O reconhecimento clínico adequado e testes genéticos avançados possibilitam o diagnóstico precoce da Distrofia Muscular de Duchenne. Neste artigo, são apresentados os principais avanços no desenvolvimento de novos tratamentos e biomarcadores direcionados para distrofias musculares
Distrofia Muscular de Duchenne
A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença muscular grave, degenerativa, ligada ao cromossomo X, com incidência de 1:3.500-5.000 meninos nascidos vivos. A DMD é causada por mutações que levam a perda completa da proteína distrofina, enquanto a distrofia muscular de Becker (BMD) resulta em fenótipos mais leves devido à presença da proteína truncada.
Embora ocorra variabilidade fenotípica, os primeiros sinais da doença tendem a se apresentar em pacientes com idades entre 2 e 5 anos através de sintomas como atraso nos indicadores motores, quedas, andar na ponta dos pés, hipertrofia da panturrilha, elevados níveis de creatina quinase (CK) e comprometimento cognitivo. A degeneração muscular progressiva pode ocasionar a perda da deambulação, comprometimento respiratório e cardiomioparia, sendo a confirmação do diagnóstico realizada através de testes genéticos.
Terapias para DMD
Existem múltiplas estratégias terapêuticas para DMD, na qual a maioria é direcionada à preservação das funções respiratórias e musculares e não aborda diretamente os componentes cognitivos da doença, dentre as quais se destacam as terapias anti-inflamatórias. O uso de corticosteróides orais como a prednisona ou deflazacort nos estágios iniciais da doença proporciona o retardo no surgimento de sinais como a deambulação, reduz o declínio da função cardiopulmonar e o risco de escoliose, melhorando a expectativa de vida.
Uma das características da DMD é a degeneração da fibra muscular devido à ativação crônica de NF-kB e, por isso, uma das alternativas terapêuticas é a intervenção nas vias de sinalização celular. Neste sentido, a Vamorolona é um análogo de esteróide com propriedades anti-inflamatórias e estabilizadoras de membrana (incluindo inibição de NF-κB). O Edasalonexent também é um inibidor de NF-κB que apresentou resultados promissores em pacientes que não foram previamente tratados com corticosteróides.
O excesso de espécies reativas de oxigênio (ROS) torna as células musculares suscetíveis a lesões devido ao aumento da permeabilidade da membrana, degradação proteica, ativação da cascata inflamatória e disfunção mitocondrial e, por isso, a redução dos níveis de ROS pode ajudar a melhorar a função muscular. Nesse contexto, um estudo clínico de fase 3 que incluiu pacientes com DMD que não utilizam corticóides, demonstou que o uso da ibedenona melhora a função pulmonar dos pacientes que receberam este medicamento.
Nesse sentido, (+)-epicatequina, um flavonóide do cacau, demonstrou benefícios na função mitocondrial e estresse oxidativo em ensaios utilizando camundongos e sua aplicação também está sendo investigada para a terapia da DMD, assim como o galato de epigalocatequina, um importante polifenol encontrado em chá verde, que apresentou a capacidade de reduzdir os níveis de CK sérica em camundongos.
Os agentes antifibróticos, destinados a regular negativamente o fator de crescimento transformante-β (TGF-β), demonstraram a capacidade de diminuir a fibrose em alguns modelos pré-clinicos da DMD. Neste sentido, o pamrevlumab (GF3019) é um anticorpo monoclonal humanizado contra CTGF que está sendo avaliado para a terapia de pacientes com DMD não-deambulantes.
O Givinostat é um fármaco da classe de inibidores da histona deacetilase (HDAC) que apresenta propriedades anti-inflamatórias, anti-fibróticas e regenerativas. Um estudo de fase 3 avalia o uso desse medicamento em pacientes deambulantes com DMD.
A inibição da fosfodiesterase-5 apresenta efeito semelhante à distrofina defeituosa, que inclui a redução das enzimas produtoras de óxido nítrico (NO), afetando a perfusão do músculo. Nesse sentido, foi postulado que a inibição da fosfodiesterase (PDEi) seria capaz de aumentar a perfusão muscular, reduzindo a degeneção do tecido. Portanto, a avaliação dos medicamentos sildenafila (PDEi de curta ação) e tadalafila (PDEi de longa duração) demonstrou que há evidências da sua ação na redução do dano muscular em modelos animais. Contudo, não foi observado um efeito significativo do uso de tadalafila no teste de distância caminhada em 6 minutos (6MWD).
Dessa forma, o grande desafio para conseguir a estabilização e otimização da estrutura muscular, inclui a inibição da miostatina (fator de diferenciação de crescimento 8, GDF8) que regula o crescimento muscular e apresenta um importante papel na restauração da hipertrofia anormal por inibição da maturação dos mioblastos. O ACE-031 é outro inibidor da miostatina e, embora tenha demonstrado a manutenção dos valores na prova de 6MWD, os ensaios de fase inicial foram interrompidos devido a epistaxe e telangiectasias. A modulação da utrofina, que apresenta homologia significativa com a distrofina, está presente durante o desenvolvimento fetal e a regeneração muscular, mas é expressa principalmente nas junções neuromusculares. A expressão de utrofina está sendo investigada por meio da entrega do gene GALGT2 através do adenovírus associado (AAV) para efetuar a superexpressão de GALGT2. A superexpressão desse gene resulta na expressão de muitas proteínas associadas à sinapse, incluindo utrofina, melhorando assim o fenótipo da DMD.
A melhora da função cardíaca e respiratória vem sendo avaliada por diversas estratégias, como através do CAP-1002, que é uma nova abordagem terapêutica em que células-tronco alogênicas precursoras de cardiomiócitos são administradas diretamente no coração através de cateterismo cardíaco das artérias coronárias. A rimeporida, um inibidor de prótons sódio (NHE-1), inicialmente desenvolvido para insuficiência cardíaca, recebeu o status de medicamento órfão na Europa para uma indicação semelhante em DMD. Outra alternativa que vem sendo avaliada é o Carmeseal-MD/P-188 NF, que visa a estabilização da membrana muscular por suas propriedades de estrutura anfipática e vem apresentando capacidade de redução do declínio da função respiratória em estudos pré-clínicos.
Um dos principais alvos do mecanismo de terapia da DMD tem sido a restauração da função da distrofina mutada. Dentre eles, o salto do éxon onde um produto proteico funcional é recuperado pelo uso de oligonucleotídeo sintético antisense (ASO) direcional ao RNA mensageiro para restaurar o defeito do gene. Nesse sentido, o Eteplirsen recebeu aprovação acelerada da FDA em 2016 com base em um pequeno ensaio (n=12), que demonstrou um aumento de 23% em distrofina positiva nas fibras musculares e melhora da 6MWD, o que o tornou o primeiro medicamento a receber a aprovação do FDA usando a quantificação de distrofina como uma medida de resultado substituto para DMD. Além do Eteplirsen, outros ASOs estão disponíveis, como o Casimersen (éxon 45) e Golodirsen (éxon 53). Cerca de 9% e 10% de pacientes dom DMD são candidatos a terapia com Casimersen e Golodirsen, respectivamente.
Dados pré-clínicos sobre oligômero morfolino fosforodiamidato conjugado com peptídeo (PPMO), que são ASOs com análogos de DNA neutros, mostraram-se promissores com farmacocinética favorável e notável penetração no coração e no diafragma. O SRP-5051, um PPMO para pular o éxon 51, e outros 3: NS-065 para éxon 53, WVE-210201 para pular o éxon51 e DS-5141b para pular o éxon 45 estão sendo desenvolvidos. Mutações non-sense correspondem a cerca de 10 a 15% dos pacientes com DMD e geram um códon de parada, resultando na formação de proteínas truncadas e não-funcionais. O Ataluren, um medicamento oral com melhor perfil de segurança, promove a leitura da parada códon prematura, levando à produção de distrofina parcialmente funcional
Por fim, outra estratégia fundamental para a terapia de distrofias musculares é a utilização da tecnologia do CRISPR-Cas9, na qual a endonuclease Cas9 associada a um RNA guia apresenta a capacidade de clivar o genoma de maneira precisa. Estudos in vitro mostraram que essa tecnologia apresenta potencial para a correção de uma série de mutações, incluindo pacientes com deleções únicas ou múltiplas de éxons.
Biomarcadores
Embora tenha havido um tremendo progresso no desenvolvimento da terapia, o desenvolvmento de biomarcadores para DMD apresentou menor progresso. A medidas de avaliação mais comumente usadas em ensaios clínicos incluem escalas funcionais como o 6MWD, a medida da função motora (MFM) e a escala para classificação da avaliação ambulatorial chamada NorthStar.
O biomarcador de diagnóstico mais amplamente conhecido e usado atualmente é a CK sérica, que é um biomarcador farmacodinâmico fraco e um ponto final substituto para DMD. O teste de CK em sangue seco pode ser usado na triagem neonatal para detecção precoce de DMD e outras distrofias musculares. Com o advento das terapias gênicas para restaurar a proteína distrofina, a análise de distrofina via IHC e WB tem sido utilizada como biomarcadores de monitoramento de eficácia. Apesar disso, a correlação clínica entre medidas de resultados funcionais e expressão de proteína distrofina em biópsias tem sido fraca.
A espectroscopia de ressonância magnética e a ressonância magnética são técnicas não invasivas úteis para avaliar o tecido muscular e, assim, a progressão da doença. Existem vários biomarcadores de prognósticos para ajudar a prever gravidade da doença como, por exemplo, a proteína 4 de ligação a TGFβ latente (LTBP4), que foi identificada como um modificador genético que se correlaciona com idade da perda da deambulação.
Vários potenciais metabólicos/marcadores inflamatórios (CCL22, FCER2, insulina e leptina, metaloproteinases (MMPs), ácidos graxos e proteínas intermediárias no sangue ou na urina podem ser usados como preditivos e biomarcadores de segurança, mas nenhum foi confirmado como útil para escala clínica generalizada.
Além disso, miRNAs ou miRs têm uma capacidade intrínseca e funcionam como silenciadores de genes e modulam a síntese de proteínas específicas. miRNAs podem ser biomarcadores ideais, pois são expressos especificamente em diferentes tecidos e são liberados na circulação após lesões.