O quê?
O estudo AdaptResponse foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, uni-cego, avaliando a terapia de ressincronização cardíaca (TRC) adaptativa versus a TRC convencional em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) e bloqueio do ramo esquerdo (BRE).
Por quê?
A TRC é um tratamento comprovadamente benéfico em pacientes com ICFER, BRE e sintomas persistentes a despeito do tratamento clínico otimizado. A correção da dissincronia interventricular presente no BRE leva à melhora de sobrevida e previne o remodelamento reverso. A TRC adaptativa consiste em uma abordagem de ressincronização mais fisiológica, em que o estímulo ao ventrículo esquerdo (VE) é acoplado com a estimulação natural pelo ramo direito, ao invés de ocorrer estimulação sempre biventricular.
Como?
Pacientes com ICFER (< 35%), BRE (com duração de QRS ≥ 140 mS em homens e ≥ 130 ms em mulheres) e sintomas persistentes (classe funcional II a IV da New York Heart Association) foram incluídos e randomizados para TRC adaptativa versus convencional. O estudo apresenta um desenho unicego, em que os pacientes não sabiam a que grupo foram alocados, porém os médicos assistentes e os operadores sabiam. A TRC adaptativa foi desempenhada por meio de um algoritmo que reconhece quando o ventrículo direito tem estimulação natural. Por conta disso, pacientes com condução AV anormal (isto é, qualquer bloqueio AV, de 1º grau em diante) foram excluídos.
O desfecho primário do estudo foi o composto de morte ou intervenção por insuficiência cardíaca descompensada (consiste em qualquer necessidade de internação ou uso de diurético endovenoso em razão de piora da doença). Os desfechos secundários foram os componentes individuais do desfecho primário, assim como qualidade de vida pelo KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionaire), hospitalizações recorrentes e ocorrência de fibrilação atrial. A ocorrência de exaustão do gerador do dispositivo implantado foi um desfecho exploratório.
Estrutura PICOT | |
Population: | ICFER e BRE |
Intervention: | TRC adaptativa |
Control: | TRC convencional |
Outcome | Morte, ou piora da insuficiência cardíaca |
Time | 5 anos |
E aí?
Ao todo, 3617 pacientes foram randomizados (1810 no grupo TRC adaptativa e 1807 no grupo TRC convencional), com idade média de 65 anos, 43,4% eram mulheres e a fração de ejeção média foi de 25,5%. Ao todo, 62 pacientes apresentaram crossover, sendo 48 no grupo TRC adaptativa e 14 no grupo TRC convencional.
O estudo foi interrompido precocemente por futilidade na análise interina com um total de 900 eventos (82% do inicialmente planejado, ou seja, 1100 eventos). Aos 5 anos de seguimento, a incidência cumulativa estimada do desfecho primário foi de 23,5% versus 25,7% nos grupos TRC adaptativa versus convencional, respectivamente (hazard ratio [HR] 0,89; intervalo de confiança [IC] 95% 0,78-1,01; P = 0,077). Não houve diferença estatisticamente significativa de mortalidade (15,6% versus 17,4% em 5 anos, respectivamente; HR 0,88; IC 95% 0,75-1,03) nem de piora da insuficiência cardíaca (13,2% versus 14,5%, respectivamente; HR 0,91; IC 95% 0,76-1,08). Em ambos os grupos, houve um aumento médio de cerca de 16 pontos no KCCQ, sem diferença entre os tratamentos. A qualidade de vida e a incidência de FA também foram semelhantes entre os dois. A TRC adaptativa se associou a uma menor incidência de exaustão de gerador em 7 anos (15,1% versus 23,7%; HR 0,59; IC 95% 0,47-0,75). Em uma análise post-hoc, pacientes que tiveram uma quantidade de estimulação sincronizada do VE de 85% ou mais ao longo do seguimento pareceram ter benefício com a TRC adaptativa no desfecho primário (HR 0,76; IC 95% 0,63-0,91).
E agora?
A TRC constituiu em um grande avanço no tratamento da ICFER, sendo indicada em pacientes com BRE e sintomas persistentes a fim de melhorar sintomas, reduzir hospitalizações e aumentar a sobrevida. O estudo AdaptResponse procurou avaliar um aperfeiçoamento desta técnica, na medida em que um estímulo mais próximo do fisiológico poderia, em teoria, melhorar ainda mais os resultados desta modalidade de tratamento da ICFER. Entretanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois modos, adaptativo versus convencional, na taxa de morte ou agudização da insuficiência cardíaca, nem na melhora dos sintomas. Houve uma associação entre a TRC adaptativa e menor ocorrência de exaustão de gerador, o que poderia ser um atrativo para a nova técnica, embora estudos de custo-efetividade, inclusive dentro do mesmo ensaio clínico, devam esclarecer melhor esta questão no futuro.
O estudo tem algumas limitações metodológicas que merecem observação. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo que foi interrompido precocemente, antes no número calculado de eventos ser atingido. Embora a diferença entre os grupos não tenha sido estatisticamente significativa, é possível que ela de fato exista, porém o estudo pode não ter tido poder estatístico para detectá-la. Em segundo lugar, a análise de subgrupo que sugere benefício entre aqueles pacientes com estimulação do VE > 85%, embora pareça interessante, deve ser interpretada com bastante ressalva, pois se trata de uma análise post hoc, ou seja, foi realizada após se conhecerem os dados. Nesse tipo de situação, os achados são muito vulneráveis a achados espúrios, simplesmente ao acaso, também chamado de erro tipo 1. Além disso, esta análise se baseia em uma variável pós-randomização, o que também a torna frágil do ponto de vista metodológico, pois viola o princípio da análise por intenção de tratar.
Em resumo, a TRC adaptativa não se mostrou superior à TRC tradicional na melhora da sobrevida e morbidade da ICFER. Futuros estudos, com aperfeiçoamento desta técnica e até mesmo com seleção mais cuidadosa de pacientes (provavelmente aqueles com maior chance de apresentar estimulação sincronizada do VE), devem esclarecer melhor o papel que a TRC adaptativa deve ter na prática clínica nos pacientes com ICFER.