Medicamento direcionado ao mecanismo da doença foi avaliado em pacientes com distrofias musculares congênitas relacionadas à laminina alfa2 e ao colágeno tipo 6
O quê?
As distrofias musculares congênitas são um grupo de doenças caracterizadas por fraqueza e atrofia musculares com início congênito ou no primeiro ano de vida. Na maioria dos casos, a alteração genética ocorre em uma das proteínas relacionadas à matriz extracelular e sua interação com a membrana do músculo e resultam em aumento da creatina cinase (CK) e um padrão distrófico na biópsia muscular (Topaloğlu & Poorshiri, 2023).
O estudo CALLISTO foi um estudo de fase 1, realizado entre 2014 e 2018 para avaliar as características farmacocinéticas do omigapil em três doses ascendentes em crianças e adolescentes com duas das formas mais comuns de distrofias musculares congênitas. O resultado da pesquisa foi disponibilizado recentemente na revista Neurology Genetics (Foley et al., 2024).
Por quê?
O omigapil é uma molécula pequena que atua como um anti-apoptótico, inibindo a morte celular dependente de p53. O medicamento, também conhecido como TCH346, foi anteriormente avaliado em ensaios clínicos de fase II/III em pacientes com doença de Parkinson (DP) e esclerose lateral amiotrófica (ELA), porém as pesquisas para essas condições foram descontinuadas por falta de eficácia (Olanow et al., 2006; Miller et al., 2007).
Apesar disso, com a verificação de que a apoptose desempenha um papel importante no mecanismo das distrofias musculares relacionadas à laminina alfa2 (LAMA2-RD) e ao colágeno tipo 6 (COL6-RD), foi proposto que ele poderia ser benéfico para essas condições. Estudos em modelos murinos de LAMA2-RD confirmaram o potencial do omigapil, que promoveu aumento do peso, da capacidade de locomoção e da sobrevida (Erb et al., 2009). No modelo animal de COL6-RD, por sua vez, houve melhora do músculo diafragmático e da integridade mitocondrial muscular. O estudo CALLISTO buscou então verificar seu potencial na LAMA2-RD e COL6-RD com o objetivo inicial de verificar o perfil farmacocinético, sua segurança e tolerabilidade, bem como a viabilidade se se realizar estudos adicionais com avaliações clínicas relevantes.
Como?
Foram selecionados pacientes com diagnóstico de LAMA2-RD ou COL6-RD, confirmado por avaliação genética ou imuno-histoquímica de biópsia muscular. Eles foram divididos em três coortes com doses ascendentes (0,02 mg/kg/dia; 0,08 mg/kg dia; e uma coorte com a dose determinada por um método adaptativo). A avaliação farmacocinética realizada a partir das doses administravas buscava replicar o alvo de dose determinado nos estudos em modelos animais. Um comitê de segurança supervisionou o estudo, avaliando a segurança e os dados de farmacocinética antes da progressão das doses. Os pacientes foram avaliados clinicamente e por meio de escalas e testes para avaliação motora e respiratória. Foi realizado também ressonância dos membros inferiores e coletado sangue e urina para biomarcadores.
Estrutura PICOT
Population: 10 pacientes com LAMA2-RD e 10 pacientes com COL6-RD com idades entre 5-16 anos
Intervention: Omigapil 0,02 mg/kg/dia – 0,08 mg/kg/dia
Control: Estudo aberto.
Outcome: Primário: avaliação do perfil farmacocinético e determinação da dose; Secundário: segurança e tolerabilidade. Terciário: viabilidade de conduzir estudos com avaliações clínicas relevantes.
Time: 28 semanas
E aí?
O estudo não conseguiu identificar nenhuma melhora clinicamente relevante em parâmetros respiratórios e motores ao final do tratamento, mas essa melhora não era esperada em um intervalo curto de tempo como o proposto pelo estudo e a avaliação de eficácia não era um de seus objetivos. Por outro lado, os pesquisadores conseguiram determinar a dose de 0,06 mg/kg/dia como a dose ótima para pacientes com LAMA2-RD e COL6-RD com base no perfil farmacocinético. O medicamento mostrou-se seguro e não foram observados eventos adversos sérios. Os eventos adversos reportados como relacionados ao medicamento foram desidratação, hipotensão, em um paciente, e náusea em outro. Os pacientes conseguiram realizar as avaliações clínicas motoras e respiratórias, assim como biomarcadores em sangue e urina. Houve, porém, uma variabilidade significativa em estudos de função pulmonar, possivelmente influenciada por fatores como infecções recorrentes e níveis de exaustão.
E agora?
O estudo CALLISTO destacou-se por ser o primeiro ensaio clínico a avaliar os efeitos de uma molécula pequena para pacientes com distrofias musculares congênitas LAMA2-RD ou COL6-RD. Embora nenhuma conclusão possa ser feita em relação à eficácia do medicamento, os dados do CALLISTO ajudarão a planejar um novo estudo com essa finalidade. Um desafio evidenciado é a variabilidade identificada entre as avaliações, o que é algo crítico para doenças raras, como as distrofias congênitas musculares, em que a amostra é muito pequena. Nesse sentido, uma avaliação com biomarcadores em sangue e urina, ainda em andamento, poderá auxiliar na definição de desfechos substitutos.