O quê?
O estudo ARREST foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto, feito na Inglaterra, avaliando a transferência de pacientes ressuscitados após parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar para um centro de tratamento especializado cardiológico versus cuidado padrão (ou seja, transferência para um hospital não especializado).
Por quê?
Pacientes que sofrem PCR extra-hospitalar comumente apresentam uma doença cardiovascular como fator precipitante. Por conta disso, estudos observacionais prévios haviam sugerido que o prognóstico destes pacientes poderia ser melhor quando transferidos imediatamente para um serviço de referência de cardiologia, a fim de facilitar os cuidados especializados e exames de imagem (sobretudo coronariografia), em relação à transferência a serviços primários.
Como?
O estudo ARREST incluiu pacientes vítimas de PCR extra-hospitalar com returno à circulação espontânea atendidos pelo serviço médico de emergência (SME) de Londres. Qualquer paciente era incluído, independente do ritmo (se chocável ou não), a menos que uma causa nitidamente não-cardíaca (exemplo: trauma) fosse suspeitada, ou houvesse supradesnível do segmento ST no eletrocardiograma após retorno à circulação espontânea. Os pacientes eram alocados aleatoriamente para o grupo intervenção, com transferência imediata a centros de referência em cardiologia, versus o cuidado usual, com transferência ao hospital mais próximo da ocorrência.
O desfecho primário do estudo foi mortalidade em 30 dias. Os desfechos secundários foram mortalidade em 90 dias; status neurológico na alta e em 3 meses, avaliado pelo escore de Rankin (uma pontuação que vai de 0 a 6, onde 0 significa nenhum comprometimento neurológico; 1- comprometimento neurológico mínimo; 2- comprometimento neurológico leve; 3- comprometimento neurológico moderado; 4- comprometimento neurológico grave, com dependência para a maioria das atividades diárias; 5- acamado e totalmente dependente de cuidados de outras pessoas; 6- morte).
Estrutura PICOT | |
Population: | PCR extra-hospitalar |
Intervention | Transporte para um centro de referência em cardiologia |
Control: | Transporte para o hospital mais próximo da ocorrência |
Outcome | Mortalidade |
Time | 30 dias |
E aí?
O estudo incluiu 862 pacientes, dos quais 431 foram randomizados para o grupo intervenção (transferência a um centro especializado) e 431 para o grupo controle. Um total de 35 pacientes (17 no grupo intervenção e 18 no controle) foram excluídos pós randomização, restando 827 pacientes na análise por intenção de tratar. A média de idade foi de 63 anos; 32% eram do sexo feminino, e 20% tinham histórico de doença cardíaca isquêmica. Um ritmo chocável (fibrilação ventriculaer [FV] ou taquicardia ventricular [TV] sem pulso) estava presente em 55%. A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) foi feita na cena por quem testemunhou a PCR em cerca de 70% dos casos.
A mortalidade em 30 dias foi semelhante entre os dois grupos: 63% versus. 63% (razão de risco [RR] 1,00; intervalo de confiança [IC] 95% 0,90-1,11; P = 0,96), assim como a mortalidade em 3 meses (65% versus 64%; RR 1,02; IC 95% 0,92-1,12). A transferência para um centro de referência também não resultou em maiores chances de o paciente ter um melhor status neurológico pela escala de Rankin, seja na alta (odds ratio [OR] 1,00; IC 95% 0,76-1,32) ou em 3 meses (OR 0,98; IC 95% 0,73-1,31). Os pacientes do grupo intervenção tiveram um atraso de transferência ao hospital em média 7 minutos maior (IC 95% 2 a 12) em relação ao grupo controle.
E agora?
A PCR extra-hospitalar é uma condição de elevada mortalidade, conforme os números observados no estudo ARREST sugerem: praticamente 2 em cada 3 pacientes admitidos ao hospital pós RCP vão evoluir a óbito nos primeiros 3 meses. Estratégias a fim de reduzir a mortalidade nesta situação são urgentemente necessárias. Uma das possíveis alternativas seria garantir uma rápida transferência a um centro especializado capaz de prover cuidados de alta complexidade, como cinecoronariografia e cirurgia cardíaca. Porém, o estudo ARREST não observou um benefício desta estratégia de alocação de recursos na sobrevida nem no status neurológico em 30 ou em 90 dias.
Diante de um estudo com resultado neutro (ou seja, sem diferença estatisticamente significativa a favor da intervenção), algumas indagações devem ser feitas. A primeira delas é que o estudo pode não ter tido poder estatístico suficiente para encontrar a diferença esperada. Geralmente isso ocorre quando o estudo não consegue incluir o número projetado de pacientes, ou quando os participantes apresentam uma taxa de eventos menor do que esperado. Não parece ter sido este o caso do estudo ARREST. Outra possiblidade é a ocorrência de um viés em direção à nulidade (ou seja, a igualdade entre os grupos), geralmente quando os pacientes não aderem ao protocolo ou a taxa de crossover (migração de um tratamento para outro) é muito alta. Também não foi este o caso do presente estudo. O mais provável, portanto, é que a intervenção proposta não acrescente de fato benefício algum em relação ao cuidado padrão.
Diante de tais resultados, resta-nos a mensagem de que o atendimento imediato, com RCP no local da ocorrência e desfibrilação precoce em caso de ritmo chocável, ainda são as principais medidas a fim de se reduzir a mortalidade da PCR extra-hospitalar. Como em muitas situações da Medicina (e da vida), o mais simples muitas vezes é o mais importante.