Uso de mensagens de texto automatizadas no tratamento da insuficiência cardíaca: o ensaio clínico randomizado MESSAGE-HF - MDHealth - Educação Médica Independente
quarta-feira dez 18, 2024

Uso de mensagens de texto automatizadas no tratamento da insuficiência cardíaca: o ensaio clínico randomizado MESSAGE-HF

Escrito por: Samuel Moscavitch em 25 de março de 2024

4 min de leitura

O quê? 

O estudo MESSAGE-HF é um ensaio clínico randomizado que utilizou uma estratégia multifacetada baseada em mensagens de texto automatizadas em pacientes com admissão recente por insuficiência cardíaca (IC).  

Este estudo foi projetado para avaliar a viabilidade e eficácia de uma estratégia personalizada de telemonitoramento simples, mas intensiva, por meio de um serviço automatizado de mensagens curtas (SMS), mensagens de texto e entrevistas por telefone após uma hospitalização por IC aguda descompensada. 

 

Por quê? 

Apesar de grandes avanços em estratégias terapêuticas de doenças cardiovasculares crônicas, a IC continua sendo uma condição bastante prevalente, que cursa com redução na qualidade de vida, e é uma das principais causas de hospitalização no mundo. As readmissões após uma hospitalização por IC são um grande problema para os sistemas de saúde e programas que reduzem efetivamente as taxas de eventos clínicos precoces são uma necessidade global nãoatendida. A telemedicina é uma plataforma abrangente com múltiplas estratégias que poderia ser utilizada como ferramenta para melhorar a adesão ao tratamento e a assistência à saúde. Dessa forma, esse estudo teve como objetivo avaliar a viabilidade e eficácia de uma estratégia personalizada de telemonitoramento intensivo no período vulnerável após uma hospitalização por IC.   

 

Como?  

O estudo MESSAGE-HF é um ensaio clínico prospectivo, multicêntrico, randomizado, de grupos paralelos, realizado nas cinco regiões geográficas do Brasil. Esse ensaio clínico foi realizado em 30 clínicas de IC, entre julho de 2019 e julho de 2022. Pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 40% e acesso a telefone celular foram incluídos até 30 dias após a admissão por IC. Os participantes foram aleatoriamente alocados para intervenção com estratégia de telemonitoramento ou tratamento com acompanhamento padrão. O grupo de telemonitoramento recebia 4 mensagens de texto diárias do serviço automatizado de SMS para otimizar o autocuidado, engajamento e intervenção precoce. Sinais de alerta foram disparados por rápido ganho de peso, sintomas noturnos (dispneia), falta de adesão ao tratamento (reportado pelo paciente) e interação deficiente com o sistema. Os sinais de alerta advindos de mensagens de feedback desencadearam ajuste automático do diurético e/ou uma ligação telefônica da equipe de saúde. 

E aí? 

Dos 699 pacientes incluídos, 65,8% (n=460) eram do sexo masculino e com idade média (DP) de 61,2 (+14,5) anos. A maioria dos pacientes tinha IC de etiologia não-isquêmica e classe funcional NYHA II e III (84,3%). A mediana (IIQ) da FEVE de 28% (22-33); e, 64,2% (n=449) dos pacientes apresentavam FEVE <30%. A satisfação com a estratégia de telemonitorização foi excelente.  

O autocuidado com IC aumentou significativamente no grupo de telemonitoramento em comparação com o grupo controle (diferença de pontuação em 30 dias, -2,21 [IC95%, -3,67 a -0,74]; p = 0,001; diferença de pontuação em 180 dias, -2,08 [IC95%, −3,59 a −0,57]; P = 0,004). A variação do NT-proBNP foi semelhante no grupo de telemonitoramento em comparação com o grupo controle (Telemonitoramento: basal=2.593 pg/mL [IC95%, 2.314-2.923]; após 180 dias= 1.313 pg/mL [IC95%, 1.117-1.543]; grupo Controle: basal=2.396 pg/mL [IC de 95%, 2.122-2.721]; após 180 dias= 1.319 pg/mL [IC95%, 1.114-1.564]; proporção de alteração=0,92 [IC95%, 0,77-1,11]; p=0,39).  A análise hierárquica do desfecho composto demonstrou “win-rate” semelhante em ambos os grupos.  

 

E agora?  

O ensaio MESSAGE-HF testou uma estratégia de telemonitoramento simples, intensiva e individualizada em pacientes com IC no período particularmente vulnerável pós-admissão hospitalar. A estratégia de telemonitoramento foi bem aceita e aumentou os escores de autocuidado para IC, mas não se traduziu em reduções significativas nos níveis de peptídeo natriurético nem em melhora em um resultado clínico hierárquico composto. 

As limitações do estudo MESSAGE-HF podem ter sido: primeiro, sendo um estudo aberto (não-cego), é possível que o grupo controle possa ter sido parcialmente contaminado e não tenha representado seu autocuidado habitual (efeito Hawthorne), ainda que a randomização e alocação tenham sido processos sigilosos.  Além disso, implementar estratégias de telemonitoramento depende da aceitação, viabilidade e capacidade mínima de interação, e algumas restrições regionais culturais ou de acesso poderiam ter influenciado a inclusão/ exclusão de uma amostra mais heterogênea, ainda que improvável. Terceiro, as características basais da amostra do estudo e as taxas de eventos clínicos em ambos os braços do estudo divergem de estudos brasileiros prévios, o que traz maior cautela ao generalizar os resultados desse estudo. Por último, ainda que o período de realização do estudo MESSAGE-HF tenha sido diretamente impactado pela epidemia de COVID-19 no Brasil, a perda de seguimento foi mínima e não afetou a implementação do protocolo. 

Em conclusão, o estudo MESSAGE-HF é um ensaio clínico randomizado que não mostrou nenhum benefício sobre níveis de NT-proBNP e desfechos clínicos compostos de uma estratégia personalizada de telemonitoramento intensivo com SMS automatizadas em pacientes com internação recente por IC no Brasil.  Ainda que a educação do paciente, o engajamento e a melhora no autocuidado possam ser importantes para portadores de IC, não houve impacto a curto prazo (180 dias) após a alta hospitalar na melhora do prognóstico. 

Referência

  1. Rohde LE, Rover MM, Hoffmann Filho CR, et al. Multifaceted Strategy Based on Automated Text Messaging After a Recent Heart Failure Admission: The MESSAGE-HF Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiol. 2024; 9(2): 105-113.   

Sobre o autor

Samuel Moscavitch

Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Cardiologista pela UFF – Universidade Federal Fluminense; Doutor em Biologia Celular e Molecular com ênfase em Imunologia pelo IOC/Fiocruz; Pós-doutor em Doenças Cardiovasculares, Inflamação e Aterosclerose pela Harvard Medical School e pelo Brigham and Women’s Hospital; Pesquisador Colaborador do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.

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