O quê?
O estudo Vutrisiran in Patients with Transthyretin Amyloidosis with Cardiomyopathy foi estudo randomizado, duplo cego, multicentrico internacional com objetivo de determinar a eficácia e segurança da vultisirana, uma estratégia de tratamento silenciadora do RNA mensageiro, no tratamento da cardiomiopatia por amiloidose mediada por transtirretina (ATTR-CM).
Por quê?
A amiloidose por transtirretina, é uma doença progressiva, sistêmica e fatal causada pela proteína transtirretina mal dobrada que se acumula como fibrilas amilóides em vários órgãos, comumente levando a cardiomiopatia e polineuropatia. As opções atuais de tratamento permanecem limitadas. O tafamisis, um estabilizador de tetrâmero TTR é o único agente aprovado para o tratamento de ATTR-CM. No ensaio ATTR-ACT, o tafamidis foi associado a uma redução na mortalidade por todas as causas e nas hospitalizações relacionadas com doenças cardiovasculares ao longo de 30 meses, em comparação com o placebo; no entanto, a mortalidade permaneceu elevada e a qualidade de vida e a capacidade funcional continuaram a diminuir. Por se tratarem de vias de tratamento diferentes (estabilizadores versus silenciadores), o uso adicional das terapias parecia promissor e, por isso, o presente estudo foi desenhado.
Como?
O estudo incluiu pacientes de 18 a 85 anos, com diagnóstico de ATTR-CM (amiloidose ATTR variante ou de tipo selvagem), definido como a presença de depósitos amilóides de TTR em uma amostra de biópsia de tecido ou cumprimento de critérios diagnósticos validados baseados em cintilografia para ATTR-CM na ausência de gamopatia monoclonal. Também era necessária evidência de envolvimento cardíaco avaliado por ecocardiografia transtorácica (ECOTT), com espessura diastólica final da parede interventricular superior a 12 mm.
Os participantes deveriam apresentar ainda história clínica de insuficiência cardíaca, com pelo menos uma internação prévia por insuficiência cardíaca ou evidência clínica de insuficiência cardíaca, com sinais e sintomas de sobrecarga de volume ou pressões intracardíacas elevadas que justificassem tratamento diurético. Pacientes com escore de polineuropatia IIIa, IIIb ou IV, bem como TFG<30ml.min/1,73m3 ou NYHA IV foram excluídos.
Os participantes foram designados em uma proporção de 1:1 para receber vutrisirana (25 mg) ou placebo a cada 12 semanas por até 36 meses. O desfecho primário foi um composto de morte por qualquer causa e eventos cardiovasculares recorrentes. Os desfechos secundários incluíram morte por qualquer causa, a alteração da linha de base na distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos e a alteração da linha de base na pontuação do Questionário de Cardiomiopatia de Kansas City – Resumo Geral (KCCQ-OS).
População: pacientes com ATTR-CM sintomáticos
Intervenção: vutisirana 25mg
Comparador: placebo
Outcome: composto de morte por qualquer causa e eventos cardiovasculares recorrentes
Tempo: 42 meses
E aí?
Um total de 655 pacientes foram submetidos à randomização sendo que 326 foram designados para receber vutrisirana e 329 para receber placebo. Desses, apenas 7% eram mulheres, a maioria brancos, com idade média foi de 76 anos e 40% estavam em uso de tafamidis no início do estudo.
O tratamento com Vutrisirana levou a um risco menor de morte por qualquer causa e eventos cardiovasculares recorrentes do que o placebo (taxa de risco na população geral, 0,72; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,56 a 0,93; P = 0,01; taxa de risco na população em monoterapia (sem tafamidis) , 0,67; IC de 95%, 0,49 a 0,93; P=0,02) e um menor risco de morte por qualquer causa ao longo de 42 meses (taxa de risco na população geral, 0,65; IC de 95%, 0,46 a 0,90; P=0,01). Também houve melhora em capacidade funcional e qualidade de vida ao longo do estudo.
A incidência de eventos adversos foi semelhante nos dois grupos (99% no grupo vutrisiran e 98% no grupo placebo); eventos adversos graves ocorreram em 62% dos pacientes no grupo vutrisiran e em 67% daqueles no grupo placebo.
E agora?
A vutrisirana é uma terapia de RNAi, que é desenhada para se ligar e silenciar RNA mensageiro (RNAm) específico, bloqueando a produção da proteína transtirretina (TTR) dos tipos selvagem e variante antes que ela seja feita. Os resultados notáveis do vutrisiran numa população contemporânea de pacientes com cardiomiopatia ATTR destacam o poder do mecanismo de ação do RNAi e sugerem que a vutrisirana tem o potencial para se tornar o novo padrão de tratamento na cardiomiopatia ATTR. Vale relembrarmos as importantes limitações de generalização do presente estudo e o interpretarmos cautelosamente. Por outro lado, reforçamos que os efeitos da vutrisirana foram consistentes em todos os subgrupos pré-especificados, incluindo doentes que receberam tafamidis de base. Coletivamente, esses dados sugerem que o rápido knockdown da TTR pelo vutrisiran reduz a morbimortalidade entre pacientes com ATTR-CM.
Atualmente, o tratamento da cardiomiopatia por amiloidose, doença com alta morbi-mortalidade, se baseia em medicamentos de suporte para insuficiência cardíaca e terapêuticas específicas objetivando a redução da amiloidogênese na forma ATTR. Até o momento, o único tratamento liberado pelos órgãos regulatórios é o Tafamidis, um ESTABILIZADOR do tetrâmero de transtirretina por meio de pequenas moléculas que agem como estabilizadores cinéticos e impedem a dissociação de monômeros com enovelamento inadequado. Seus resultados foram promissores e impactaram em mortalidade, mas a incapacidade seguiu ao longo do estudo.
Por isso, a associação com os silenciadores, seja por meio de supressão da produção de transtirretina mutante e não-mutante pelos hepatócitos (como proposto pelo Patisiran), ou mesmo por inibidores de nucleotídeo antisense, apresentam grandes potenciais no tratamento da doença. O custo parece ser o seu maior limitador, mas com enorme potencial em custo-efetividade por trazer qualidade de vida e funcionalidade aos pacientes.