloidose por transtirretina (ATTR) e insuficiência cardíaca (IC). 

 

Por quê? 

A Cardiomiopatia amilóide transtirretina (ATTR-CM), adquirida (ATTRwt-CM) ou hereditária (ATTRvCM), é causado por dobramento incorreto e agregação da proteína plasmática transtirretina em fibrilas amilóides insolúveis que se acumulam no espaço extracelular do miocárdio, causando insuficiência cardíaca progressiva e grave. Os inibidores da SGLT2 fazem parte do tratamento padrão para terapia de IC em todas as faixas de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Contudo, os dados sobre a sua eficácia na amiloidose cardíaca são escassos e os estudos de fase 3 excluiram pacientes com cardiopatia amiloide. Por isso, atualmente, a prática clínica depende da extrapolação dos resultados dos ensaios de iSGLT2 na IC de outras etiologias. 

Como? 

Este foi um estudo multicêntrico, longitudinal e observacional estudo realizado em 14 centros de referência para cardiomiopatia amiloide na Europa e EUA. Foram analisados dados de 2.356 pacientes consecutivos com ATTR-CM (2014-2022). A ATTR foi diagnosticada com base nos sintomas de IC com exame Tc99m-PYP positivo ou biópsia endomiocárdica confirmando ATTR. Do total, 260 (11%)  pacientes receberam iSGLT2. O estudo incluiu, portanto, 220 pacientes tratados com iSGLT2  e 220 indivíduos controle pareados por propensão. O autores utilizaram o escore de  propensão que reflete a probabilidade de ser tratado com iSGLT2 para cada paciente, o qual foi determinado usando 16 variáveis. Os desfechos incluíram mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular (CV) e hospitalização por IC. 

PECO 

P – pacientes com ATTR-CM em tratamento para a doença 

E – uso de inibidores SGLT2  

C – terapia otimizada para IC sem iSGLT2 

O-  mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular (CV) e hospitalização por IC. 

 

E aí? 

Entre os 220 pacientes tratados com iSGLT2 e os 220 pacientes controle, a idade média foi de 77 anos, 90% eram do sexo masculino, com (FEVE) média de 46%. Os betabloqueadores, antagonistas da angiotensina e antagonistas dos receptores mineralocorticóides foram prescritos em 59%, 44% e 46%, respectivamente, e tafamidis/patisiran em 21%. O uso de iSGLT2 foi motivado pela presença de IC e/ou diabetes mellitus. Durante um acompanhamento médio de 28 meses, apenas 10 pacientes (4%) descontinuaram o iSGLT2, mais comumente devido a infecção do trato urinário. O uso do iSGLT2 foi associado a menores taxas de mortalidade por todas as causas (hazard ratio [HR] 0,57; intervalo de confiança [IC] 95% 0,37-0,89), mortalidade CV (HR 0,41; IC95% 0,24-0,71), piora da IC (HR: 0,57; IC 95%: 0,36-0,91). Também foi observado associação do iSGLT2 a menor declínio da taxa de filtração glomerular (TFG), atenuação na elevação do NT-proBNP, sem alterações na pressão arterial sistólica e com menor necessidade de uso de diurético de alça. Estes efeitos foram observados independentemente do estado de diabetes, da utilização de tafamidis/patisiran e da ATTR de tipo selvagem ou hereditária. 

E agora? 

Apesar dos resultados indiscutíveis dos iSGLT2 no cenário da insuficiência cardíaca, a extrapolação off-label do seu uso em uma população com cardiopatia amiloide trazia preocupações relacionadas às especificidades dessa população: baixa tolerabilidade medicamentos hipotensores, em especial intolerância a inibidores da enzima conversora de angiotensina e os betabloqueadores (devido à neuropatia coexistente na ATTR). Este estudo observacional de pacientes com amiloidose ATTR sugere que o iSGLT2 SUGERE benefícios significativos em quase todos os desfechos importantes para pacientes com IC, incluindo mortalidade, e piora da IC. Ainda, reforça achados de segurança e eficácia já vistos anteriormente com essa classe de medicação: como a maior preservação da TFG e a manutenção dos níveis pressóricos.  

O estudo deve ser interpretado com crítica e cautela, por ser tratar de estudo observacional, portanto com limitações metodológicas. No entanto, vale ressaltar que os benefícios dos iSGLT2 na ATTR foram consistentes nas análises de sensibilidade, inclusive quando considerados o uso de terapias modificadoras da doença, incluindo tafamidis e patisirana, em cada um dos grupos. Embora um ensaio randomizado fosse ideal para responder a esta questão, conduzir tal estudo para uma doença rara como a amiloidose é um desafio. Nesse sentido, os estudos de Real World Evidence (dados de mundo real), quando adequadamente conduzidos, nos trazem valorosos dados, tais como segurança do uso do medicamento nessa população, bem como seus potenciais benefícios. 

Referência

  1. Porcari, A, Cappelli, F, Nitsche, C. et al. SGLT2 Inhibitor Therapy in Patients With Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. JACC. 2024 Jun, 83 (24) 24112422.  

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia