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Nomenclatura: Orbitopatia associada à tireoide, oftalmopatia de Graves ou doença ocular da tireoide?

Escrito por: Nuria Bengala Zurro em 7 de maio de 2024

5 min de leitura

A terminologia utilizada na medicina impacta a precisão científica, a percepção do paciente, a comunicação e a recuperação de informações. Acreditamos que os termos “doença ocular da tireoide” (TED) ou “oftalmopatia de Grave” (GOp) usados para descrever a orbitopatia não traumática mais comum são inadequados. A orbitopatia autoimune frequentemente associada ao distireoidismo deve ser referida como “orbitopatia associada à tireoide” (TAO). As razões para adotar essa nomenclatura incluem (i) maior precisão científica, (ii) evitando as limitações dos epônimos, e (iii) padronização da terminologia para facilitar a comunicação e a recuperação de informações em bancos de dados eletrônicos. 

  1. A nomenclatura de uma doença deve conter informações relevantes de maneira concisa, refletir os conceitos atuais de fisiopatologia e ser compreensível para grupos interdisciplinares. Portanto, é importante evitar nomes inadequados para a TAO que usem termos como “oftalmopatia” ou “doença ocular”. No contexto orbital, o fibroblasto é a célula alvo e efetora no processo autoimune, e a TAO é uma orbitopatia primária na qual o olho pode ser afetado secundariamente. Embora expressões como TED possam ser entendidas por leigos, elas perdem a localização primária da patologia e atribuem causalidade de maneira inadequada. A glândula tireoide não é a única causa da orbitopatia. O termo “associação” na TAO não indica causalidade. Um nome mais preciso do que TAO seria “orbitopatia autoimune frequentemente associada a distireoidismo e retração palpebral” (AOADR), mas a sigla é complicada e um tanto redundante. 

 

  1. Embora os epônimos históricos como “Graves” e “von Basedow” sirvam como uma espécie de abreviação na linguagem médica, esses termos não oferecem informações claras e podem não ter significado ao cruzar barreiras linguísticas, culturais ou geracionais, o que dificulta a comunicação médica em um mundo globalizado. Além disso, o epônimo “Graves” associado a “oftalmopatia” ou “orbitopatia” apresenta várias desvantagens. O termo “Doença de Graves” implica hipertireoidismo, porém, 7% ou mais dos pacientes com TAO são eutireoidianos ou hipotireoidianos. Às vezes, o epônimo “Graves” pode até causar angústia desnecessária nos pacientes devido à sua associação com um cemitério.
  2. A padronização da nomenclatura não busca eliminar a diversidade na literatura médica, mas sim servir como uma defesa contra a confusão. Por exemplo, no mesmo volume de 2018, Suplemento 4 da revista Ophthalmic Surgery, 6 artigos distintos sobre TAO utilizaram termos diferentes em seus títulos, como “orbitopatia de Graves”, “TED”, “GOp”, “neuropatia óptica distireoide” e “doença ocular compressiva da tireoide”. Um leitor não familiarizado poderia supor que esses artigos abordavam condições diferentes. Curiosamente, o site da bem conceituada Organização Nacional para Doenças Raras lista três “subdivisões” da doença de Graves: “Dermopatia de Graves”, “Orbitopatia de Graves” e “Oftalmopatia de Graves”, como se fossem entidades distintas. A pesquisa por palavras-chave em bancos de dados eletrônicos e médicos é prejudicada pela variedade de sinônimos para TAO. Uma revisão da literatura sobre TAO na última década, utilizando os termos TAO e 10 sinônimos de palavras-chave, mostrou uma variação no número de artigos recuperados, com uma média e desvio padrão de 1282 ± 851 resultados no PubMed, 264 ± 339 no Embase e 9417 ± 10196 no Google. No PubMed, a palavra-chave “doença ocular da tireoide” teve o maior número de buscas, seguida por “orbitopatia de Graves”. No Embase, as palavras-chave “oftalmopatia de Graves” e “orbitopatia de Graves” tiveram o maior rendimento. No Google Acadêmico, “doença ocular da tireoide” e “doença ocular de Graves” forneceram a maioria dos resultados. Os sinônimos de “orbitopatia” para TAO representaram 26,3%, 34,3% e 14,9% do total de resultados no PubMed, Embase e Google Scholar, respectivamente.

Uma vez que os nomes das doenças são atribuídos, pode ser desafiador alterá-los, mesmo que existam termos mais apropriados disponíveis. As revistas médicas poderiam facilitar essa transição adotando um vocabulário uniforme e incluindo o epônimo “Graves” ou “oftalmopatia” entre parênteses, por exemplo, “orbitopatia associada à tireoide (Graves)” ou “orbitopatia associada à tireoide (doença ocular da tireoide)”. 

Nesse ínterim, para fins de pesquisa, em vez de pesquisas por palavras-chave, as pesquisas no Enquanto isso, para fins de pesquisa, sugere-se repetir as pesquisas no PubMed utilizando o termo de assunto médico “oftalmopatia grave” e na Embase com “oftalmopatia endócrina”. Apesar disso, organizações como a International Thyroid Eye Disease Society (ITEDS) e o European Group On Graves’ Orbitopathy (EUGOGO) podem resistir à mudança de suas siglas sociais familiares. No entanto, a comunicação eficaz começa com uma terminologia precisa. A ITEDS poderia considerar a transição de seu nome para “International Thyroid Orbital Disease Society” (ITODS) ou “International Society for Thyroid-Associated Orbitopathy” (ISTAOS). Por sua vez, o EUGOGO reconhece corretamente o TAO como uma orbitopatia, mas, caso opte por manter o epônimo, deveria ao menos descontinuar a forma genitiva. 

Se os especialistas em TAO reconhecem as limitações dos apelidos como “TED” e “GO”, por que não simplesmente manter o status quo? A resposta é que nossos pacientes e colegas podem não estar familiarizados com as nuances dos termos inadequados, e os bancos de dados eletrônicos podem não reconhecer termos mais precisos, como TAO. A promoção de um léxico padronizado deve ser cada vez mais incentivada e aplicada, especialmente na era dos registros médicos eletrônicos. A adoção de um termo padrão na Nomenclatura Sistematizada de Termos Clínicos de Medicina ajudaria na recuperação e comunicação de dados. Houve várias correções semânticas para aumentar a precisão na literatura orbital. Por exemplo, evoluímos de “pseudotumor orbital” para “síndrome inflamatória orbital” ou “inflamação orbital não granulomatosa idiopática”. Agora, referimo-nos aos “linfangiomas” como “malformações venolinfáticas” para uma melhor classificação de sua fisiopatologia. Por várias razões, abandonamos o epônimo “granulomatose de Wegener” em favor da designação “granulomatose com poliangeíte”. Dada nossa busca por precisão terminológica, é apropriado usar um termo mais preciso, como TAO, para a doença orbital mais comum. Ao fazê-lo, não buscamos eliminar a diversidade na literatura médica, mas sim reduzir as fontes de confusão para nossos colegas, pacientes e pesquisadores em buscas eletrônicas. 

Referência

  1. Nomenclature: thyroid-associated orbitopathy, Graves ophthalmopathy, or thyroid eye disease? Ing EB, et al. Can J Ophthalmol. 2021. PMID: 3270230. 

Sobre o autor

Nuria Bengala Zurro

Mestre e Doutora em Imunología pela USP- Brasil. Geneticista pela UNaM - Argentina

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