Estudo observa os efeitos clínicos e biológicos de ravulizumabe e efgartigimode em pacientes com MG generalizada, mostrando benefícios e limitações na prática clínica.
A Miastenia Gravis (MG) é uma doença autoimune, crônica e rara, caracterizada por fraqueza muscular que piora com o esforço e melhora com o repouso. Os sintomas da MG incluem pálpebras caídas, dificuldade para mastigar, falar ou engolir, visão dupla, fadiga e, em casos graves, dificuldade para respirar. Recentemente, dados de mundo real foram divulgados sobre a eficácia de terapias aprovadas com mecanismos mediados por anticorpos — ravulizumabe e efgartigimode — que demonstraram melhora na qualidade de vida de pacientes com MG, medida pela escala Myasthenia Gravis – Activities of Daily Living (MG-ADL).
A MG ocorre por uma falha nos mecanismos de comunicação entre nervos e músculos. Normalmente, quando o impulso nervoso chega à junção neuromuscular, ele libera um neurotransmissor chamado acetilcolina (ACh), que se liga aos receptores de acetilcolina (AChR) na membrana pós-sináptica do músculo, gerando a contração muscular. No caso de pacientes com MG, o sistema imunológico faz com que anticorpos do tipo IgG ataquem os receptores AChR, causando sua destruição por meio da ativação do sistema complemento, parte do sistema imunológico. Como consequência desse ataque, haverá menos receptores de acetilcolina disponíveis para responder ao impulso nervoso, dificultando a transmissão do sinal entre os nervos e os músculos e gerando uma fraqueza muscular variável e fatigável, característica da doença.
O ravulizumabe é um anticorpo monoclonal que age inibindo a proteína do sistema complemento C5, que participaria da destruição das células na junção neuromuscular, impedindo, assim, a formação do complexo de ataque à membrana (MAC). Dessa forma, ele impede a destruição das células da junção neuromuscular e protege a placa motora do músculo contra os danos causados pelos anticorpos autoimunes. O efgartigimode é um fragmento de anticorpo que bloqueia uma proteína responsável por regular a quantidade de anticorpos IgG no sangue — o receptor Fc neonatal (FcRn). Em sua ação, favorece a degradação dos anticorpos IgG mais rapidamente, reduzindo sua quantidade no organismo e diminuindo a resposta autoimune.
Um estudo recente avaliou a eficácia clínica e os efeitos biológicos dessas terapias em pacientes com miastenia gravis generalizada (gMG) AChR-Ab positiva. Foram incluídos 41 pacientes tratados com ravulizumabe e 21 com efgartigimode. A maioria tinha doença moderada e já fazia uso de corticosteroides e/ou imunossupressores. O acompanhamento foi feito nas semanas 2 e 10 para ravulizumabe, e nas semanas 4 e 8 para efgartigimode.
Os resultados mostraram eficácia moderada e similar a curto prazo entre os tratamentos. Em estudos clínicos de fase III anteriores, mais de 60% dos pacientes alcançaram melhora clinicamente significativa na escala MG-ADL (redução ≥2 pontos). No estudo de mundo real, essas taxas foram mais baixas: 44% para o ravulizumabe e 35% para o efgartigimode. Nesse estudo, o ravulizumabe demonstrou uma diferença média no escore MG-ADL de −1,35 (IC 95%: −2,15 a −0,55) na semana 10, enquanto, para o efgartigimode, as diferenças médias nas semanas 4 e 8 foram de −1,10 (IC 95%: −2,48 a 0,28) e −1,65 (IC 95%: −3,28 a −0,02), respectivamente. Já a redução dos escores QMG não atingiu significância estatística, sendo que o ravulizumabe mostrou uma diferença maior (−1,06) em comparação ao efgartigimode (+0,45 na semana 4 e +0,05 na semana 8).
Em relação à eficácia biológica, o ravulizumabe reduziu significativamente os níveis circulantes dos componentes ativados do complemento terminal C5a e sC5b9, ao contrário do efgartigimode, que não teve efeito significativo no sistema complemento. A quantificação dos fatores do complemento sérico mostrou redução significativa de C5a (mediana: −4,4; p = 0,0002) e sC5b9 (mediana: −189; p = 0,009) com o uso de ravulizumabe. Já nos pacientes tratados com efgartigimode, as concentrações totais de IgG sérica foram reduzidas significativamente — em média, 41% na semana 8 em comparação aos níveis basais. Nos pacientes tratados com ravulizumabe, os níveis de IgG diminuíram apenas modestamente, com uma mediana de 7%. O estudo mostrou que nenhum dos tratamentos alterou de forma significativa as funções efetoras dos anticorpos patogênicos contra AChR, nem a ativação do complemento a montante do C5, reforçando que ambas as terapias exigem administração contínua e que a interrupção ou descontinuação provavelmente está associada a alto risco de piora da doença. Ambas as terapias foram bem toleradas, sem relatos de eventos adversos graves.
Os resultados menos expressivos observados no estudo de mundo real, em comparação aos estudos de fase III, podem ser atribuídos a dois principais fatores: o curto período de acompanhamento clínico, que limita a observação de benefícios terapêuticos sustentados, e o perfil dos participantes, que incluía muitos pacientes com MG de difícil controle, caracterizados por refratariedade a terapias imunossupressoras convencionais. Apesar das limitações, o estudo apresentou dados importantes para a prática clínica real, mostrando que os benefícios clínicos obtidos com ravulizumabe e efgartigimode podem ser heterogêneos na prática clínica diária.