Terapia com Inibidores do Complemento Transformou o Controle de Tromboembolismo e Hemólise na HPN.
Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma doença hematológica rara, potencialmente fatal, que pode resultar em eventos trombóticos e suas complicações, além de se manifestar com anemia hemolítica e sintomas como fadiga, falta de ar, dor de cabeça, urina escura ou avermelhada, dor abdominal e torácica. A trombose, muitas vezes, é a primeira manifestação clínica da doença, antes mesmo do diagnóstico, afetando até 40% dos pacientes com HPN, com a trombose venosa sendo a mais comum. A aprovação do anticorpo monoclonal eculizumabe foi um marco no tratamento da HPN, aliviando os sintomas, diminuindo o risco de trombose e a necessidade de transfusões sanguíneas. Em 2024, um biossimilar do eculizumabe foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), representando um avanço significativo no acesso a tratamentos de alto custo para HPN.
A HPN tem origem em uma desordem do sistema complemento, uma parte do sistema imunológico que auxilia na destruição de células danificadas ou invasoras. Essa desordem é provocada por uma mutação no gene PIG-A (fosfatidilinositol glicano classe A), que é responsável pela produção de uma molécula âncora (glicosilfosfatidilinositol – GPI) que fixa proteínas na superfície das células sanguíneas. Quando a mutação que causa a HPN ocorre, as células-tronco da medula óssea perdem a capacidade de produzir âncoras GPI, o que impede que proteínas reguladoras que protegeriam as células de serem atacadas pelo sistema complemento, a CD55 e a CD59, sejam ancoradas à membrana celular. No curso da doença, o sistema complemento se torna hiperativo e começa a atacar os glóbulos vermelhos que estão sem defesa, causando destruição das hemácias, liberação de hemoglobina na corrente sanguínea, e ativando as plaquetas, o que eleva o risco de trombose, com formação de coágulos em locais como veias profundas, fígado e pulmões.
Os estudos indicam que, dentre os indivíduos com HPN, os que tem um grande clone de células polimorfonucleares negativas para CD59 (mais de 50% dessas células) estão em um risco elevado de desenvolver trombose devido à ativação do sistema complemento e à subsequente destruição das células sanguíneas. Outros fatores de risco para eventos trombóticos em pacientes com HPN incluem desidrogenase láctica (LDH) 1,5 vezes ou mais acima do limite superior normal, eventos trombóticos anteriores e a presença de sintomas clínicos de HPN.
Medicamentos que atuam como inibidores do sistema complemento são eficazes no tratamento da HPN, protegendo as células sanguíneas. Um exemplo é o eculizumabe, um anticorpo monoclonal que se liga à proteína C5, impedindo sua ativação e a formação do Complexo de Ataque à Membrana (MAC), responsável pela destruição das células. Ele foi o primeiro inibidor de C5 aprovado para HPN e é administrado por infusão intravenosa a cada duas semanas. Estudos demonstraram que o eculizumabe reduz em 81,8% os eventos trombóticos e melhora os marcadores de função endotelial. Em pacientes com trombose venosa profunda, apenas 3 dos 26 pacientes em tratamento com eculizumabe desenvolveram trombose durante o tratamento. Além disso, por não atravessar a placenta, o eculizumabe é o inibidor de C5 recomendado para gestantes com HPN, um grupo de risco, visto que a taxa de mortalidade materna nesse cenário é estimada entre 12% e 21%.
Outro inibidor da via de C5 é o ravulizumabe, que oferece a vantagem de uma ação mais prolongada em comparação com o eculizumabe, podendo ser administrado a cada oito semanas após a introdução da terapia. Ambos os inibidores de C5 são indicados também para pacientes pediátricos, embora a trombose por HPN seja extremamente rara nessa população.
Embora os inibidores de C5, como o eculizumabe e o ravulizumabe, reduzam significativamente o risco de trombose ao controlar a ativação do complemento e a hemólise intravascular, alguns pacientes que desenvolvem eventos trombóticos ainda necessitam de anticoagulação adicional. Nesse caso, são utilizados medicamentos como varfarina, heparina de baixo peso molecular, e anticoagulantes orais diretos (rivaroxabana, apixabana e dabigatrana).
Outra via de ação dos inibidores de complemento é a via da proteína C3. O iptacopan, um inibidor oral da proteína C3, recentemente aprovado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), atua nas fases iniciais da ativação do complemento, inibindo o Fator B e prevenindo a formação da C3 convertase. Estudos indicam que o iptacopan tem maior eficácia que os inibidores de C5 no controle da hemólise e reduz a necessidade de transfusões. No entanto, seus efeitos sobre a diminuição de eventos trombóticos ainda são limitados pelos estudos disponíveis, embora se espere que, ao reduzir a hemólise, o iptacopan altere a biodisponibilidade do óxido nítrico (NO), que regula a função vascular, diminuindo indiretamente o risco de trombose.
Portanto, a trombose é a complicação mais grave da HPN, e a utilização de terapias que inibem o complemento, como o eculizumabe e o ravulizumabe, tem revolucionado o tratamento da doença. Apesar disso, em alguns casos, o uso de anticoagulantes, como os anticoagulantes orais diretos, ainda é necessário. No Brasil, o acesso a esses tratamentos de alto custo continua sendo um desafio, mas a chegada de novos medicamentos e biosimilares oferece novas perspectivas para o manejo da HPN.