Com recente aprovação pela FDA e dados que sustentam redução de 65% na progressão dos sintomas da doença de Niemann-Pick Tipo C, o arimoclomol abre novas perspectivas terapêuticas para pacientes com essa condição rara e progressiva.
A Doença de Niemann-Pick Tipo C (NPC) é uma condição neurodegenerativa rara e progressiva que afeta crianças e adultos. Dependendo da idade no início dos sintomas neurológicos, as manifestações podem incluir perda de função motora, dificuldades na deglutição e fala, além de comprometimento cognitivo. Embora a NPC ainda não tenha cura, avanços recentes, como o arimoclomol, aprovado em 2024 pela Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos, oferecem novas perspectivas de tratamento.
A NPC é uma doença complexa e heterogênea causado por alterações genéticas nos genes NPC1 ou NPC2, que codificam proteínas essenciais para o transporte e a regulação de colesterol e outros lipídios nos lisossomos. Essas alterações levam ao acúmulo de colesterol e lipídios dentro das células, especialmente nos lisossomos, prejudicando sua função de reciclar e degradar substâncias celulares. Esse acúmulo afeta a integridade e o funcionamento das células, resultando em danos ao sistema nervoso central, fígado e baço. A gravidade da doença varia, mas o início precoce dos sintomas está frequentemente associado a um curso mais agressivo, o que destaca a importância de intervenções precoces.
No Brasil, o tratamento da NPC é limitado ao uso do miglustat, que, embora desacelere a progressão da doença, apresenta benefícios modestos e não é uma cura. O miglustat é aprovado na União Europeia e utilizado off-label nos Estados Unidos. Nesse contexto, o arimoclomol surge como uma nova esperança terapêutica, especialmente considerando seus resultados promissores em ensaios clínicos.
O arimoclomol é um medicamento oral que potencializa uma resposta natural do organismo ao estresse celular, como o acúmulo de lipídios e proteínas malformadas, característica da NPC. Ele amplifica a produção de proteínas de choque térmico (Heat, Shock Response, HSPs), como a HSP70, que auxiliam no dobramento correto de proteínas, na reparação de proteínas danificadas, especialmente a NPC1, e na proteção contra a destruição celular. O medicamento também melhora a função dos lisossomos, fundamentais para a degradação dos lipídios acumulados nas células. Outra característica importante do arimoclomol é a sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, uma proteção natural que impede muitas substâncias de alcançarem o sistema nervoso central (SNC), essencial para tratar doenças que afetam o cérebro e o sistema nervoso. Com isso, arimoclomol apresenta-se como uma terapêutica inovadora que não apenas alivia os sintomas da doença, mas atua diretamente no mecanismo biológico.
O estudo clínico com arimoclomol foi randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, de fase II/III, e conduzido em múltiplos centros de pesquisa internacionais. Com a participação de 50 pacientes randomizamos entre 2 a 18 anos de idade, o estudo teve como objetivo principal avaliar a função neurológica, as capacidades motoras e cognitivas, além de outros parâmetros laboratoriais, como a atividade lisossômica. Durante 12 meses, os pacientes receberam doses de arimoclomol ou placebo, e a progressão dos sintomas foi monitorada pela escala 5-domain NPCCSS, que avalia cinco domínios centrais, críticos para monitorar a progressão da doença, como as funções motora, fala, deglutição, cognição e movimentos oculares.
Os resultados monstraram que o arimoclomol reduziu significativamente a progressão dos sintomas neurológicos em comparação com o placebo. Pacientes tratados com arimoclomol apresentaram um aumento médio de apenas 0,76 pontos na escala ao longo de 12 meses, enquanto o grupo placebo teve aumento de 2,15 pontos. Isso equivale a uma redução de 65% na velocidade de progressão da doença em relação ao grupo placebo. Em subgrupos específicos, como pacientes com idade superior a 4 anos, a redução chegou a 82%. No subgrupo pré-especificado de pacientes que receberam miglustate como cuidado rotineiro, o arimoclomol resultou na estabilização da gravidade da doença ao longo de 12 meses, com uma diferença de tratamento de 2,06 pontos em favor do arimoclomol. Embora a maior diferença entre arimoclomol e placebo tenha sido observada em pacientes que receberam miglustate, e os resultados sugiram uma possível interação benéfica entre eles, os autores reforçaram que o estudo não foi projetado para confirmar um efeito aditivo ou sinérgico entre os tratamentos.
Eventos adversos foram relatados em 88,2% dos pacientes que receberam arimoclomol e em 75,0% dos pacientes que receberam placebo. No entanto, eventos adversos graves foram menos frequentes no grupo tratado com arimoclomol (14,7%) em comparação ao placebo (31,3%). Entre os eventos graves relacionados ao tratamento com arimoclomol, destacaram-se dois casos de urticária e angioedema. Apesar disso, o arimoclomol foi considerado bem tolerado.
Com os resultados promissores do arimoclomol e sua recente aprovação pela FDA, abre-se um importante caminho para avanços no tratamento da NPC, uma doença rara com opções terapêuticas limitadas. No entanto, para que o medicamento se torne acessível no Brasil, será necessária a aprovação pela ANVISA, representando um passo crucial para disponibilizar essa terapia inovadora à população brasileira. Esse avanço traz novas esperanças às famílias afetadas pela NPC e destaca o potencial de inovação no campo das doenças raras, criando um modelo para o desenvolvimento de terapias para outras condições genéticas e neurodegenerativas.