Tirzepatida em pacientes portadores de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e obesidade: o estudo SUMMIT - MDHealth - Educação Médica Independente
terça-feira dez 10, 2024

Tirzepatida em pacientes portadores de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e obesidade: o estudo SUMMIT

Escrito por: Flávia Bittar Brito Arantes em 6 de dezembro de 2024

5 min de leitura

O quê?

O estudo Tirzepatide for Heart Failure With Preserved Ejection Fraction and Obesity foi um ensaio clínico randomizado que avaliou a segurança e eficácia da tirzepatida entre pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) e obesidade.

 

Por quê?

Há uma necessidade não atendida:

ICFEP representa cerca de metade dos casos de insuficiência cardíaca e há poucas opções de tratamento disponíveis para ICFEP.

Obesidade tem forte correlação com ICFEP:

A maioria dos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada apresenta sobrepeso ou obesidade ( em torno de 80%)

Adiposidade visceral contribui para a evolução e progressão da insuficiência cardíaca. Além disso, o aumento na massa de adipócitos induz um estado de inflamação sistêmica.

Há evidências prévias que reforçam este racional:

Dois ensaios anteriores com agonista do glucagon-like peptide 1 (GLP-1), a semaglutida – o STEP HFpEF e STEP HFpEF Diabetes – avaliaram pacientes com ICFEP e obesidade, e ambos mostraram melhorias na qualidade de vida, nas limitações físicas e perda de peso, mas não tinham poder para avaliar a redução de desfechos duros em insuficiência cardíaca como internação ou piora da IC .

Tizepartida tem mecanismo de ação diferente:

Tirzepatida é um agonista de ação prolongada do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e dos receptores GLP-1 que resulta em perda de peso de 12 a 21% em pacientes com obesidade.

No estudo SUMMIT, os investigadores avaliaram seu impacto em redução dos desfechos de IC em pacientes com obesidade.

 

Como?

Foram incluídos 731 pacientes com ICFEP (NYHA II-IV e NT-proBNP ≥ 200pg/mL, com descompensação nos últimos 12 meses) e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)≥ 50%, que também tinham obesidade definida como índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2, entre outros. Os participantes foram randomizados para receber tirzepatida em doses tituladas a cada 4 semanas (2,5mg, 5mg, 7,5mg, 10mg, 12,5mg) até 15 mg, por via subcutânea uma vez por semana, ou placebo por pelo menos 52 semanas. A duração média do acompanhamento foi de 104 semanas.

Os dois desfechos primários foram: a) um composto de morte por causas cardiovasculares ou piora do evento de insuficiência cardíaca associado a mudança na pontuação clínica do Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ; as pontuações variam de 0 a 100, com pontuações mais altas indicando melhor qualidade de vida) desde o início até 52 semanas; e b) variação no teste de caminhada de 6 minutos (TC6) em 52 semanas.

 

E aí?

Um total de 364 pacientes foram designados para o grupo tirzepatida e 367 para o grupo placebo; a duração média do acompanhamento foi de 104 semanas. Em torno de 70% dos pacientes eram brancos, com peso médio de 103kg e IMC=38kg/m2. Em relação aos medicamentos de base: 74%

dos pacientes usavam diuréticos, 35% antagonista do receptor mineralocorticoide e 17% inibidor do cotransportador-2 de sódio-glicose (SGLT2i).

 

Quanto ao desfecho primário, o composto de morte por causas cardiovasculares ou um agravamento de insuficiência cardíaca ocorreu em 36 pacientes (9,9%) no grupo tirzepatida e em 56 pacientes (15,3%) no grupo placebo (hazard ratio [HR] 0,62; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,41 a 0,95). Individualmente, a piora dos eventos de IC ocorreu em 29 pacientes (8,0%) no grupo tirzepatida e em 52 pacientes (14,2%) no grupo placebo (HR 0,54; IC 95%, 0,34 a 0,85) e as mortes por causas cardiovasculares ocorreram em 8 pacientes (2,2%) e 5 pacientes (1,4%), respectivamente (HR 1,58; 95% IC, 0,52 a 4,83). Em 52 semanas de seguimento, a alteração média (±DP) no KCCQ foi de 19,5±1,2 no grupo tirzepatida em comparação com 12,7±1,3 no grupo placebo (diferença entre grupos 6,9; IC 95%, 3,3 a 10,6; P<0,001). A variação no teste de caminhada de 6 minutos (em metros) desde o início até a semana 52 foi de +26,0 no grupo tirzepatida versus +10,1 no placebo, p < 0,001. Os desfechos secundários mostraram uma redução de 12% no peso corporal e uma redução de 34,9% na proteína C reativa com tirzepatida. O benefício com a tirzepatida foi consistente em todos os principais subgrupos pré-especificados.

 

Os eventos adversos (principalmente gastrointestinais) que levaram à descontinuação do medicamento experimental ocorreram em 23 pacientes (6,3%) no grupo tirzepatida e em 5 pacientes (1,4%) no grupo placebo.

 

E agora?

Os resultados do estudo SUMMIT mostram que, entre pacientes obesos com ICFEp, a tirzepatida subcutânea uma vez por semana foi superior ao placebo na redução do composto de morte CV e eventos relacionados com IC, impulsionada principalmente por uma redução nos eventos de piora da IC. Foi observado, ainda, melhora do peso corporal (perda de peso ~11-12%) e nos resultados de qualidade de vida, incluindo KCCQ e TC6 em 52 semanas com o uso da tirzepatida. Esses dados importantes, adicionados aos resultados do ensaio STEP-HFpEF com a semaglutida, colocam a classe dos análogos de GLP1 como parte do atual tripé no tratamento da ICFEP (juntamente com a finerenona e os inibidores da SGLT2)

No entanto, uma limitação deste estudo é que apenas cerca de 17% dos pacientes estavam em uso de inibidores da SGL2T no início do estudo (que ocorreu entre abril de 2021 e junho de 2023). Nessa ocasião, os resultados positivos para os desfechos compostos, motivados principalmente por redução de internação por ICFEp, haviam apenas sido apresentados em agosto de 2021 no estudo Emperor-Preserved (empagliflozina) e agosto de 2022 no estudo Deliver (dapagliflozina) ( e ainda não incoroporados às diretrizes internacionais). No SUMMIT, entretanto, a análise de subgrupo contemplou apenas o uso da espironolactona ou eplerenona como medicações concomitantes e foi consistente a favor da tirzepatida.

Os resultados do SUMMIT e STEP-HfpEF mostram consistência de benefício dos análogos de GLP-1 na ICFEP de fenótipo obesidade, mas por ora não generalizável às demais causas da doença. Além do impacto na redução de peso, estes estudos mostraram redução de marcardores inflamatórios e de sobrecarga miocárdica, sugerindo benefício adicional à perda de peso.

Referência

  1. Packer M, Zile MR, Kramer CM, et al., for the SUMMIT Trial Study Group. Tirzepatide for Heart Failure With Preserved Ejection Fraction and Obesity. N Engl J Med 2024;Nov 16:[Epub ahead of print].

Sobre o autor

Flávia Bittar Brito Arantes

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Docente na Faculdade IMEPAC e Coordenadora Médica do Centro de Pesquisa Eurolatino em Uberlândia