Tividenofusp Alfa (DNL310) mostra resultados promissores no tratamento das manifestações neurológicas da MPS II, trazendo esperança para pacientes e suas famílias.
A Síndrome de Hunter (MPS II) é uma condição genética rara, progressiva e que afeta principalmente meninos. Ela causa sérias complicações multisistêmicas, como problemas cardíacos, respiratórios, esqueléticos, e um grave comprometimento neurológico, com evolução para a morte precoce. O tratamento disponível alivia os sintomas físicos, mas não consegue tratar as manifestações neurológicas, um desafio devido à dificuldade das terapia em atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), impedindo o acesso ao sistema nervoso central (SNC). No entanto, avanços nas pesquisas estão abrindo novas possibilidades de tratamento. Uma terapia inovadora chamada Tividenofusp Alfa (DNL310) está mostrando resultados promissores, normalizando biomarcadores tanto cerebrais quanto sistêmicos. Embora ainda em estudo, a FDA dos Estados Unidos pode considerar uma aprovação acelerada dessa terapia, utilizando marcadores biomoleculares como endpoints substitutivos.
A MPS II é parte do grupo das mucopolissacaridoses (MPS), doenças de depósito lisossomal causadas por mutações genéticas que afetam a degradação de grandes moléculas chamadas glicosaminoglicanos (GAGs). Na MPS II, a deficiência da enzima iduronato-2-sulfatase (I2S) leva ao acúmulo de GAGs, como heparan e dermatan sulfato, que prejudica o funcionamento de lisossomos, causando danos em diversos órgãos, incluindo o cérebro. O tratamento atual é feito com a administração por via intravenosa de enzimas sintéticas ou recombinantes para substituir a enzima deficiente no organismo, conhecido como terapia enzimática de reposição (Enzyme Replacement Therapy, ERT). Embora a ERT estabilize ou reduza o acúmulo de GAGs nos tecidos periféricos, ela tem um impacto limitado nas manifestações neurológicas, pois as enzimas não conseguem atravessar a BHE em quantidades significativas para tratar efetivamente as doenças cerebrais, deixando as manifestações cognitivas e comportamentais sem tratamento adequado.
A terapia com o DNL310 combina a enzima I2S com um veículo de transporte enzimático (Enzyme Transport Vehicle, ETV). O ETV se liga ao receptor de transferrina (TfR), altamente expresso na BHE, facilitando a passagem da enzima para o cérebro e outros tecidos, como ossos, cartilagens e o coração. Essa estratégia aproveita o mecanismo que a transferrina, uma proteína que transporta ferro no sangue, já utiliza para atravessar a BHE via TfR por meio de um processo chamado transcitose mediada por receptor. A tecnologia do ETV oferece a possibilidade de tratar as manifestações sistêmicas e neurológicas da MPS II de forma total.
O estudo clínico de Fase 1/2 do DNL310 envolveu 45 crianças e adolescentes com MPS II, que receberam infusões semanais do medicamento, com doses variando de 3 a 30 mg/kg. Os resultados iniciais mostraram uma rápida normalização dos níveis de heparan sulfato no líquido cefalorraquidiano (LCR), com uma redução média superior a 90%, que foi sustentada ao longo do tempo. Além disso, observou-se uma redução média de 63,8% no neurofilamento de cadeia leve (NfL), um marcador de dano neuronal, indicando melhora na saúde cerebral. Também foram registrados declínios de 60-70% nos níveis de glicoesfingolipídios GM2 e GM3 no LCR, que são marcadores de disfunção lisossomal, sugerindo um impacto positivo na função cerebral.
No aspecto clínico, os participantes apresentaram melhorias significativas em escalas de desenvolvimento adaptativo e cognitivo, como o Vineland Adaptive Behavior Scales (VABS-II) e o Bayley Scales of Infant Development (BSID III), especialmente nas áreas mais relevantes para as famílias de pacientes com MPS II. Após 49 semanas de tratamento, as crianças mostraram progresso consistente em habilidades comportamentais e cognitivas. Além disso, os testes auditivos, como a resposta auditiva do tronco encefálico (ABR), revelaram uma melhoria na audição, especialmente nas frequências mais altas. No geral, o DNL310 foi bem tolerado, com um perfil de segurança consistente com outras ERTs já aprovadas.
Os resultados do estudo de Fase 1/2 estão sendo aprofundados em uma pesquisa global de Fase 2/3 (COMPASS), que avalia o DNL310 em crianças de 2 a 17 anos, com as formas neuronopática e não-neuronopática da doença. O objetivo é confirmar os benefícios observados nos estudos iniciais e expandir o acesso ao tratamento. Dado o impacto positivo nos biomarcadores e nas melhorias clínicas, a FDA pode considerar uma aprovação acelerada do DNL310, oferecendo uma nova esperança para pacientes e famílias que aguardam um tratamento eficaz para as manifestações neurológicas da MPS II.
A relevância de uma terapia como o DNL310 vai além da MPS II, pois abre caminho para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas que utilizam o sistema de transporte da transferrina para tratar doenças neurodegenerativas. O uso do sistema de transporte da transferrina demonstra que é possível superar as barreiras fisiológicas que limitam os tratamentos atuais, proporcionando novas perspectivas para doenças que afetam o SNC. Os estudos sobre a terapia com o DNL310 são uma boa notícia que oferece novas esperanças para melhorar a qualidade de vida e a expectativa de vida de crianças com a Síndrome de Hunter.